faz de conta que o que é, é!... avança o peão de rei.

...
o mistério difícil
em que ninguém repara
das rosas cansadas do dia a dia.

José Gomes Ferreira

sexta-feira, 31 de agosto de 2007

Contando um (re)encontro neste amor que se conta - 10

Em Lisboa, ele,
em Bruxelas, ela,
os pontos sobre os is,
ou seja: epílogo… ou quase!

E iniciaram uma longa conversa, desmontando, peça a peça, tudo o que, cada um pelo seu lado, tinha congeminado e posto em execução.

De vez em quando, tinham de parar para soltar um riso ou uma gargalhada, não raro de mistura com uma lagrimita.

Como é que tinha sido possível?

E os passos em falso que o/a outro/a não detectara?, as “bocas” que a/o outra/o não decifrara, preocupados em que as suas “escorregadelas” não fossem descobertas?

O tempo foi passando, esquecidos de que o tempo passa e que, naquele caso, custa muito caro.

Mas o difícil era desligarem, naquele dia, o telefone que os unia tão longe estando um do outro, e substituía, de forma insólita, a comemoração em “jantar a dois”, como nos 20 anos anteriores, ano a ano, naquele mesmo dia.

Cresceu, em ambos, algum enternecimento a tomar o lugar da irritação, da perturbação, da confusão. O que o outro fizera fora mesmo prova de amor.

Apesar da tão grande distância, da desilusão, quase se sentiam felizes. Contentes, embora tristes… Comovidos. Ele a dizer-lhe que ia ouvir o Brel – la chanson des vieux amants –, ela a responder que lhe tinha comprado a Barbara com o je ne sais pas dire je t’aime.

E os dois, que não eram dados a juras, juraram que não iam repetir graças daqueles.

Pelo menos enquanto se lembrassem…

Isto foi o que se disseram!

Barbara & Brel

Esta manhã, nestas folgas "inventadas" para a transcrição (com revisão permanente) da estória que venho contando, resolvi acompanhar o dedilhar com a audição destes dois - Barbara & Brel... que firma! -, e fiquei por aqui, esquecido do resto. Depoi, não resisti a juntá-los à estória (que atrevimento!). É uma prenda que dou às minhas/meus visitantes...
E não é que, neste passeio, descobri os dois a fazerem uma gracinha? Depois mostro, se não descobrirem antes.

Contando um (re)encontro neste amor que se conta - 9

Em Lisboa,
ele,
o conspirador conspirado (e transpirado…)

Ele sorriu.

A situação começava a estar dominada. Antecipara-se.

Achou que era prudente esclarecer logo tudo, até por sentia o aguilhão da culpa de ter sido ele a iniciar toda aquela embrulhada... ao querer fazer uma surpresa,

Dizer, logo logo, o que fizera, e procurar saber, o mais rapidamente possível, o que ela fizera.

Nestas situações, embora nenhuma parecida tivesse vivido, podem até nascer equívocos e palavras que não têm retorno.

“Ó amor! Estou em Lisboa, em nossa casa, onde é que havia de estar? Quis fazer-te uma surpresa! Um jantarinho a dois no “nosso” restaurante…”


Em Bruxelas,
ela,
a tecedeira enleada na sua teia

Surpresa. Mas não a esperada.

Espanto.

“Espera ai, espera aí… estás em Lisboa?, em nossa casa? E querias fazer-me uma surpresa… o qu’é isso?, eu é que vinha jantar contigo a Bruxelas…”


Em Lisboa,
ele,
procurando os pontos para os is

Calmo.

Dominado, porque começando a dominar os acontecimentos, ele ripostou, quase autoritário:

“Espera aí, digo eu…

Que estás tu para aí a dizer? Eu, que arranjei tudo, que fiz mil malabarismos para jantarmos os dois, hoje, aqui em Lisboa… Para te fazer uma surpresa! Que grande confusão… não percebo nada… vamos a ver se nos entendemos...”

E começaram a entender(-se).

quinta-feira, 30 de agosto de 2007

Contando um (re)encontro neste amor que se conta - 8

Em Lisboa,
ele,
o alívio


A 2000 quilómetros de distância, ele teve a surpresa de a encontrar do outro lado do fio, em Bruxelas, ou melhor, a surpresa não, confirmou, feliz. o que esperava e desejava no meio da confusão de hipóteses só insinuadas.

“És tu?!, que estás aí a fazer?”

Primeiro, silêncio.

Nada. Nenhuma resposta.


Em Bruxelas,
ela,
primeiro a irritação ao rubro

Ela recuperou. Pelo menos a voz...

Lentamente, muito lentamente, tempo demasiado para um tempo de telefone sem resposta, sem uma som do outro lado.

De repente, rebentou.

“E tu?, por onde andas que ainda não chegaste a casa?, (subindo o tom) e quem esperavas que te atendesse o telefone?”

Contando um (re)encontro neste amor que se conta - 7

Em Bruxelas, ela,
o longo caminho
para a descoberta da “conspiração”

No apartamento de Bruxelas, a irritação andava mais depressa que os ponteiros do relógio. “Talvez, talvez… se calhar… mas o quê?, onde?, com quem? Talvez, sei lá, alguma coisa de última hora, e ele a telefonar-me para Lisboa. Talvez…”.

Talvez tivesse havido um impedimento insuperável… Sim, porque confusão com o telefone para onde ela iria ligar não podia haver. Ela insistira tanto…

Apesar disso, ainda marcou o número do gabinete do Parlamento. Com uma réstia de esperança…

Nada!

Ficou ainda mais irritada. Furiosa.
Ele estragara tudo. E ela que pensara tudo tão bem. Com tanto amor. Mal empregado!

Quando o telefone tocou, ali na mesinha ao lado, não soube logo que fazer. Estava numa confusão total, e aquela campainha não veio ajudar nada.

Quem poderia estar a telefonar para ele? Ou seria ele, a justificar a chegada tardia? Mas como?, se ele não podia adivinhar que ela estava ali. À espera dele. Para a surpresa…

Decidiu-se a atender. O que iria ouvir?

E quando ouviu a voz dele ficou paralisada. Muda.

Por uns momentos.

quarta-feira, 29 de agosto de 2007

Contando um (re)encontro neste amor que se conta - 6

Em Lisboa, ele,
da angústia ao enleio da teia


Em Lisboa, ele não sabia que fazer.

Começou a medir o apartamento a grandes passadas.

O ponteiro subira tudo o que podia subia. Oito horas e nada. Era demais!

Numa das voltas, entrou no quarto onde ainda não fora desde que chegara. E sentiu algo de estranho.

Havia uma certa desarrumação. Pequena, mas havia. Ou melhor, as coisas não estavam arrumadas como reconhecia instintivamente...

Inspeccionou.

Era isso!

O saco de viagem não estava no sítio habitual, ela abrira gavetas de onde tirara roupa.

Não percebeu... Assustou-se.

Em precipitação, voltou à casa de banho e confirmou o que lá o levara, a correr.

O chamado “nécèssaire” não estava no lugar, como dos seus lugares tinham saído alguns dos frascos e frasquinhos, bisnagas e bisnaguinhas, boiões e boiõezinhos que os acompanhavam nas viagens.

Quase a entrar em pânico, travou a galopada das suspeitas, ele que nunca conseguira deixar de sentir uma coisa que talvez fosse ciúme e que, se calhar, ela alimentava com a sua “zona secreta”, impenetrável.

Tentou raciocinar.

Sentou-se na sala.

Acalmou-se.

Pareceu-lhe começar a fazer-se luz. Lentamente. Ao lembrar-se de palavras e gestos, ao ligar pontas da meada. Ou da teia.

Olhou o relógio.

Eram já 8 horas, 9 em Bruxelas.

Era isso!

Só podia ser isso…

Correu para o telefone.

Contando um (re)encontro neste amor que se conta - 5

Em Lisboa,
ele,
vivendo minutos com o tamanho de horas

Em Lisboa, ele começou a fazer zapping, obrigando a ansiedade a saltar de canal em canal. E resmungava por serem poucos relativamente aos de que dispunha em Bruxelas.

Não tinha posição. Cruzava e descruzava as pernas, coçava frenético o nariz cheio de uma esquisita comichão, olhava e re-olhava o relógio, cujo ponteiro dos minutos abandonara o número 12, que marcara a chegada das 19 horas, preparando-se para ultrapassar o número 6, e subir por ali acima.

Adiantou a bebida de um aperitivo, que mal lhe soube e nada resolveu.

A impaciência crescia. Começava a sentir ultrapassados os limites da tolerância.

Em Bruxelas,
ela,
também com a medida de horas
para os mesmos minutos (apesar dos fusos…)

Em Bruxelas, ela não sabia que fazer.

Começou a andar pelo apartamento.
A medi-lo em passadas impacientes.

Oito e meia e nada.

Era demais!

Em mim, a espera

em mim,........a espera(nça)
........de tempos já idos

em mim,........a espera(nça)
........de tempos não vindos

em mim,........a espera(nça)
........incorrigível!



Mindelo (Cordel)
19.02.1982

terça-feira, 28 de agosto de 2007

Contando um (re)encontro neste amor que se conta - 4

Em Bruxelas,
à mesma hora
(ou com uma de diferença
o que é o mesmo),
ela,
em ansiosa espera


Em Bruxelas, tudo preparado, ela esperava.

O apartamento arrumado, ela alindada, arranjara uns pratinhos com passas e essas coisas, pusera gelo num recipiente que adaptara para umas garrafas de aperitivos em evidência ao lado da garrafa de tinto alentejano, experimentara o leitor de CDs.

Tudo em ordem, tudo, mas sobretudo ela, à espera da “hora S”. De surpresa.

Ainda antes das 19.30 (de Bruxelas), pôs o CD a girar e foi ouvindo as sucessivas canções, lamentando que ele não tivesse ainda chegado quando tocou “aquela”. Ou "aqueloutra”, duas faixas depois.

Não tinha por hábito olhar para o relógio, mas começou a ficar impaciente.

Trincou uns salgadinhos e deu-se conta que o CD já estava a tocar, de novo, a faixa da abertura.

Que queria dizer aquilo? Que sinal era aquele?

Olhou mesmo para o relógio. Pois!, já passava das 7 no relógio dela, ainda na hora de Lisboa, 8 em Bruxelas, e Sua Excelência ainda não aparecera.

“Olha se eu estivesse a telefonar de Lisboa?!”

Por onde é que ele andaria?

Contando um (re)encontro neste amor que se conta - 3

Em Lisboa, ele,
em espera ansiosa…

Em Lisboa, ele chegou cedo a casa. Ainda nem eram 20 horas. Não tinha sido capaz de ocupar mais o tempo que faltava para a hora S. De surpresa.

Com uma flor na mão a atrapalhar, abriu a porta do apartamento de Lisboa, e sentiu uma estranha mistura de gozo e de inquietação ao entrar na sala.

Pareceu-lhe demasiado vazia. Tudo impecavelmente arrumado, como era costume. Foi à casa de banho, passou pela salinha-escritório, ligou o computador, fez uma paciência, desligou o computador. Estava sem paciência, isto é, impaciente...

Agarrou num livro, foi para a sala, acendeu a televisão, foi à cozinha deitar um pouco de água numa jarra, meteu lá a flor, sentou-se num sofá que não o mostrasse logo a quem, vindo(a!) do elevador, pudesse abrir a porta .

Colocou a jarra estrategicamente para que ela, antes de tudo, visse a flor e só depois, já meio surpreendida, o visse a ele, com o ar de gozo que já tinha na cara.

Olhou para o relógio. Uma... duas... três vezes. A confirmar e a reconfirmar as horas.

Ela iria sair do escritório depois das 19, após ter feito algumas tentativas para o apanhar (pelo telefone!) no apartamento em Bruxelas, e viria, furiosa, para casa, mudar de roupa, tentar ainda combinar um jantar com amigos, ou um encontro para conversa de desabafo. E tropeçaria nele!...

Ou então, mais furiosa ainda, adiaria a “vingança” e viria com a intenção de se pôr a ver um vídeo. E tropeçaria nele!...

Ou viria, mais que furiosa, como uma seta, direita à cama. E tropeçaria nele!...

Isto era o que ia congeminando. Enquanto fazia horas, enquanto esperava.

segunda-feira, 27 de agosto de 2007

Contando um (re)encontro neste amor que se conta - 2

Uma chegada de surpresa (em vazio)
para uma espera (em vão)

Apanhou um táxi, disse a morada, e foi conversando com o motorista sobre o frio em Bruxelas e o bom tempo que deixara em Portugal. Como é, sempre, o tema das conversas com os motoristas de táxi. Sobre a meteorologia. Particularmente em Bruxelas, e quando se chega do sul e do sol.

Subiu ao apartamento, deu uma primeira vista de olhos, resmungando a propósito da desarrumação. Que, afinal!, nem era assim tanta como isso...

Pôs-se à vontade, sentou-se no sofá, depois de ter afastado alguns livros, revistas, jornais e papéis avulsos.

Ainda tinha muito tempo!

Se ele fizesse como ela tão meticulosamente preparara, e para que o preparara, ele entraria por aquela porta lá pelas 19.30/19.45 para estar a tempo de receber o telefonema que ela lhe iria fazer de Lisboa (riu-se!)... e encontrá-la-ia ali, no sofá, com a casa (mais) arrumada, um frasco de água-de-colónia numa embalagem “de prenda”, papel de fantasia e um laçarote, a garrafa do tinto já aberta (a respirar) e a música que o CD criteriosamente escolhido estivesse a tocar.

Ainda tinha algum tempo.
Por isso, no tempo de que ainda dispunha, depois de um curto repouso, foi arrumando o apartamento, pondo alguma ordem naquele conhecido caos organizado que eram os espaços em que ele vivia e trabalhava.

Contando um (re)encontro neste amor que se conta - 1

A partida e a viagem
… em falso
(flash-back)

No aeroporto da Portela, ela ainda lhe comprou, como prenda para aquele dia, a água-de-colónia de que ele gostava, uma garrafa de tinto alentejano, e um CD com umas canções de recordações. De si própria não se esqueceu, e também um perfume comprou.

Irritou-se com as formalidades e passagem no radar mas preencheu o tempo. Que nem muito foi pois até se surpreendeu com o cumprimento do horário do embarque.

O avião também cumpriu o horário que era o seu.

Tudo “à hora”, o que nem sempre, ou raro, acontece. Ao minuto, como o plano que engendrara, a teia que tecera.

A viagem não tinha tido turbulências, e ela, que até se esquecera de tomar os comprimidos com que costumava “adormecer” os voos, não sentiu qualquer sobressalto. Nem por fora, nem por dentro.

Estava excitada com a surpresa que lhe iria provocar. E antegozava o prazer do jantar, depois do encontro, no apartamento, talvez num daqueles restaurantes simpáticos que é sempre possível encontrar em Bruxelas. Ou então “des moules et des frites chez Léon”.

UMA HISTÓRIA DE AMOR ou DE (S) ENCONTROS - II PARTE - nota prévia

No "plano de edição" há algumas alterações relativamente à I Parte, que justificam esta nota prévia endereçada aos... estimados leitores (e inter-autores, embora o reforço desta fórmula esteja reservado para outro projecto).
Primeiro, esta II Parte de "Uma história de amor ou de (s) encontros" terá um nome autónomo - Contando um (re)encontro numa história de amor que se conta -, embora sem prejuizo da ligação (umbilical) entre as duas partes.
Segundo, o (ir)responsável pela edição tem a intenção de publicar dois episódios por dia, por forma a que a estória (tens razão, maria, isto é mais uma estória que uma história e nunca será/ficará uma/na História) tenha o seu fim na 5ª feira, 6 de Setembro. Porquê? Ora porquê... porque, nos três dias que se seguirão a essa 5ª feira, isto por cá estará encerrado para Festa!, e este folhetim dificilmente resistiria a uma interrupção de 3 dias com regresso (da Atalaia, ressacado) ao 4º dia. Nem JC.
Vamos a isto?
__________________________
PS (salvo seja...): Terão reparado que estou bem disposto esta manhã. Além de ser por estar a conversar convosco, acabei uma tarefa que acho importante, daquelas que dão muito trabalho, gosto e proveito (para mim, pelo menos), e sinto a descompressão depois de uma forte tensão criativa.

domingo, 26 de agosto de 2007

"em memória"

Nestes dias, em que tanto li sobre alguém que morreu (e que respeito, agora que morreu, como em vida respeitei, porque quero, pelos vivos e pelos mortos, ter o respeito que o humano, qualquer humano, merece), impôs-se-me este papel amarelado que aqui reproduzo:

"em memória"

a todos os mortos anónimos

A todos os que morreram
..........sem que alguém o soubesse
salvo a polícia que os matou
salvo "a política" que os condenara

A todos os portugueses mortos
..........por Portugal/Povo
..........sem que os portugueses soubessem
....................do nome
....................do homem
....................da luta
....................do crime

Hoje,
com estes mortos promovidos a mortos nossos,
com a amargura de um desastre que lhes tirou a vida,
com o peso da injustiça da sua importância relativa

05.12.1980
(num dia em que houve um acidente, que me não recordo qual foi
... mas de que me ficou a memória dos seus mortos)
_______________________________________
Acrescento ainda a tempo (?!):
Curioso, fui investigar. E estou a dizer, sem me conter, "é espantoso!, é espantoso!"
É que esses mortos, promovidos a "mortos nossos", com o peso da injustiça da sua importância relativa (que o podia ser por negativa, por terem vivido e morrido anónimos, ou que o podia ser por empolada por terem vivido e morrido em excessiva notoriedade), foram... Sá Carneiro, Amaro da Costa e quem os acompanhava no dia 4 de Dezembro de 1980.
Ele há coisas...
Por isso, isto tudo vai para o anónimo. Não tem nada de ficção!

sexta-feira, 24 de agosto de 2007

Preparando a "casa"

Preparando a "casa" para aqui receber a segunda parte de "Uma história de amor ou de (s) encontros", a confirmar-se um interesse mínimo por essa publicação (contentar-me-ei - e cheio de satisfação - com a aquiescência de quem me tem vindo a acompanhar neste contar), aqui estão dois dos tais papéis amarelados, mal batidos numa velha máquina de escrever que está ali no... "museu".
Auto-crítica
inconsequente
Olhar para a vida
- e para o que nós somos
como vida que passa -
e sentir o grande vazio
do que se faz
tão longe do que se queria fazer
12.setembro.1967
Auto-retrato
.....(-crítica?)
Falta-me a segurança dos conquistadores.
Dos verdadeiros,
dos capazes de afirmar dúvidas
com a convicção que não sei pôr no que
- para mim! -
são certezas.
Uma certeza minha é, sempre!, para mim
e para agora que a tenho!
Algumas estão tão agarradas ao que sou
que,
sem elas,
eu passaria a ser não-eu ou um-outro-eu.
Mas nem por isso são menos certezas
para mim e para agora!
Quantos não terão tido certezas tão certas e definitivas
- para eles -
negadas no tempo-a-viver?
23.setembro.1967
(olho com alguma emoção as reflexões deste homem, então com 31 anos mas já com experiências de vida nada fáceis, e algumas até muito muito duras, por várias razões...
ah! como o tempo ajuda e corrige quem não tem pressa, e é mestre de quem quer aprender, aprender sempre)

quarta-feira, 22 de agosto de 2007

Jogos

Jogo 1..................Jogo III.1.................Jogo IV

A dança................ A feia..................... O sumo
a trança................ a teia..................... o fumo
a pança:................ a meia:.................. o rumo:
e vivá França!......... a boleia!................ o lume!


Jogo II.................Jogo III.2...................Jogo V
.
A raça.................. O enleio.................... O calor
a praça................. o seio....................... o pudor
a graça:................ o meio:..................... o rubor:
a traça!................. o rodeio!.................. o amor!


(Cabo Verde, 24.09.1980)

No autocarro para a Prainha

O ombro
O braço
A carne tenra
..........tensa
..........densa
a mão que hesita
o olhar que foge


(Cabo Verde, 21.09.1980)

terça-feira, 21 de agosto de 2007

A tua pele

Não só o calor da lã
não só o macio do cetim,
não só o toque da seda

Tudo isso
nos meus dedos

A tua pele
na minha pele


(14.07.2002)

Estava uma noite estupenda

Pequena nota introdutória - Esta crónica foi publicada no Diário de Lisboa, em Junho de 1968. Sendo, então, responsável pela secção económica deste jornal, atrevia-me a propor crónica para outros lugares do jornal. Esta foi uma das primeiras. Teve algum impacto. Igrejas Caeiro leu-a no seu programa de rádio, e fui convidado para convívios, quiçá literários, que, se bem interpretei me abriam portas para caminhos que não quis percorrer... porque já outros caminhos tinha escolhida para a minha vida!
ESTAVA UMA NOITE ESTUPENDA

Gozadores da vida, não podíamos faltar a Alfama. Na noite-véspera de um santo, desses populares. Foi na véspera de S. Pedro.
Estava uma noite estupenda. Deixámos o carro na orla do típico. E misturámo-nos com gente.
Há regras a cumprir. A primeira, é que a Alfama só se deve ir em grupo. Com muita vontade de cada um se divertir e divertir os outros. Depois, eles devem ter barbas e piada pronta, elas devem estar muito queimadas da praia a sobrar dos trapos leves, coloridos e escassos, e devem ter o riso fácil que responda à piada pronta. Há que dar alguma “barraca”. Se estiver difícil de resultar espontânea, entrar bem na sardinha, no chouriço, no bacalhau assado e, sobretudo, no tinto.
Não paramos de acenar. Somos quase sempre os mesmos em todos os sítios.
Há um ou outro ângulo de ruela que nos atira encosta acima. Para este ou aquele largo. Pelas escadas, as decantadas escadinhas, às vezes caprichosas, que tantos pintam ou desenham, nenhum como Botelho. Atrai-nos um motivo ainda ingénuo que se descobre no anúncio daquele “trono”, no nome daquela esplanada-improviso.
Vamos parando. Enchendo os olhos aqui e ali. Tropeçando nas meninas pobres e sujas, todas iguais, que nos oferecem os cravos contra “o que quiser dar”.
Somos tantos, barbicha aparada e traje desportivo, carne morena e andar ondeado, somos tantos a desfrutar o insólito, a usufruir o pitoresco, que parece que se nos escapa o que é mesmo insólito, o mais tragicamente pitoresco. Esta gente de Alfama de todo o ano, de todos os dias. Que, nestas noites-vésperas, procura aproveitar a invasão. Como que a vender a tranquilidade de umas noites de estar, calmamente, à soleira. A oferecer a devassa das suas casas, das suas ruas, dos seus largos, das suas escadas de todo o ano, de todos os dias.
Nós, os gozadores da vida, vamos passando. Falando alto. Rindo muito.
Atrai como um íman um ou outro apontamento de mãos que se encontram e se ficam enlaçadas. Dois que deixam de fazer parte do grupo para serem dois na noite quente, de ainda Junho mas já verão. Com olhos a procurarem-se no sorriso da enternecida descoberta.
O grupo abanca e gargalha mais e mais alto. Perdendo um pouco o sentido. O porquê.
Nós, os gozadores da vida, julgamo-nos senhores de Alfama. O que lá está, está lá para nosso gozo. As ruas, os largos, as escadinhas, os ângulos de esteta, as esplanadas, os balcões, aquele espontâneo que canta o fado, as miúdas, todas iguais, de cravos-esmolas de tostões. Até aquele linguajar rasca em que se prometem cabeçadas (“ainda cheiras a minha brilhantina”). Aquele linguajar em que a grande ofensa é falar na mulher, na mãe ou, sobretudo, na companheira. Talvez a única coisa possuída. Velhos complexos de marinheiros e emigrantes. De homens que deixam mulheres sozinhas e vão à cata do mundo. Que, no regresso, ou nos breves regressos, querem ter quem os espere. Tantas vezes com mais um filho, nascido do anterior regresso. Mulheres que esperam, mulheres-resignação.
No parênteses, a cabeçada esteve quase. Mas formara-se círculo de espectadores. Assim não. Logo se ajustarão contas. As ofensas não se esquecem. Foi, apenas, um começo de espectáculo para nosso desfrute, isso foi. E só assim tantos o viram.

Mas há mais. Há tudo. Há, sobre tudo, aquilo que não existe para nós, passantes bem dispostos que deixámos o carro na rua perto e tão diferente. Há estas pobres crianças de colo que por aqui estão, às portas, cobertas de roupa, de trapos; estas outras que já andam, pequeninas, franzinas, muito irrequietas, e que, noite alta, já perderam horas e horas de sono devido. Que comparamos com as nossas que ficaram em casa, que tenteiam os primeiros passos mas que são mais altas, mais fortes, vão mensalmente ao pediatra e que às oito e meia têm de estar a dormir.
E há o espreitar para estas casas de portas entreabertas. De onde vem um bafo quente com o cheiro de madeira roída, de pó e roupas velhas. Onde se vislumbra, no canto da sala comum, o aparelho de televisão com uma moldura requinte de folhado de chita e uma jarra com flor de plástico. Entre móveis velhos atravancados. Reflexo insólito de um viver estranho. De que nós, os gozadores da vida, perdemos oportunidade de, sequer, tomar conhecimento. Tão à nossa medida sentimos o mundo que nem ao menos espectadores dele somos capazes de ser. Perdemos oportunidades, é o que é.
Na véspera de S. Pedro. Em Alfama, claro.
Estava uma noite estupenda.

[não consegui fugir a dar-lhe uns (re)toques]

quinta-feira, 16 de agosto de 2007

1, 2, 3... ainda (e sempre) experiência

Mas não é (só) isto.
Tem de ser (também) mais... de cordel.


Como, por exemplo:

No aeroporto,
enquanto chegava o senhor Papa
Enquanto chegava o Papa, eu estava nos mictórios fazendo o que por lá se faz.
Lavadas as mãos, ia voltar ao "Dia dos Prodígios".
Ao passar a porta dos "reservados", encontrei-me num deserto, tudo ao abandono. Estavam todos, mas todos, à grande janela-varanda, lá ao fundo, a ver o Papa descer a escada-passadeira e a pôr os pés (e as beiças) em solo luso.
No meu caminho de regresso, passei pela loja H. Stern, entre os lavabos e o sofá. E foi a tentação. Até me julguei Adão no paraíso. Que de maçãs!, perdão, que de jóias abandonadas à cobiça (e ao prazer?, e ao milagre?, e ao castigo inevitável?)...
Mas... mas se é verdade que a ocasião faz o ladrão, também só o ladrão aproveita a ocasião. Eu não aproveitei...
Afundei-me no sofá, o livro da Lídia Jorge ao lado, e comecei a a arquit-escrever uma "crónica de bons malandros" a fazerem da chegada do Papa à Portela, e de jóias à descrição, em self-service, a oportunidade de ganharem o dia. Melhor: a semana, o mês, a vida. Facilmente. Com a ajuda (benção?) papal e sem necessidade de engessar pernas e de recorrer ao auxílio de vespas.
Sentei-me a esta escrita por alguns minutos, fixando a ideia. Para contar mais tarde. E para fazer constar. Lembrando-me dos reais malandros que, lá por Fátima minha terra, aguardam aquele homem vestido de branco que deve estar para ali a dar beijinhos no chão, e também as oportunidades que eles não irão desaproveitar. Ah!, se esses malandros estivessem aqui...
12.05.1982
(na espera do embarque para Maputo)

1, 2, 3... ainda (talvez sempre) experência

Da mesma data do anterior:

Na Guiné.......... mandarins nascem

(como cogumelos sob chuva tropical,
pobres mandaretes, bonifrates, bonecreiros,
enredados nos fios que o imperialismo tece)

efémero e falso poder os encadeia

mas Amilcar Cabral vive e vigia

nas consciências que deixou despertas.


Na Guiné.......... mandarins (já) apodrecem,

na ilusória quimera do fácil mando,

porque o futuro é o tempo a chegar

e... as crianças são

...................."as flores da nossa luta

....................a razão principal do nosso combate"

1, 2, 3... experiência

Este blog está em fase experimental.
Sei que o quero para libertar o outro - anónimo do séc. xxi - do que sejam irresistíveis vontades de trazer a (este) público coisas adormecidas no que se chama gavetas, ou outras que esse destino dormente teriam. Mas por aí me quedo. Por enquanto...
A título de experiência, vou começar por repescar coisas muito antigas.
Esta está datada de 23.08.78 (quase 29 anos!) e dei-lhe, agora, um título porque nem título tinha:
Assim fui fazendo a minha vida
Vou conhecendo poderosos da Terra
e nada faço para deles me aproximar.
Posso gostar do homem,
posso dele ser amigo, camarada,
mas entre ele e eu está
...............a fronteira do poder,
...............o equívoco da influência,
...............a timidez perante quem decid
...............o pudor de ser-me útil

quarta-feira, 15 de agosto de 2007

Boas vindas

Vou tentar fazer, deste local, o repositório de coisas, antigas e futuras, a que quis ou queira dar forma literária... de cordel.
Será irmão, não gémeo mas quase, do anónimo do século xxi, onde continuarei com outras postagens.
Por aqui - e por lá - nos veremos.