Fora o Zé. Tinha ido buscá-lo a casa, desafiá-lo, e tinham vindo os dois tomar a banhoca. Mas estava esquisito, o Zé, como às vezes lhe aparecia, como se tivesse tomado “coisas más”.
Apesar disso, foram tomando o banho e tudo parecia correr bem até que o Zé o instigara a irem roubar um ou dois rádios dos carros ali estacionados. Dissera-lhe mesmo que não fazia mal nenhum porque ele, Zé, ia zarpar e queria que o Toino também viesse. Era só também ele querer. E iam safar-se "à grande".
O Toino recusara firmemente. Procurara, "às boas", convencer o Zé a desistir da ideia, depois ameaçara-o de gritar, de chamar gente. Nada resultou. Tentara impedi-lo pela força, quando ele já se preparava para abrir portas e entrar nos carros fosse como fosse, nem que tivesse de partir vidros. Acabaram por se embrulhar em pancadaria.
O Toino era mais forte. Além de que gritou, berrou, e o Zé teve de fugir. Mas, na fuga, atirou-lhe a pedrada que lhe acertou de raspão.
"Então era ele que andava por aí a roubar rádios… E tu sabias?". Entre mais soluços, já espaçados, o Toino confirmou. E acrescentou que nunca participara nessas coisas, que sempre se negara.
Depois, veio o resto, despejando mesmo o saco todo. O Zé andava, lá na vila, com uns figurões a quem vendia os rádios e outras coisas que roubassem, ele e outros de outros lugares em volta. Mas isso ainda não era o pior. O pior era que esse grupo tinha ligações a Lisboa e, às vezes, até vinham uns gajos lá da capital. E juntavam-se no que ele chamava "grandes farras".
Um dia, depois de muitas insistências, o Zé convencera-o a ir com ele. Eram uns senhores todos cheios de coisinhas, bem vestidos e perfumados. Encontravam-se todos num andar que os tais senhores tinham alugado a uns emigrantes, num prédio cheio de andares vagos. Começaram por lhes dar a beber umas bebidas esquisitas, ao Zé e a ele, e via-se logo que o Zé já não parceiro habitual daquelas "festas".
Começaram a ver uns filmes com gajas e gajos todos nus, na marmelada, tudo ao molhe. Os tais senhores disseram-lhes para se porem à vontade, para se despirem e vá de os apalparem, de lhes mexerem "nas partes". O Toino desbroncou logo, dera uma murraça no mais atrevido, partira-lhe os óculos, e aproveitara a confusão para fugir porta fora.
O Zé não. Tinha ficado. Como, decerto, de outras vezes. E quando voltou à aldeia vinha, como dessas outras vezes, cheio de "massa". Chamara-lhe estúpido, dissera-lhe que aquilo não custava nada, que se ganhava dinheiro "à brava", que até entrava em filmes, que já fora a Lisboa no automóvel de um daqueles gajos e dormira em casa dele. Só queria que o Toino visse o luxo… Mas o Toino nem sequer saber queria. Com ele, aquilo não dava. E o Zé falava sempre em se pôr a mexer dali para fora. Pois que fosse. Até já devia ter ido…
Falou, falou, falou, disse o que lhe veio à cabeça. Nem tudo com nexo. Via-se bem que aquilo mexia bem dentro dele. A amizade com o Zé, o rumo que levava a vida deste. O ódio, sim, o ódio, àqueles gajos, àqueles “senhores” que se aproveitavam da fragilidade do Zé, das condições em que eles tinham crescido. E continuavam a crescer. Cada um à sua maneira.
O efeito do sedativo adormeceu-o no sofá, onde lhe aconcheguei uma manta leve e o deixei ficar. Nem valia a pena avisar os pais. Não dariam pela falta.
Apesar disso, foram tomando o banho e tudo parecia correr bem até que o Zé o instigara a irem roubar um ou dois rádios dos carros ali estacionados. Dissera-lhe mesmo que não fazia mal nenhum porque ele, Zé, ia zarpar e queria que o Toino também viesse. Era só também ele querer. E iam safar-se "à grande".
O Toino recusara firmemente. Procurara, "às boas", convencer o Zé a desistir da ideia, depois ameaçara-o de gritar, de chamar gente. Nada resultou. Tentara impedi-lo pela força, quando ele já se preparava para abrir portas e entrar nos carros fosse como fosse, nem que tivesse de partir vidros. Acabaram por se embrulhar em pancadaria.
O Toino era mais forte. Além de que gritou, berrou, e o Zé teve de fugir. Mas, na fuga, atirou-lhe a pedrada que lhe acertou de raspão.
"Então era ele que andava por aí a roubar rádios… E tu sabias?". Entre mais soluços, já espaçados, o Toino confirmou. E acrescentou que nunca participara nessas coisas, que sempre se negara.
Depois, veio o resto, despejando mesmo o saco todo. O Zé andava, lá na vila, com uns figurões a quem vendia os rádios e outras coisas que roubassem, ele e outros de outros lugares em volta. Mas isso ainda não era o pior. O pior era que esse grupo tinha ligações a Lisboa e, às vezes, até vinham uns gajos lá da capital. E juntavam-se no que ele chamava "grandes farras".
Um dia, depois de muitas insistências, o Zé convencera-o a ir com ele. Eram uns senhores todos cheios de coisinhas, bem vestidos e perfumados. Encontravam-se todos num andar que os tais senhores tinham alugado a uns emigrantes, num prédio cheio de andares vagos. Começaram por lhes dar a beber umas bebidas esquisitas, ao Zé e a ele, e via-se logo que o Zé já não parceiro habitual daquelas "festas".
Começaram a ver uns filmes com gajas e gajos todos nus, na marmelada, tudo ao molhe. Os tais senhores disseram-lhes para se porem à vontade, para se despirem e vá de os apalparem, de lhes mexerem "nas partes". O Toino desbroncou logo, dera uma murraça no mais atrevido, partira-lhe os óculos, e aproveitara a confusão para fugir porta fora.
O Zé não. Tinha ficado. Como, decerto, de outras vezes. E quando voltou à aldeia vinha, como dessas outras vezes, cheio de "massa". Chamara-lhe estúpido, dissera-lhe que aquilo não custava nada, que se ganhava dinheiro "à brava", que até entrava em filmes, que já fora a Lisboa no automóvel de um daqueles gajos e dormira em casa dele. Só queria que o Toino visse o luxo… Mas o Toino nem sequer saber queria. Com ele, aquilo não dava. E o Zé falava sempre em se pôr a mexer dali para fora. Pois que fosse. Até já devia ter ido…
Falou, falou, falou, disse o que lhe veio à cabeça. Nem tudo com nexo. Via-se bem que aquilo mexia bem dentro dele. A amizade com o Zé, o rumo que levava a vida deste. O ódio, sim, o ódio, àqueles gajos, àqueles “senhores” que se aproveitavam da fragilidade do Zé, das condições em que eles tinham crescido. E continuavam a crescer. Cada um à sua maneira.
O efeito do sedativo adormeceu-o no sofá, onde lhe aconcheguei uma manta leve e o deixei ficar. Nem valia a pena avisar os pais. Não dariam pela falta.
1 comentário:
Um tema angustiantemente autêntico!
Uma escrita instintiva, de grande sensibilidade.
Para além dos afectos que exprimes de forma espontânea em todos os teus textos, há nesta história valores que os narras de uma forma belíssima; a solidariedade, o respeito e a compreensão pelos jovens. A condição social não é para ti condição restritiva, para a amizade.Uma atitude muito nobre.
Neste momento não só estou a ter prazer na leitura, como também necessidade de a continuar a ler.
Pela minha parte, Obrigada!
GR
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