faz de conta que o que é, é!... avança o peão de rei.

...
o mistério difícil
em que ninguém repara
das rosas cansadas do dia a dia.

José Gomes Ferreira

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Histórias ante(s)passadas - 32

É preciso não exagerar nisto dos “narcisos”. Neste blog e série, como em tudo e sempre, deve estar-se em auto-crítica. Estas histórias ante(s)passadas estão a tornar-se as minhas estórias de mim-antepassado-de-mim. Não pode ser!
E já que se contou uma estória sobre carros, e a novidade, a surpresa, o acontecimento, que eram nesse antigamente, acrescente-se um contar em que, um dia, uns anos mais tarde, um carro chegou à aldeia. E pela aldeia (em dia de festa da padroeira...) ficou umas boas horas, já não tão novidade, tão surpresa, tão acontecimento.
Era um carrito com uma certa idade, dos que se dizia em “segunda mão”, quando, por vezes, tinham sido de muito mais mãos depois da segunda. Mas à aldeia chegara, são e salvo, e ficou umas horas a recuperar para o regresso. E aí é que a porca torceu o rabo, ou o chamado motor de arranque não quis fazer jus ao nome… não arrancava.
Começaram as manobras usuais em tais situações. Ainda era do tempo das manivelas, e várias voltas foram dadas à manivela. Nada. Nem pio.
O carrito estava ali, na estrada, parado, com ar tristonho, e começou a juntar-se gente vinda da festa, tanta ou mais que aquela que se juntava, anos antes, por ser o carro novidade, surpresa, acontecimento. E por andar! Agora, a novidade, a surpresa, o acontecimento, era o carro não querer andar.
Os por ele transportados, se ele andasse…, e antes de todos o putativo condutor, deram mais umas voltas, ao carro e à manivela, abriram-lhe a bocarra do capot, espreitaram-lhe para as entranhas como se diz que os bois olham para palácios, e estava-se nisto, com acompanhamento crescente de gente, quando se aproximou um outro carro, parente do que estava parado… mas o que vinha, vinha a andar.
Com a solidariedade (então) habitual, o condutor-que-conduzia afrouxou, parou, e fez a pergunta sacramental para o condutor-que-queria-conduzir, “é preciso alguma coisa?”.
Logo um vizinho, que se tinha junto ao ajuntamento, nem deixou o interpelado responder. Com grande sagacidade e poder de síntese disse, em jeito de aparte desdenhoso, “é preciso é!, é preciso um carro novo…”.
Esta fala terá metido o carrito em brios e, perante nova insistência acrescida com uma qualquer recomendação, só para se mostrar prestável…, da parte do condutor do outro carro, o motor estremeceu e “pegou” (assim era uso dizer…), e o carrito mostrou-se disposto a encetar a viagem de regresso. E fê-la!
Às vezes, há maldizeres que vêm por bem…

1 comentário:

Justine disse...

Se era o carro da foto, que pena não o teres guardado, mesmo a andar mal:))