faz de conta que o que é, é!... avança o peão de rei.

...
o mistério difícil
em que ninguém repara
das rosas cansadas do dia a dia.

José Gomes Ferreira

sexta-feira, 30 de julho de 2010

Longa jornada para um regresso - 2

II

Não foi à tropa nem à guerra,
como tantos da sua moça idade,
muitos para numa caixa de pinho voltar.
.
Pelos anos 60 partiu “de salto”,
de "salto" atravessou Espanha e Pirinéus
e a Paris arribou antes de “arrivar”,
como tantos e tantos mil
menos alguns que a guardia civil alvejou
(como ao “Bicho”, seu – e meu! – vizinho e amigo);
.
em Paris se encontrou,
em Champigny, por aqui e por ali,
em qualquer ville-bidon se acolheu e viveu;
trabalhou como um mouro,
que desse Sul tinha vindo para trabalhar.
.
Fez de tudo,
de maçon a metallo,
para biscates serviu,
com muita habilidade
… e alguma batota.
Foi mais um Fernão Mendes
(e como ele mentiu)
Desenrascou-se, pois então!
.
Logo que pôde
(e mesmo antes de poder...)
começou a vir de "vacanças" à terrinha,
comer frango sem pão,
saber da oliveira e da vinha,
beber menos vinho que Ricard,
mais bière que cerveja,
para alegria de uns, de outros inveja.
.
Reencontrou a antiga conversada,
e pouca conversa foi precisa,
estava a boda preparada.
Logo tudo se arranjou,
com o senhor prior se tratou,
dos banhos e da cerimónia,
e a festa a fartar, com os padrinhos,
os pais, parentes e vizinhos
como é de natureza e de uso secular.
.
E ela foi ter com ele,
na graça de deus e da senhora do lugar.
.
Assim, nova fase da vida começou,
a-dois… e mais os que iriam chegar.

Longa jornada para um regresso - 1

I

Nasceu nos idos anos 40,
numa aldeia deste País.
.
Cresceu de pé descalço e ranho no nariz,
guardou gado,
levou a merenda ao pai
à jorna lá no cimo do monte,
usou enxada e machada,
andou à lenha e foi à fonte;
.
fez fisgas com elásticos inventados,
atirou pedras a pássaros,
“armou costelas”,
chutou bolas de trapo e bexigas de porco;
.
foi à escola, que nem escola era mas um posto escolar,
que Salazar dizia e mandava que
para ensinar a ler, escrever e contar
bastava saber ler, escrever e contar
;
.
trabalhou à jorna,
de sol a sol, de chuva a chuva,
do cantar do galo às “ave-marias”
abriu poços, levantou muros,
pisou uvas, enxertou árvores,
semeou muito, colheu pouco;
.
correu as festas e as feiras,
descobriu-se na descoberta das cachopas,
com algumas se deitou nos palheiros,
entre espigas e barbas de milho;
.
do mundo para além da vila
não sabia de cidades
e de outras terras e notícias;
.
de guerras, ouvira a história do avô
que viera gaseado das franças
e a do avô do vizinho e amigo
que decepara o dedo de dar ao gatilho,
e assim “se livrara”,
e a de outro que fora amparo de mãe e sustento de filho;
.
"foi às sortes", ficou apurado para soldado,
condenado a ir para África matar e morrer.
Ainda fez a festa com os “do ano”,
com os nascidos 20 anos antes,
mas outra vida queria ter.
.
E uma vida nova, outra, tinha de começar.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Questões de linguagem... e de ideologia

ensaio para uso externo (de aqui, de estas ficções do cordel):
.
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Para uns, o provocado ameaça;
para outros, o ameaçado provoca!
.
e vice-versa:
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Para uns, o ameaçado provoca;
para outros, o provocado ameaça!
.
.
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Não há acordo ortográfico que apague a ideologia...

segunda-feira, 26 de julho de 2010

«Curtas (mas verdadeiras)»... diz ele

Ele, o gajo, o mano-velho (faz-de-conta e por isso valendo mais porque somos manos por escolha mútua), é assim! Teimoso como um casburro. Em vez de valorizar a blogaria entrando nesta esfera, manda-me «curtas (mas verdadeiras)» (diz ele...), e eu que as publique se quiser. E eu quero. Por isso, aqui vão umas amostras, isentas de direitos de autor, de IVA e dessas coisas:

«1. -

Ele: Já leste o meu livro?

Eu: Não!

Ele: Este gajo!?... não leu o meu livro!!, nem, ao menos..., aquela parte em que tu entras?

Eu: Que página é?

.

2. -

Outro: Quando o meu 3º filho nasceu, eu estava na prisão.

Eu: Mas era teu filho à mesma ?!

.

3. -

Ela: Já que estão aqui tão perto, podiam vir almoçar cá a casa!

Eu: O que é o almoço?


(à suivre)»


Isto é: há mais! Mas, antes, uma minha:


A. -

Eu: ... então passemos ao debate. Quem é que quer começar?

Eles: ...

Eu: O primeiro é sempre mais difícil...

O 1º: ... posso ser eu... naquele seu livro sobre a moeda única...

Eu: Ah!... foi você que o comprou?!

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Fotos antigas - ante(s)passadas

Nas costas desta foto, a lápis, com a letra que reconheço da minha avó Damásia, está escrito:


Caneças, 5 d'abril 1931
Domingo de Páscoa
.
Os dois casais de namorados que a ladeiam (e que ela decerto cuidadosamente vigiava...) eram os meus tios Joaquim Cardoso e Ermelinda, e os meus pais. Só casaram, e no mesmo da 10 de Junho, no ano de 1933. Eu? Só nasci em Dezembro de 1935!

terça-feira, 13 de julho de 2010

Voltar é "doce" mesmo quando ir não é "magoado" (expressões do crioulo)

Primeiro, rumámos a sul.
Depois, virámos a leste
… e fomos na horizontal,
deixando que o Alentejo nos tomasse de mansinho,
fugindo a cair na vertical da planura.
E de Mora, Brotas, Pavia ficámos,
como sempre nos acontece ficar:
mais alentejanos, mais portugueses, mais nós!
.
Agora, fazemos o caminho ao invés,
no regresso à casa que nos espera
no fim de todas as viagens.

Conversa cuscada no Largo da Anta, em Pavia


“P’ra quê? Atão p’ra quê?!... P’ra quando a gente formos indo à Festa, se a caminheta nã nos der múseca, nós ouvirmos modas no teremóbel…”

Casas agarradas ao chão e campos, campos, campos

Esta é a Rua do Sol, em Pavia.

As ruas rasgam-se pelo meio da vila. Para além das casas agarradas ao chão, por sobre os telhados baixos, depois das paredes caiadas, ao rés dos muros, campos, campos, campos. De oliveiras e de sobreiros. O silêncio e o cante da passarada. E o céu.

sábado, 10 de julho de 2010

Morreu o/Morreu a....

... e assim vamos vivendo!
Hoje, soube da morte do Jorge Humberto Fagundes. Pelo Expresso.
E foi a dorida memória do liceu Pedro Nunes, e da EPAM, e da amizade que connosco crescera e se encontrava às vezes. E já há tanto tempo que não... para nunca mais.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Mais um...

Um "rapaz do meu tempo" morreu ontem, e acompanhei hoje o seu enterro.
Morreu, dizem..., de um tumor que se escondera dentro do hemisfério direito do seu cérebro e, sorrateiramente, à "má fila", fora crescendo, como quem não quer a coisa, até o consumir.