faz de conta que o que é, é!... avança o peão de rei.

...
o mistério difícil
em que ninguém repara
das rosas cansadas do dia a dia.

José Gomes Ferreira

sábado, 31 de maio de 2008

Vizinhas...

Gosto da palavra!
E gosto das minhas vizinhas. Destas, que estão agora ali em cima, do lado de fora do meu escritório, sentadas no murito à beira da estrada. A casquinar. Bem as ouço…
São três ou quatro velhotas, pouco mais velhas que eu, nem com mais uma meia dúzia de anos… e delas bem me lembro “moçoilas de encher o olho” vai para meio século.
De lá de baixo, de S. Sebastião, vêm “ao terço” (acho que é isso…), à capela do Zambujal, e cansadas da subida à vinda e a meio da descida de volta, aqui se sentam a recobrar forças no regresso a casa, num caminho que se vai fazendo longo, até porque ninguém as espera. Vivem sós, viúvas que ficaram dos homens que abalaram, uns para sempre, para o cemitério, outros que não voltaram.
E falam, falam, falam, riem com adivinhada malícia. De quê, sobre quê?
Como eu gostaria de saber, mas o respeito (ou o pudor?!) impede-me de subir uns degrauzitos e de, deste lado da porta e das paredes, ficar à escuta.
Como eu gostaria de saber… para descobrir o mistério das conversas de quem não lê livros nem jornais, sabe lá quem é o 1º ministro, não faz contas sobre como encher o depósito do carro, se alimenta com umas couves que tira do quintalito, tem um pacto com o senhor prior para facilitar o acesso à vida eterna. Mas que, a bem ver – e a melhor escutar – talvez tivessem muito da vida, mas não da sr. prior e sim desta tão terrena, para me ensinar.
… de que falarão elas, tão animadas e convictas?

8 comentários:

Justine disse...

Falam da vida, pois de que haveria de ser? Da delas e da dos outros...incluíndo a tua!

Maria disse...

A Justine tirou-me algumas palavras da boca.
Devem falar das "modernices" que viram no terço, e da modernice que é ter uma casa assim como tu a descreveste emposts anteriores, elas que se devem lembrar como a casa era...
...ora este senhor doutor tem cá umas idéias, então não era mais bonito assim uma casa tipo "maison"?
:))))

Anónimo disse...

Pois, se calhar dizem coisas parecidas com essas mas, cá para mim, uma boa parte da verdade e da razão que andam à solta pelo mundo pertence-lhes, mesmo quando se enganam.

Campaniça

Sérgio Ribeiro disse...

Depois destes três comentários - destas tão queridas vizinhas! - vou emendar uma palavrinha no "post", ou até acrescentar... ainda não sei. É a a inter-actividade, ou a escrita criativa como alguns chamam a uma coisa que não sei se será parecida com isto.

GR disse...

- Estas malditas varizes,
- Oh vizinha, descansemos as pernas neste muro, malditas varizes.
- Tem razão vizinha. Gosto tanto da capela do Zambujal mas, cada vez se torna mais longe.
- Lembra-se vizinha, desta casa?
- Então não me havia de lembrar?
- Grande homem o Sr. Joaquim Ribeiro, muito respeitador e a D. Judite? Bonita senhora, sempre muito bem vestida.
- E as festas que davam aqui? Era bonito de ver!
- Agora vive o filho, o menino Sérgio... é doutor! pessoa muito importante da política.
- Então eu não sei! Quem havia de dizer que já esteve preso! um rapaz tão bom, simpático e de boas famílias. Se a D. Maria José soubesse até tinha morrido de tristeza, gostava tanto daquele netinho.
- Dizem que vai à televisão falar de coisas importantes.
- Por acaso nunca vi, não tenho electricidade, nem dinheiro para comprar o aparelho.
- Vizinha, ainda um dia havemos de bater à porta. Será que nos deixa entrar?
- Vamos mas é, ainda nos falta tanto para lá chegar!
- Um dia vou bater à porta!
- Vai chover, vizinha?
- Um dia vou de bater àquela porta.

GR

samuel disse...

Ele é um malandreco, que a gente bem se "alembra" dos olhares com que nos atravessava (tal era o mistério dos seios nascendo debaixo das blusas), mas fez-se um homem simpático (lá com as suas ideias) e dizem que até aparece na televisão. A mulher também é muito dada e tem ar de pessoa fina. Agora o gato... esse é cá um convencido!...

Sérgio Ribeiro disse...

Ó Samuel, tu subiste os degraus que eu, por pudor, não me atrevi?! Obrigado pela informação. São umas boas vizinhas... e já foram (se ainda me lembro meio século passado...) umas vizinhas boas!
E o ti Manel da Fonseca é que sabia destas coisas...

Sérgio Ribeiro disse...

GR: Nem calculas com que gozo li a tua "conversa de vizinhas". Está interessantíssima, revelando um conhecimento da família "cá de casa" que me comoveu (aliás como o comentário do Samuel).
Mas está mesmo "de ficção" porque as "minhas vizinhas" já estão noutro... estádio. São mesmo umas sabidonas, têm electricidade e vêem televisão, não aqueles programas em que entra este vizinho (quando lá vai...) porque não querem saber disso para além do que o sr. prior lhes disser... embora gostem de o ver todo engravatado, mas sabem umas coisas sobre o Cristiano Ronaldo e a Nereida, riem com os "malucos do riso", afligem-se com as "disgrácias do mundo". Estão assim numa encruzilhada de vidas.
Quanto a este vizinho têm lá umas ideias delas. É "bom rapaz", já lá foram a casa (para ver como era, e por via dos pêsames quando morreu a "sôra Judita"...), uma "inté lá serviu" quando era nova. Sabem que a porta está sempre aberta, algumas já pediram uns favores por causa da "sôra cambra" e outras coisas (e ele fez sempre o que lhe foi possível), gostam de lhe deixar algumas primícias à porta do pátio.
Há uma boa vizinhança, embora não chegue a convivência! Para algumas, ainda é o Serginho.