De muitos que nós somos só resta a memória dos que por cá ainda andam. Todos temos pai e mãe, embora nem todos tenham conhecido o pai – e não só por comportamentos atípicos (?) da mãe –, mas nem todos estamos certos de ter filhos e netos que nos lembrem nas histórias por nós ante(s)passadas.
Sinto necessidade de contar algumas. Para que não acabem comigo alguns restos da vida daqueles a quem tem tanto (e tudo) devo do que sou.
O meu avô materno, o senhor Albino Ferreira, homem muito respeitável e sempre pontual, era, quando o conheci, um reformado da Administração-geral do porto de Lisboa. Recordo-me dele como reformado, se calhar antes de o ser, esse estatuto então apenas privilégio dos funcionários públicos.
Pelas tardes, descia a Rua do Sol ao Rato para, dizia ele…, ir jogar a sua partidinha de dominó no Jardim Cinema. Algumas vezes lá o encontrei, a escapar-me eu do Liceu Pedro Nunes para um joguito de matraquilhos (com bolas de cortiça!). Não muitas vezes o encontrei, porque o meu avô nem sempre estava na mesa do dominó.
Às noites seroava em casa, sendo verdadeiramente excepcional sair e, quando o fazia, era sempre com a minha avó, Damásia de seu nome. Só para um aniversário de uma das filhas ou dos netos, e só quando não conseguia que se aniversariasse na avoenga mansão que mansão não era.
Um dia, estando com minha mãe e tias em visita a minha avó, ouço esta contar, escandalizada, que “a criada” – as jovens que vinham da terra para de “criadas” servirem à pequena burguesia –, estava grávida. Soltaram-se “oh!”s e “ah!”s de fingido espanto mas de solidário escândalo.
E dizia a minha avó “não sei é como é isto teria acontecido… ela só sai de quinze em quinze dias e sempre à tarde… nunca sai à noite… como é que podia ter acontecido uma coisa destas?”
Para a minha avó, “uma coisa destas” só podia acontecer à noite… Quem teria assim instruído a minha avó quando ela, menina e moça, começou a fazer "dessas coisas"?! De que nasceram três filhas e depois, de uma destas, nasci eu.
As minhas mãe e tias riram muito, para dentro dos seus lencinhos de seda, e eu sei que se o meu avô estivesse por ali me teria piscado o olho. Entre homens... ele o homem que, à noite, nunca saia de perto da sua Damásia mas que, às tardes, "dava umas voltas" nem sempre para jogar dominó no Jardim Cinema.
Sinto necessidade de contar algumas. Para que não acabem comigo alguns restos da vida daqueles a quem tem tanto (e tudo) devo do que sou.
O meu avô materno, o senhor Albino Ferreira, homem muito respeitável e sempre pontual, era, quando o conheci, um reformado da Administração-geral do porto de Lisboa. Recordo-me dele como reformado, se calhar antes de o ser, esse estatuto então apenas privilégio dos funcionários públicos.
Pelas tardes, descia a Rua do Sol ao Rato para, dizia ele…, ir jogar a sua partidinha de dominó no Jardim Cinema. Algumas vezes lá o encontrei, a escapar-me eu do Liceu Pedro Nunes para um joguito de matraquilhos (com bolas de cortiça!). Não muitas vezes o encontrei, porque o meu avô nem sempre estava na mesa do dominó.
Às noites seroava em casa, sendo verdadeiramente excepcional sair e, quando o fazia, era sempre com a minha avó, Damásia de seu nome. Só para um aniversário de uma das filhas ou dos netos, e só quando não conseguia que se aniversariasse na avoenga mansão que mansão não era.
Um dia, estando com minha mãe e tias em visita a minha avó, ouço esta contar, escandalizada, que “a criada” – as jovens que vinham da terra para de “criadas” servirem à pequena burguesia –, estava grávida. Soltaram-se “oh!”s e “ah!”s de fingido espanto mas de solidário escândalo.
E dizia a minha avó “não sei é como é isto teria acontecido… ela só sai de quinze em quinze dias e sempre à tarde… nunca sai à noite… como é que podia ter acontecido uma coisa destas?”
Para a minha avó, “uma coisa destas” só podia acontecer à noite… Quem teria assim instruído a minha avó quando ela, menina e moça, começou a fazer "dessas coisas"?! De que nasceram três filhas e depois, de uma destas, nasci eu.
As minhas mãe e tias riram muito, para dentro dos seus lencinhos de seda, e eu sei que se o meu avô estivesse por ali me teria piscado o olho. Entre homens... ele o homem que, à noite, nunca saia de perto da sua Damásia mas que, às tardes, "dava umas voltas" nem sempre para jogar dominó no Jardim Cinema.
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(*) - Há dois anos, nas vésperas de saber que iria ter de fazer uma intervenção cirúrgica de alguma gravidade (que foram duas) para me tirarem das entranhas um "bicho" que me estava a consumir, deu-me vontade de escrever estas estórias. Estranha vontade... Foram saíndo, em intervalos de outras coisas, e até saber do que tinha de ser feito ao meu corpo para continuar "matéria organizada". Curiosamente, um dia destes, saltaram do meio dos papéis as estórias que dera ordem à impressora para tirar do computador. Oferecerem-se-me para este blog de contar coisas...
3 comentários:
à falta de netos, para ir contando estas belas histórias bem contadas, valha-nos o São blog, assim sempre irá chegar a um qualquer neto-d-algo, que seria uma pena perder-se...
Há coisas que "só se fazem à noite, mesmo".... hehehehe
Os nossos avós eram deliciosos nas cumplicidades com os netos, lembro-me bem...
Não imaginas como adoro ler estas estórias.
Não para bisbilhotice, mas pela delicia da descrição da vida social da altura.
A inocência (!) das senhoras, a rectidão (!) dos homens e os dias eram passados com enganos, tentando não ferirem quem gostavam. O respeito era uma constante.
Seria respeito, mas tudo era igual aos dias de hoje, havia era mais descrição.
Fabulosa crónica.
Fico à espera de mais de muitas:
GR
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