Já o terei dito, ou escrito, ou pensado. Mas que importa...
Somos antepassados de nós mesmos. Não por não termos alternativa por não ser filhos d’algo (Brel cantava que tous les enfants sont fils de quelq’un). Não por qualquer complexo narcísico.
Somos antepassados de nós mesmos porque somos – também! – o que fomos.
Ao lado daquela foto da minha avó, estava uma outra, de um miúdo, em que me revejo porque sou eu, e não resisto a contar (mais a mim que a outréns) uma estória deste meu antepassado.
Íamos “a férias” para a Trafaria. Que era, então, uma praia onde a pequena-média burguesia passava férias. Tinha a grande vantagem de permitir prolongar as férias dos miúdos sem prejuízo do emprego do pai (sim, que as mães raro trabalhavam para além do trabalho, que não era pouco, de serem mães e “donas de casa”), que até podia ir dormir ao quarto alugado ao mês, e serem mais do que um os meses. E passar os domingos… que essa coisa de fins de semana ainda não existia, apesar dos ingleses andarem com uma mania de terem livres os sábados à tarde… a chamada “semana inglesa”.
O barco, o “vapor”, tomava-se em Belém e era directo à Trafaria, embora houvesse, se bem me lembro, alternativas. E a travessia era uma aventura, uma travessura….
Este “puto” que sou eu parece que oscilava entre o risonho e o bisonho, e quem me fotografou apanhou-me em fase bisonha. Alguma me teriam feito... e deveriam estar a tentar recuperar-me para o risonho com aquela gracinha do olhó passarinho. Como se fosse assim, com essa facilidade…
Se calhar, estava “de trombas” porque, mais uma vez – teimosos, os adultos! –, me teriam impedido de ir descalço da praia para casa, que era o meu maior gozo (sempre gostei de andar descalço, com os pés livres de meias, sapatos, sandálias). Mas se os adultos eram teimosos, eu não o era menos e, uma vez, fugi da praia, só para fazer aquele caminhozito com a sola dos pés a esfregarem o chão da rua. Desaparecimento, pânico, mobilização geral, procura aflita, descoberta, alívio. E castigo, claro. Mas porque é que só as minhas teimosias é que eram castigadas, e as deles não?!
E há ou não estória para contar? Há. Um dia estávamos ainda na praia, num fim de tarde de Agosto ou Setembro, mesmo ao lado do pontão de embarque-desembarque, esperávamos que o meu pai viesse ter com a família ao desmanchar da barraca-toldo, e houve grande burburinho à chegada do barco. Não sei bem porquê mas alguém aventou que um homem teria caído ao Tejo. Pois o miúdo que eu era entrou em grande aflição, e só perguntava “meu pai cai t’ó mar?, meu pai cai t’ó mar?”
Tão assustado estava, tanto perguntei desta maneira que ficou estória-gracinha (?!) do menino para contar entre família. Muitas vezes a ouvi.
Ao lado daquela foto da minha avó, estava uma outra, de um miúdo, em que me revejo porque sou eu, e não resisto a contar (mais a mim que a outréns) uma estória deste meu antepassado.
Íamos “a férias” para a Trafaria. Que era, então, uma praia onde a pequena-média burguesia passava férias. Tinha a grande vantagem de permitir prolongar as férias dos miúdos sem prejuízo do emprego do pai (sim, que as mães raro trabalhavam para além do trabalho, que não era pouco, de serem mães e “donas de casa”), que até podia ir dormir ao quarto alugado ao mês, e serem mais do que um os meses. E passar os domingos… que essa coisa de fins de semana ainda não existia, apesar dos ingleses andarem com uma mania de terem livres os sábados à tarde… a chamada “semana inglesa”.
O barco, o “vapor”, tomava-se em Belém e era directo à Trafaria, embora houvesse, se bem me lembro, alternativas. E a travessia era uma aventura, uma travessura….
Este “puto” que sou eu parece que oscilava entre o risonho e o bisonho, e quem me fotografou apanhou-me em fase bisonha. Alguma me teriam feito... e deveriam estar a tentar recuperar-me para o risonho com aquela gracinha do olhó passarinho. Como se fosse assim, com essa facilidade…
Se calhar, estava “de trombas” porque, mais uma vez – teimosos, os adultos! –, me teriam impedido de ir descalço da praia para casa, que era o meu maior gozo (sempre gostei de andar descalço, com os pés livres de meias, sapatos, sandálias). Mas se os adultos eram teimosos, eu não o era menos e, uma vez, fugi da praia, só para fazer aquele caminhozito com a sola dos pés a esfregarem o chão da rua. Desaparecimento, pânico, mobilização geral, procura aflita, descoberta, alívio. E castigo, claro. Mas porque é que só as minhas teimosias é que eram castigadas, e as deles não?!
E há ou não estória para contar? Há. Um dia estávamos ainda na praia, num fim de tarde de Agosto ou Setembro, mesmo ao lado do pontão de embarque-desembarque, esperávamos que o meu pai viesse ter com a família ao desmanchar da barraca-toldo, e houve grande burburinho à chegada do barco. Não sei bem porquê mas alguém aventou que um homem teria caído ao Tejo. Pois o miúdo que eu era entrou em grande aflição, e só perguntava “meu pai cai t’ó mar?, meu pai cai t’ó mar?”
Tão assustado estava, tanto perguntei desta maneira que ficou estória-gracinha (?!) do menino para contar entre família. Muitas vezes a ouvi.
3 comentários:
"...que reste-t-il de ces beaux jours/une photo, vieille photo/de ma jeunesse.../un petit village,un vieux clocher/un paysage si bien caché/ et dans un nuage le cher visage/de mon passé..."
Que nostalgia!
Que ternura......
Porque é que gostamos de andar descalços?
Quantos açoites levei (estragas os pés, rapariga...)?
E depois? Os pés são meus....
Três anos? Ou terias quatro?
Abreijos
Tão lindo, uma ternura de menino, com ar tão triste!
A primeira história foi assustadora. Então para andares descalço, desapareces?
castigo! e muito bem dado, não paga o susto da senhora tua mãe.
Depois, vem novamente a ternura, tão pequenino estares a pensar que poderia ser o teu pai! Já demonstravas inteligência e preocupação para o perigo.
Adorei, ler esta história.
GR
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