faz de conta que o que é, é!... avança o peão de rei.

...
o mistério difícil
em que ninguém repara
das rosas cansadas do dia a dia.

José Gomes Ferreira

domingo, 2 de setembro de 2007

Contando um (re)encontro neste amor que se conta - 14

Ele,
em viagem a partir de Lisboa


Ele, nem pensou em jantar.

Enquanto - pensava ele…- ela dormia no apartamento de Bruxelas. E era verdade. Embora um sono algo inquieto, agitado.

Se sentisse necessidade, comeria qualquer coisa numa estação de serviço.

Mas também se não comesse nada, não seria daí que viria mal ao seu corpo, habituado a certos excessos e malfeitorias com que ele, de vez em quando, o castigava.

Meteu alguma roupa e os artigos mínimos de higiene num saco, no saco com que saíra de casa na véspera como se fosse para o aeroporto, escolheu um conjunto de CDs para companheiros de viagem, daqueles que já tinham feito com ele umas viagens parecidas com aquela. Parecidas mas bem diferentes…

Um Aznavour, o Brel (claro!, e com la chanson des vieux amants, claro!), o Moustaki (que ele achava um bom companheiro de viagem), dois ou três portugueses, três ou quatro clássicos, com o Mozart e o Mahler como imprescindíveis.

Ah!, também o Patxi Andion (com o veinte anos de estar juntos…) mas esse seria para ouvirem os dois, já em Bruxelas!

Tudo pronto, sentiu a satisfação de ter conseguido antecipar de mais de meia hora o horário marcado para a partida. Era bom, prevendo e prevenindo algum eventual contratempo.

E arrancou.

Num estado de espírito – e de corpo… – misto de atleta que inicia uma prova desportiva de fundo, totalmente concentrado, e de alguém que se desligou da realidade e entrou num sonho que vai concretizar.

8 comentários:

Maria disse...

CD's? Há trinta anos? Às tantas.... o tempo passa e eu nem me dou conta.
Patxi Andión, também tu? (Coliseu, Março de 1974, El Maestro)
Não sei que te diga, não te quero desmotivar da viagem....
... é que ela também faz contas....

Boa noite e até amanhã

GR disse...

A música é da melhor!
O estado de espírito de um campeão optimista, parte na certeza que será o primeiro!
Começo a ficar com pena dele! Então vai ter que fazer novamente esta longa viagem de retorno, Só?
Para lá vai ser rápida e muito bem acompanhado, com o pensamento do encontro.
Para cá…vai ser muito difícil, está desgastado, desapontado e só!

GR

Anónimo disse...

Ó Maria, esta estória que está a ser contada passou-se nos meados da década de 90 (há 10 e não há 30 anos), quando "ele" e "ela" faziam "veinte anos" e já eram um bocadinho de "vieux amants" (mais para o Brel que para o Patxi).
Nem tenho de rever o texto porque tenho a certeza de que a cronologia está certa. Não há nenhuma falha anacrónica. Não havia era telemóveis, agora CDs havia. Eu próprio - autor-narrador - fiz várias viagens como a que conto de "ele". E com aquelas "companhias". Parece que temos os mesmos gostos...
Quanto a ti, GR, depois do comentário que fizeste ao episódio da manhã, e que me deixou sem folego, é curioso que nem sei o que é que ele vai fazer ao carro (já pensaste que "ele" terá pela frente uma semana de trabalho em Bruxelas, e que "ela" tem um bilhete de avião para domingo que antecipou para sexta?).
Este autor-narrador não se deixa embrulhar neste novelo ou teia que "eles" foram criando.
Vão ver, as duas, que, depois, em papel impresso (ah! os livros!) que terei o enorme prazer de vos oferecer, tudo bate certo.

GR disse...

Grande alegria, vais publicar a história?
Parabéns!

GR

Maria disse...

Será do cansaço, é claro que estão a comemorar os 20 anos... eu é que recuei tanto no tempo que até viagei por Bruxelas e Louvain, etc., e devo ter-me fixado aí.
Não ligues....

Anónimo disse...

Aquilo foi uma promessa (ou uma ameaça) que me saiu ontem. Para cumprir. Vou publicar em papel a estória editada em blog... mas só (no prjecto actual) em 4 exemplares artesanais. Um para cada uma das minhas queridas leitoras mais fieis, um para quem me serviu para a criação de "ela", outro para este gajo autor-narrador e vivente de vivências que serviram para a criação de "ele". E reparem que "ela" e "ele", sei-o por vivência minha, foram construindo as suas bem autónomas vivências, neste progressivo distanciamento que caracteriza a "construção ficcionista".

Em particular para a Maria, compreendo muito bem a sua viagem a Bruxelas e a Louvain de antes de 1974, e a sua fixação nesse tempo do vinil (e tanto mais).
Talvez um dia conte coisas - ficcionadas, claro - a partir de vivências desse período.
Mas há tanta coisa para fazer...

Tanita disse...

Confesso que também fiquei a duvidar da existência dos CDs, mas já está tudo explicado!
Uma pessoa lê coisas e começa logo a fazer filmes nas épocas que mais lhe marcou...
É isso...

Tanita disse...

Ah!!!
E espero a versão em papel, com cheirinho a novo e fazer aquele barulho característico de um livro novo a abrir!