faz de conta que o que é, é!... avança o peão de rei.

...
o mistério difícil
em que ninguém repara
das rosas cansadas do dia a dia.

José Gomes Ferreira

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Histórias ante(s)passadas - 36

Um estória que ficou por contar. Como as cerejas que vêm umas a seguir às outras e, por vezes, uma parece que ficou para trás.
Andava eu no Pedro Nunes, então chamado Liceu Normal por nele se fazer, também (ao que julgo) a formação de professores, e que era um liceu “de elite” pela proximidade da Estrela e da Lapa, bairros de gente ligada aos meios políticos e económicos.
Era o liceu que nos convinha, por ser perto de casa, para onde ia a pé e muito facilmente (lembro-me das indicações do caminho a tomar para atravessar o mínimo de ruas possível, e as menos frequentadas por automóveis, então raros: subir a Rua do Sol, virar na Rua da Páscoa, atravessar a Rua da Arrábida, etc.). Mas também sabíamos que havia alguma selecção nas admissões.
Eu lá andava com “filhos de algo” e outros que nem por isso (tous les enfants sont fils de quelq’un, não é verdade Brel?), e do menino na escola da garotada do bairro popular passara a ser o garoto do bairro popular no liceu dos meninos. A fazer a aprendizagem das diferenças sociais, até chegar ao conhecimento da História, isto é, da luta de classes.
Acontece que um dia, não sei como, me vejo numa sala de aula em que, em complemento da cadeira de Religião e Moral, se fazia uma espécie de catequese, com prelecções e rezas pelo meio.
Eu estava estranho àquilo que ali se passava, e observava tudo procurando não “dar nas vistas”. Mas dei! No final, o padre que dirigia a aula, ou lá o que era, reteve-me e perguntou-me se eu sabia rezar. Claro que disse que não. “Nem um padre nosso ou uma avé Maria?”, “Não, senhor professor!”, “Prior, prior…, temos de ver isso… como é que te chamas?", “Sérgio, s’tor, perdão s’prior”, “És baptizado?”, “Acho que sim…”, “Temos de ver isso…onde é que moras, os teus pais vão à missa?, claro que não!, têm telefone?”...
E eu lá fui respondendo ao interrogatório e, quando cheguei a casa, ao fim do dia, contei aos meus pais. Preocupação. Disfarçada, mas preocupação.
Dias depois, o meu pai foi “convidado” a ir ao liceu. Sei que foi. Sei que se conteve para não partir a loiça toda. Lá terá dado as suas razões, e tudo continuou como dantes. Na aparência. E fez-me a recomendação de evitar ir a “coisas daquelas”… a não ser que eu quisesse, claro.

4 comentários:

Justine disse...

"De pequenino é que se torce o pepino"! Não foste áquelas aulas, e vê lá em que deu...

Maria disse...

Quantas vezes fui expulsa das aulas de "religião e moral"... de mais nenhuma aula o fui, mas desta "disciplina"....
- Aqui nesta aula só se fala de coisas sérias, meninas.
- E quer coisa mais séria que o assalto ao Santa Maria?
Acho que nem sabia bem o alcance da "coisa", que era séria... mas vim prá rua...
:))

Sérgio Ribeiro disse...

Boa!
E os teus pais não foram lá chamados?... e "fichados".

Maria disse...

Pois...
fichados não sei, mas chamados foram...
Tenho ideia que fichados só eu e um irmão...