faz de conta que o que é, é!... avança o peão de rei.

...
o mistério difícil
em que ninguém repara
das rosas cansadas do dia a dia.

José Gomes Ferreira

quinta-feira, 2 de abril de 2009

"O Caso do Homem do Guincho" ou... - 13

13.

Logo que os dois GNR se afastaram, o Homem perguntou ao dono do bar, com voz sumida, se devia alguma coisa. Agradeceu, deu as boas tardes e fez-se à estrada.
Não deu por se ter esquecido da pasta, durante a manhã o seu apoio mais precioso, que já fora a sua bengala. Agora imprestável. Esquecida.
A conversa aliviara-o um pouco.
Se conversa fora aquela troca de palavras. Mas estas tinham tido o calor da solidariedade. Para mais, vindas de guardas-republicanos, de dois homens vestidos de fardas que ele se habituara a ter como referências desagradáveis, só recuperadas por uns que foram chamados “capitães de Abril”, e de que ouvira falar em casa e um pouco (pouco e mal) nas escolas por onde ainda andara alguns anos.
Sentia-se melhor.
Recomeçara a caminhada. Assim, caminhando, parecia-lhe mais fácil pensar. Pensar?!… Nem era bem isso. Como que estava dentro de uma nuvem que o envolvia e por ele entrava, que o aturdia. Como se estivesse sonhando. Ou sonambulando.
Esperando que, enquanto as pernas o levassem onde quisessem, o tempo escorresse. Depois, lá adiante, onde e quando fosse, se veria o que pensar. Que rumo dar a quê.
Andou, andou, andou. Muito? Pouco? Não tinha medida. Nem em metros, nem em minutos.
Saiu para fora, e longe, da berma da estrada por onde carros iam passando, alguns em alta velocidade.
Caminhou por um espaço aberto, largo, direito às rochas e ao mar. Onde, em idos tempos, nos domingos dos “passeios dos tristes” – casa, marginal, Estoril, Cascais, Boca do Inferno, Guincho, Sintra, Algueirão, Amadora, Lisboa, casa – vira, de longe, homens-estátua de cana de pesca na mão.
Deixou de andar. Saltava, equilibrando-se, de rocha em rocha. Com o mar perto, cada vez mais perto e, por vezes, entrando por baixo e pelos espaços entre as rochas.
Parou numa das rochas, numa que lhe pareceu já afeita a muitos corpos de pescadores. Sentou-se.
Talvez ali tudo se arrumasse dentro de si.

2 comentários:

Maria disse...

O mar ajuda-nos a acalmar...

Até sábado!
(vou ver o mar)

Sérgio Ribeiro disse...

Maria - tu e o mar. O mar e tu.
Sábado, teremos mais mar...
Espero emcontrar-te, e sei que te encontrarei.