Bem educadinho, diziam os outros, era o Zé. Esse sim, desbarretava‑se mesmo sem barrete. Falava às pessoas com respeito ou subserviência (isto da subserviência dizia eu…).
E o Zé não só cumprimentava como pedia ”por favor” e nada fazia sem ser “com licença”. Além de que estava sempre disponível para o que se lhe pedisse, para as pequenas atenções de que as pessoas - algumas...- gostam.
Para mais, o Zé não se permitia as intimidades de que o Toino abusaria comigo. Aquilo de me esperar logo à chegada do carro, a perguntar se trazia calendários, ou de entrar pelo meu escritório ‑ mais refúgio que escritório – pela porta do quintal para conversar comigo... como se houvesse conversas a ter com tal rapazola (pensavam eles… talvez mais elas).
Eu procurava explicar que não era abuso nenhum. Que era tudo combinado entre nós, entre o Toino e eu, e também que nunca houvera ocasião para acontecer o mesmo com o Zé. Que tinha mais confiança em quem é como é, sem máscaras e com ramelas nos olhos, do que em quem é todo mesuras, rapa‑pés, muito "sim, minha senhora", "com licença, senhor doutor", muita disponibilidade nas palavras e pouca nas acções não aparentes.
Mas também não queria ser injusto com o Zé como forma ínvia de compensar o que considerava injustiça relativamente ao Toino. E não podia negar que o Zé tinha outro aspecto, sempre muito alinhadinho, a roupinha em condições, penteado, todo bem falante, parecendo de outra condição social que não a dele e do Toino.
Um dia, quando dei ao Toino um calendário que trouxera de Cuba, e me preparava para lhe dizer umas coisas sobre a minha mais recente viagem, o Zé veio à baila. Nem sei porquê, mas não foi assim tão estranho porque os dois continuavam, aparentemente, a ser unha com carne.
Tínhamos estado a conversar sobre biscates, e perguntei ao Toino se o Zé também os fazia, uma vez que também ele não continuara a estudar e até, ao que disse uma das senhoras professoras, só conseguira acabar a quarta classe porque o Toino muito o ajudara.
Essa professora até me disse que tinha quase a certeza que muitos dos trabalhos de casa e outras obrigações que o Zé cumprira tinham sido obra do seu amigo.
A minha pergunta sobre como ia a vida do Zé fez descer uma sombra no olhar do Toino. Tossicou como fazia quando a conversa não lhe agradava, resmungou entre dentes umas frases inaudíveis. Insisti, contra regras da nossa convivência: "Ele também faz biscates como tu, também ajuda nas obras?". O Toino respondeu‑me, com alguma estranha secura: "Não... trabalho nas obras não é com ele... lá se amanha... tem a vida dele, e eu não quero saber. Se calhar, não vai estar por cá muito tempo... Vai abalar. Deixá‑lo!".
Foi como se tivesse colocado um abrupto ponto final na minha curiosidade. Pensei que fosse uma espécie de ciúme, ou um certo mal-estar por aquela preferência que quase toda a gente tinha pelo Zé, com o seu bom aspecto, com o seu ar lavadinho, penteadinho, a roçar o servil (isto pensei eu, mas não o disse, e muito o menos o diria ao Toino). Até porque eles continuavam muito amigos, sempre juntos. Pelo menos era o que parecia.
Mudámos de assunto. Mais calendários, algumas futilidades para encher conversas, duas palavritas sobre Cuba e outras maneiras de viver em sociedade, e só não bebemos o copito que cimenta as amizades porque não quis facilitar. Embora soubesse, pelo que se dizia, que o Toino não se negava a fazer sociedade com os grandes, entendi que não devia copiar os maus exemplos de alguns adultos que têm gozo em ver os miudos macaquearem comportamentos que nem nos adultos são aceitáveis.
E o Zé não só cumprimentava como pedia ”por favor” e nada fazia sem ser “com licença”. Além de que estava sempre disponível para o que se lhe pedisse, para as pequenas atenções de que as pessoas - algumas...- gostam.
Para mais, o Zé não se permitia as intimidades de que o Toino abusaria comigo. Aquilo de me esperar logo à chegada do carro, a perguntar se trazia calendários, ou de entrar pelo meu escritório ‑ mais refúgio que escritório – pela porta do quintal para conversar comigo... como se houvesse conversas a ter com tal rapazola (pensavam eles… talvez mais elas).
Eu procurava explicar que não era abuso nenhum. Que era tudo combinado entre nós, entre o Toino e eu, e também que nunca houvera ocasião para acontecer o mesmo com o Zé. Que tinha mais confiança em quem é como é, sem máscaras e com ramelas nos olhos, do que em quem é todo mesuras, rapa‑pés, muito "sim, minha senhora", "com licença, senhor doutor", muita disponibilidade nas palavras e pouca nas acções não aparentes.
Mas também não queria ser injusto com o Zé como forma ínvia de compensar o que considerava injustiça relativamente ao Toino. E não podia negar que o Zé tinha outro aspecto, sempre muito alinhadinho, a roupinha em condições, penteado, todo bem falante, parecendo de outra condição social que não a dele e do Toino.
Um dia, quando dei ao Toino um calendário que trouxera de Cuba, e me preparava para lhe dizer umas coisas sobre a minha mais recente viagem, o Zé veio à baila. Nem sei porquê, mas não foi assim tão estranho porque os dois continuavam, aparentemente, a ser unha com carne.
Tínhamos estado a conversar sobre biscates, e perguntei ao Toino se o Zé também os fazia, uma vez que também ele não continuara a estudar e até, ao que disse uma das senhoras professoras, só conseguira acabar a quarta classe porque o Toino muito o ajudara.
Essa professora até me disse que tinha quase a certeza que muitos dos trabalhos de casa e outras obrigações que o Zé cumprira tinham sido obra do seu amigo.
A minha pergunta sobre como ia a vida do Zé fez descer uma sombra no olhar do Toino. Tossicou como fazia quando a conversa não lhe agradava, resmungou entre dentes umas frases inaudíveis. Insisti, contra regras da nossa convivência: "Ele também faz biscates como tu, também ajuda nas obras?". O Toino respondeu‑me, com alguma estranha secura: "Não... trabalho nas obras não é com ele... lá se amanha... tem a vida dele, e eu não quero saber. Se calhar, não vai estar por cá muito tempo... Vai abalar. Deixá‑lo!".
Foi como se tivesse colocado um abrupto ponto final na minha curiosidade. Pensei que fosse uma espécie de ciúme, ou um certo mal-estar por aquela preferência que quase toda a gente tinha pelo Zé, com o seu bom aspecto, com o seu ar lavadinho, penteadinho, a roçar o servil (isto pensei eu, mas não o disse, e muito o menos o diria ao Toino). Até porque eles continuavam muito amigos, sempre juntos. Pelo menos era o que parecia.
Mudámos de assunto. Mais calendários, algumas futilidades para encher conversas, duas palavritas sobre Cuba e outras maneiras de viver em sociedade, e só não bebemos o copito que cimenta as amizades porque não quis facilitar. Embora soubesse, pelo que se dizia, que o Toino não se negava a fazer sociedade com os grandes, entendi que não devia copiar os maus exemplos de alguns adultos que têm gozo em ver os miudos macaquearem comportamentos que nem nos adultos são aceitáveis.
3 comentários:
Cá estou eu a seguir a estória... Nem sempre teço comentários, bem sei... Mas estou presente!
O que se passará com o Zé???
Beijinhos
O Toino teve sorte em arranjar um Amigão. Compreende-o,vai-lhe demonstrando afecto.
E o Zé? Que segredo tem o Toino em não quer desvendar?
Está de partida para onde? Que irá fazer este (Zé) adolescente?
Pobre Toino! Irá sofrer a perda (física) do seu grande amigo.
Estou fascinada com a estória!
GR
Duas figuras típicas deste nosso país.
Como típico é o "senhor doutor" que fala de outros mundos ao Toino.....
Vou passar ao próximo capítulo, pois estou atrasadíssima....
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