faz de conta que o que é, é!... avança o peão de rei.

...
o mistério difícil
em que ninguém repara
das rosas cansadas do dia a dia.

José Gomes Ferreira

terça-feira, 30 de junho de 2009

novaiorquinas (do cordel) - 3

As pernas pesam, os pés doem, o corpo está cansado. Sobretudo o pescoço protesta por tanto ter olhado para as alturas, para os inalcançáveis cimos dos prédios.
As sirenes passam a dar a desgradável música ambiente, mas há, para nós dois, um certo encantamento no ar. Às vezes, é como se passássemos para o outro lado do écran de tantos filmes vistos, de tantos livros lidos.
E durante o dia de caminhada cruzámos gente, e gente, e gente. De todas as cores e vestimentas. Algumas muitas bonitas (e alguns, decerto).
Esta cidade é nosso património. Das nações unidas. Que serão.

segunda-feira, 29 de junho de 2009

novaiorquinas (do cordel) - 2

A Zé foi às compras! Surprise...
Fruta, iogurtes, essas coisas e outras para o frigorífico.
Vinha eufórica. Tinha andado uns metros em solo manhattanniano. E com uma boa estória para contar.
Na loja onde comprou o que preciso era, tanto terá comprado que, na altura de pagar, o dono da loja (devia ser...) meteu mais fruta no saco. Como bónus, ou prémio de fidelidade. Futura!
Assim ou assado, foi simpático.
Ah! Estou a escrever isto porque ela saiu outra vez. Foi... às compras. De uns jeans pretos de que estava mesmo a precisar, e que viu ali numa loja da esquina. Olha se não tem vindo a Nova Iorque!, lá ficava sem os jeans de que tanto estava a precisar...

novaiorquinas (do cordel) - 1

Nunca encontrei um motorista de táxi tão antipático. Eles há de tudo - como aquele da manhã ainda lisboeta que era cá um "cromo"... -, mas tão antipático como este nunca tinha encontrado. Bom profissional, faça-se-lhe justiça. E deve achar, e bem, que não tem que ser também funcionário de agência de turismo...
Um outro primeiro impacto nos provocou com uma realidade novaiorquina, a do "tip", a portuguesinha gorgeta, que, aqui, viemos a confirmar, é instituição: há a que está na conta e mais a informal mas "obrigatória", no mínimo mais metade daquela.
Pois que seja. Mas não gosto. Acho degradante. Para quem dá (?), e para quem recebe. Feitios.

domingo, 14 de junho de 2009

Histórias de exemplo

3.
Contei aquela estória do Toino e o meu camarada sorriu. Um sorriso um bocado amarelo…
“Também tenho dessas para contar…”
O meu camarada vive ainda mais para o norte e para o interior. Mas a estória que me contou também podia vir do sul ou do litoral.
Começou por me dizer que, tal como eu, tem um enorme respeito pelos vizinhos e um excelente relacionamento com toda a gente. Apesar de algumas excepções, claro… e apesar “dessa coisa das políticas”!
E contou-me que, aqui há uns anos, numas autárquicas, deu para falar um pouco com um vizinho mais próximo sobre as eleições, e que as conversas tinham sido interessantes e úteis.
“O vizinho tem razão”, dissera-lhe o outro, “estes fulanos só se têm servido e aos empreiteiros, e não fazem nada cá pela terra… vou votar em si e lá no seu partido”. E tê-lo-á feito, contribuindo para o grão a grão que vai compondo o nosso magro papo por essas paragens.
Como homem de muita labuta e poucas letras, aquele gesto foi importante para o vizinho do meu camarada. Ter-lhe-ia quebrado um preconceito, melhor, um pré-juizo. Depois de ter passado anos a votar nas setinhas – nunca, até então, na foice e martelo… t’arrenego! – aquele voto foi como que libertador. O meu camarada confirmou que todos tinham ficado contentes e que as conversas entre eles tinham passado a encaminhar-se mais para aqueles temas de que antes fugiam, ou que não os agarravam.
E vieram as “europeias”. O meu camarada contou que, à calma do fim dos dias, comentaram episódios, confrontaram campanhas, indignaram-se com o evidente tratamento discriminatório da campanha da CDU e com a manipulação para se encaminhar o descontentamento generalizado ou para um partido “nas palminhas” e “ao colo da comunicação social”, ou para a abstenção, ou para outra qualquer atitude de protesto que nunca para a CDU. O vizinho do meu camarada estava mesmo a descobrir coisas…
E assim se chegou ao voto e ao convívio na tarde ensolarada daquele domingo.
“E calcula lá tu o que ele me veio contar, todo satisfeito!... Que quando recebera o boletim de voto ficara um bocado atrapalhado, nervoso mesmo. Ainda são coisas que enervam um bocadinho, disse ele, justificando-se com a pouca prática de mexer em papéis e esferográficas. Vira logo na segunda linha o malmequer ou o girassol ou lá o que era, mais a foice e o martelo, prantara-lhe a cruz, e quando se preparava para sair da cabine de voto ainda viu, mais abaixo na folha, outra foice e martelo, disse-me que hesitou um bocado mas que, para não haver falhas, resolvera também pôr lá uma cruz. Antes a mais que a menos, concluíra ele… e pediu-me para eu lhe explicar aquela coisa… Eu expliquei-lhe mas já era tarde… para estas eleições!”
Ainda conseguimos rir. Embora amarelamente!

sábado, 13 de junho de 2009

Histórias de exemplo

1.
Vidas. Vidas com rumos diferentes. Porque com começos diferentes.
O Toino cedo começou a andar à jorna com a prática adquirida na labuta da terra ajudando o pai nas suas courelas. Eu... “segui os estudos”.
Encontrávamo-nos nos fins-de-semana prolongados e nas férias. Nas minhas... que ele nem sabia que era isso. A amizade não esmorecia. Antes parecia sempre a fortalecer-se nas diferenças cavadas pelos rumos diferentes.
Ele fez a tropa. Eu fiz a tropa. Antes da guerra colonial. Ele aproveitou o serviço militar para conhecer outras terras e outras gentes. Para mim, foi um adiamento e um tardio serviço cívico que nem prejudicou os estudos e a licenciatura.
Parecia indestrutível a amizade. E era! Mas tão diferentes as vidas…
Episódios relevantes? O Toino emigrou. De "salto". Safou-se. Eu fui preso. Não me safei…
Os anos passaram somando décadas.
Aconteceu um 25 de Abril. Fizemo-lo… e ao que se seguiu à data e ao golpe.
O Toino começou a vir às festas na aldeia. A construir uma casa com fenêtres e muitas sales de bain. Encontrávamo-nos e era uma alegria. Molhada. E gargalhada com as recordações. Entendendo-nos com as meias palavras e os ça va a que eu respondi com uns ça ira.
Mais décadas passaram. Depressa. A correr. Ele ia-se demorando mais tempo, mas a ter de voltar por causa de questões da retraite. Eu instalei-me aqui para aqui viver a recta final.
Bebíamos os nossos copos, conversávamos como se em linguagens diferentes nos entendêssemos. A mulher trazia “criação” e primícias que iam amanhando, a convivência entretecia-se.
Ele gostava de me perguntar coisas sobre “isso da política” de que eu não desistia, “forte cisma” comentava ele. E eu procurava explicar-lhe alguns porquês.
Até que um dia, numa altura de campanha eleitoral, ele me disse que já falara com o senhor prior e tudo, que quase se desavira com ele (“e por tua causa, vê lá tu…”), e que ia votar. “Explica-me lá isso melhor”, pediu-me ele. Tentei… Pareceu-me fácil. Ele era um homem de trabalho e luta.
No dia seguinte à eleição, passou por minha casa. Vinha todo contente. Consigo mesmo. “Afinal não custa nada”, disse-me ele, “foi só pôr a cruz à frente da foice e do martelo”!


2.
Quando começara a olhar para os resultados eleitorais com intenção de os estudar, achei estranho que na minha aldeia tivesse havido tanto voto no MRPP, quase mais que na CDU. Desconfiei.
E não era só na minha freguesia e naquela mesa de voto, mas ali, conhecendo eu quase toda a gente, aquilo fez-me espécie…
A conversa com o Toino como que provocou uma chispa de compreensão dentro de mim.
“Olha lá, ó Toino… tu votaste na foice e no martelo, foi?”
“Sim, claro. O padre disse que eram coisas do demo e outras baboseiras dessas, mas não me importei nada. São ou não instrumentos de trabalho? E eu não sou um homem de trabalho? Toda a vida! Foi o que tu me disseste… e eu já vi aí por tua casa uns quadros e uns pisa-papéis com umas foices e uns martelos como aqueles que estavam lá no papel do voto…”
“Espera aí, ó Toino, espera ai… puseste a cruz no quadrado em frente de um partido com uma foice e um martelo entrelaçados e sem mais nada?”
“Pois!… olha, como esses que tens aí nesse jornal e que eu, lá na França, conhecia de ver
L’Humanité e noutros jornais… e nos sindicatos, embora nunca lhes tivesse ligado muito… já sei, já sei que devia ter ligado mas tinha lá tempo… só queria era ganhar o meu…”.
“Não é isso, pá... É que havia lá outro partido, ou outra coligação em que está o Partido Comunista, e também tem a foice e o martelo e um girassol, que é do Partido dos Verdes. Esse é que era. Esse é que é o meu. E o teu... Tu votaste no MRPP, pá… é outra coisa.”
“Sei lá disso. Vocês são mesmo complicados… e olha que fui eu, a minha Maria e mais o pessoal todo lá de casa… tudo na foice e no martelo!”
“É pá, desculpa lá. Nem sei que te diga! Agora nem estou capaz de falar. Vamos beber um copo, falar do Cristiano Reinaldo… voltaremos a conversar sobre isto noutra altura. Antes das próximas eleições, antes das eleições…”

domingo, 7 de junho de 2009

O tempo de espera

Levantei-me a horas de domingo. Ainda passeei rapidamente pela blogosfera. Cumpri o compromisso de não fazer paragens.
Pequeno-almoço e duche tomados, arrumámos tudo para uma estadia de dois dias em Lisboa e arrancámos. A primeira paragem foi logo ali, na Atouguia, na Junta de Freguesia. Para votar.
Não foi preciso esperar. De qualquer modo, havia alguma circulação. Não o deserto de outras eleições. Ou da hora a que fui votar.
Feita a minha obrigação, dirigimo-nos a Lisboa, à Venda Nova, onde a Zé tem o apartamento e está regulamentarmente recenseada. Com a paragem e isso, deu para mais hora e meia.
Fomos a casa deixar bagagens, ver como estavam as coisas e fomos ao voto. Dela.
Depois, toca a almoçar que já o ponteiro menosresperava pelo maior para chegar às 3 horas, ou às 15 noutras contagens.
Almoço lento, sem horário que a hora de estar na Soeiro é só às 5, ou 17, e já não havia tempo para ir ao cinema.
Lá, na Soeiro, me deixou ela que foi a outras vidas. E eu entrei onde queria e devia estar para continuar esta espera de resultados.
São tempos sem jeito, a queimar meias horas. E já se sabe, mais ou menos, o que vai sair. Em que condições vai continuar a luta, sem paranças, nem mesmo a desta espera.Vou preparar mais uns papeis para a análise enquanto não chegam as surpresas. Se as houver.

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Via jando

À ida (que não a do Verdi) tive de arriscar.
Lembrei-me da final da Taça e, manhã quase ainda madrugada, quis saber se havia problemas com os transportes públicos vindos do Norte, de Paços de Ferreira e do Porto. Lembrei-me disso ao ouvir os ecos do discurso digno de um populo-fascista, à boa maneira Pinto da Costa, chamando à invasão do “estádio do concelho de Oeiras”.
(Entrementes, lembrei-me – ah!, esta memória cada vez mais resistente ao invés do resto do corpo… - da inauguração do Estádio Nacional, a que assisti e cuja lembrança me emociona apesar da mensagem de Salazar que sobrevoou essa inauguração “o que povo quer é futebol”).
Pois, apesar da afirmativa, pela negativa, da net de que não havia bilhetes, arrisquei a ida de carro até Caxarias… comprei, nas calmas, o bilhete para Grândola, instalei-me e aí fui eu até à Gare do Oriente, onde comi uma bucha e me transferi para o outro Inter-Cidades a caminho de Faro que na vila morena (e tanto mais) me deixaria!
Viagens de leitura e trabalho, e também algum repouso para os olhos e a cabeça.
Em Grândola, cumpri a tarefa. E gostei. Três horas a conversar sobre a crise que não é de agora com para aí uns 40 camaradas e amigos numa iniciativa das cooperativas.
Terei ensinado alguma coisa, isto é, dado a conhecer das minhas experiências, mas não menos aprendi, isto é, colhido conhecimentos de experiências outras, como a da dimensão do cooperativismo. E a da actualização de informações sobre a sua força de resistência a este capitalismo-eucalipto, que tudo pretende destruir, tudo o que capitalista não seja. Antropofagias…
Com a tranquila satisfação de ter… cooperado, de ter dado e recebido, de ter convivido, voltei aos carris, aos comboios. Num me meti, que de Faro vinha à demanda de Lisboa, para ser afluente do que, depois, mais ao Norte rumaria, em romaria com os cachecóis azuis-e-brancos da alegria de mais uma vitória. No entanto, alegria calma, sem a provocadora euforia dos vitoriosos que desprezam os vencidos. Talvez porque estes eram vizinhos, e não cá mais do Sul…
Mas vim pensando nesta amálgama de massas, quarenta ali, centenas (ou milhares) aqui, como mundos diferentes mas com os mesmos problemas, com a mesma necessidade de se encontrarem os caminhos que do futuro de todos é. Pensando na necessidade de haver vanguardas. Na luta. Sempre. Sem tréguas.
Com tanto para fazer. Tantas vezes errando. Sempre imprescindível a luta.