faz de conta que o que é, é!... avança o peão de rei.

...
o mistério difícil
em que ninguém repara
das rosas cansadas do dia a dia.

José Gomes Ferreira

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

4 em 1

Cada um de nós é i) o que é, é ii) o que julga ser, é iii) a avaliação que os outros fazem de si, e é, ao fim das contas feitas, iv) a amálgama destas três coisas.

sábado, 24 de outubro de 2009

Direitos humanos e associativismo - o que faz e o que não faz sentido

Aqui, no meu bairro (poderia ter escrito na minha aldeia), o meu avô e mais alguns amigos do seu tempo, tão reformados como ele, formaram um grupo de jogadores de dominó.
Ao princípio, eram só quatro que se sentavam à mesa, e o grupo só existia para ocuparem umas horas das tardes reformadas.
Depois, as coisas começaram a complicar-se. Aparecerem mais reformados (isto da idade não perdoa...) e começou a ter de se organizar e regulamentar o acesso à mesa e às pedras do dominó. Para isso, formou-se o Clube dos Jogadores de Dominó do Jardim Cinema.
Pediram a um neto de um deles que fizesse uns estatutos, constituíram-se em assembleia constituinte que, por eles constituída, e sob o alto patrocínio técnico-jurídico do neto do avô, cumprindo todas as formalidades legais e administrativas e deram vida à personalidade jurídica com nome registado tal como antes decidido.
Isto já se passou há um bom par de décadas. Organizaram torneios, que fizeram história e antecedentes, criaram escolas de aprendizagem de dominó, foram alargando actividades sempre em torno do dominó e foram passando o testemunho de geração em geração.
Dos sócios fundadores já nenhum sobrevive. Alguns mexeram as pedras até à última “dobla” e curva da vida, outros foram praticar diferentes lazeres que mais os aliciaram, outros ainda retiraram-se da actividade pura e simplesmente.
Ainda há uns vagos netos entre os muitos que se dedicam à modalidade, também por homenagem respeitosa aos avôs, mas o certo é que a colectividade resistiu bem a alguns períodos de crise, que tocam a todos…, e está vivinha na prática e em prol do dominó.
É certo que, de vez em quando, aparecem uns recalcitrantes a fazer propostas, às vezes nem as levando às assembleia gerais mas procurando pressionar de fora para dentro, para que o Clube dos Jogadores de Dominó abandone o dominó e se dedique, por exemplo, às damas ou ao xadrez ou ao golfe, ao que lhes vem à cabeça, ou na cabeça lhes é metido por quem quer aproveitar o interessante património material e cultural do Clube.
Não têm conseguido, porque a maioria dos sócios não quer abandonar o dominó, e ao dominó está mesmo dedicada de alma e coração. Gostam, sobretudo, do ruído das pedras batidas nas mesas.
Mas os outros não desistem. Agora, há um, que até já recebeu prémios mundiais na sua arte, sempre se afirmando fiel ao dominó, que tem insistido em contrariar a direcção do Clube. Não há nada que esta faça com que esteja de acordo; apoia direcções e membros de clubes concorrentes; está sempre a dizer que o dominó é coisa ultrapassada, logo acrescentando que continua a ser adepto do jogo embora não o pratique.
E, muito recentemente, veio com uma ideia nova, novíssima, genial como ele, o direito à dissidência. Isto é, poder continuar-se sócio do Clube dos Jogadores de Dominó estando contra quem joga dominó, e defendendo o jogo da bisca, da sueca ou da canasta como substitutos do dominó.
A resposta a dar-lhe é que ele tem todo o direito à decisão… de deixar de fazer parte do Clube.
Que direito é esse de ser dissidente de onde não se está?
É assim como um ateu reivindicar o direito à heresia. Pois se ele é herético, como reivindicar ser o que é? Não faz sentido!

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Buganvília










Branca a buganvília explode
no odiado muro em frente

à volta a vida berra crente
e o negro sangue estanca

vermelha a buganvília
rompe o muro da frente


José Luandino Vieira
(Luanda, fins de 1962)

domingo, 18 de outubro de 2009

Conversas na manhã

- Bom dia, vizinha!
- Deus o salve…
- Frescote, hem?
- Pois ‘tá. E inda agora no rádio diziam que lá p’ró Algarve as praias estão cheias…
- É... Têm estado. E aqui o sol vai levantar.
- E atão… tão cedo cá por fora?
- Vim tratar de umas coisas da rega… vai até à missa?
- Vou ver se Deus
(disse assim, com D) me ouve... s'Ele existe. (disse assim, com E)
- Ó vizinha!... se ele existe?
- Eu cá acredito que sim...
- Se a vizinha acredita que existe, ele existe para si.
- Lá está o vizinho c’as suas coisas. Olhe qu’Ele existe...
- Boa missa! E fale-lhe alto.
(se fosse ela a escrever, ou se ela escrevesse, teria escrito Lhe)
- E olhe que vou rezar por si.
- ‘Brigadinho!

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Assim é!

A vontade, a vontade que não é livre porque também somos os outros, que tem de ser consciente, que só pode ser positiva... por vezes parece esmorecer, como que num anoitecer de que diz um belo poema da Lícinia Quitério.
Só há que reagir. É esta (e assim) a vida. Mas não é esta (e não é assim que tem de ser) a vida. Temos de a agarrar pelos cornos enquanto temos mãos e força e ajudar a mudá-la. A fazê-la outra. Enquanto somos. Para os que agora connosco são, e para os que depois de nós vierem
.


E as coisas simples. as simples coisas...

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Lucidamente desesperado. Às vezes...

Não desejo – e pouco desejável seria… - que “todos fossem como eu”. Sou único e nada exemplar.
Mas, às vezes, sinto-me desesperado por, em alguns, tão poucas parecenças encontrar com o que sou - e como estou na vida -, sobretudo quando toca a certos aspectos da nossa vida que são verdadeiramente definidores do que somos – e de como estamos na vida. Aspectos verdadeiramente definidores, essenciais… para mim, claro. O que é critério de nula validade.
A não ser para mim. Claro.
Lucidamente desesperado. Ou será desesperadamente lúcido?