Com a saída dos meus pais senti o ar da manhã (ainda) mais fresco, mais leve.
A Júlia já passara duas vezes. Para ir à lenha, para ir ao poço de onde trouxera os dois baldes a deitar por fora e a salpicarem-me as costas.
Os dois tínhamos acompanhado com aparente desinteresse, ou bem escondido..., as “negociações” sobre quem ia lá abaixo, â vila. Como se não fosse nada connosco, como se nos fosse indiferente.
Demorou pouco tempo a que a Júlia saísse da cozinha, com os dois baldes a caminho do poço. Naquela manhã a água gastara-se depressa…
Esperava-o. Pareceu-me ler-lhe um sorriso de desafio. Ou quis ler-lhe, no rosto, um sorriso de desafio.
Vieram palavras “em lugar de estar p’raí a fazer forças melhor era que m’ajudasse… isso é que valia a pena… tanta coisa, tantas forças, e se calhar nem é capaz d’acartar uns balditos d’áuga…”, “… até era capaz de te carregar a ti e mais aos baldes ao mesmo tempo…”, “… tamém q’ria ver isso…”.
Hesitei. Estava calor, de repente o ar pareceu-me pesado, tenso. Não, não era bem isso, seria mais a tensão inusitada dos sábados à noite do Vinicius de Moraes que eu “andava a descobrir”. Talvez tivesse parecenças…
Insisti nas flexões, que para isso servem, na expectativa dos pingos de água que viriam no regresso do poço. E não tardaram. Em vez do arrepio, a água escorreu no corpo quente. Fiz menção de lhe agarrar os pés descalços, os tornozelos, a perna forte, firme, de correr atrás dela e dos baldes e daquele riso galhofeiro.
Fugiu, com mais riso e mais galhofa, tudo mais vivo e mais alto que era costume. Fugiu para dentro de casa, numa corrida sem perseguidor. “Não tenho tempo p’ra brincadeiras… vou fazer as camas…”.
E começou a cantar, Com uma voz rouca, cheia de intenções no que dizia e como dizia. Ou como eu adivinhava ou inventava.
Nem me tinha levantado da posição de empranchado. Por terra. “Fiquei-me nas covas”, como se dizia na gíria do atletismo quando as partidas se faziam das covas… Mas ainda arenguei “qualquer dia hás-de pagar-mas todas…”.
A resposta foi um “ora, ora” como novo estribilho na cantiga não interrompida ora, ora… muito ameaça que pouco faz/ora, ora… pouco faz quem muito ameaça/ora, ora… se comigo queres casar vai pedir à nha mãe/ora, ora… se tens pressa em namorar nã no peças a ninguém/ora, ora...
A água fervia na enorme panela em cima do fogão de lenha. Dos quartos vinha ainda o calor dos corpos sacudido dos lençois e das cobertas. E a voz rouca, quente, provocadora ora, ora… vê lá nã te queimes nas brasas dessa lareira/ora, ora mais calor e menos ciscos tens no fogo da minha braseira/ora, ora...
A Júlia já passara duas vezes. Para ir à lenha, para ir ao poço de onde trouxera os dois baldes a deitar por fora e a salpicarem-me as costas.
Os dois tínhamos acompanhado com aparente desinteresse, ou bem escondido..., as “negociações” sobre quem ia lá abaixo, â vila. Como se não fosse nada connosco, como se nos fosse indiferente.
Demorou pouco tempo a que a Júlia saísse da cozinha, com os dois baldes a caminho do poço. Naquela manhã a água gastara-se depressa…
Esperava-o. Pareceu-me ler-lhe um sorriso de desafio. Ou quis ler-lhe, no rosto, um sorriso de desafio.
Vieram palavras “em lugar de estar p’raí a fazer forças melhor era que m’ajudasse… isso é que valia a pena… tanta coisa, tantas forças, e se calhar nem é capaz d’acartar uns balditos d’áuga…”, “… até era capaz de te carregar a ti e mais aos baldes ao mesmo tempo…”, “… tamém q’ria ver isso…”.
Hesitei. Estava calor, de repente o ar pareceu-me pesado, tenso. Não, não era bem isso, seria mais a tensão inusitada dos sábados à noite do Vinicius de Moraes que eu “andava a descobrir”. Talvez tivesse parecenças…
Insisti nas flexões, que para isso servem, na expectativa dos pingos de água que viriam no regresso do poço. E não tardaram. Em vez do arrepio, a água escorreu no corpo quente. Fiz menção de lhe agarrar os pés descalços, os tornozelos, a perna forte, firme, de correr atrás dela e dos baldes e daquele riso galhofeiro.
Fugiu, com mais riso e mais galhofa, tudo mais vivo e mais alto que era costume. Fugiu para dentro de casa, numa corrida sem perseguidor. “Não tenho tempo p’ra brincadeiras… vou fazer as camas…”.
E começou a cantar, Com uma voz rouca, cheia de intenções no que dizia e como dizia. Ou como eu adivinhava ou inventava.
Nem me tinha levantado da posição de empranchado. Por terra. “Fiquei-me nas covas”, como se dizia na gíria do atletismo quando as partidas se faziam das covas… Mas ainda arenguei “qualquer dia hás-de pagar-mas todas…”.
A resposta foi um “ora, ora” como novo estribilho na cantiga não interrompida ora, ora… muito ameaça que pouco faz/ora, ora… pouco faz quem muito ameaça/ora, ora… se comigo queres casar vai pedir à nha mãe/ora, ora… se tens pressa em namorar nã no peças a ninguém/ora, ora...
A água fervia na enorme panela em cima do fogão de lenha. Dos quartos vinha ainda o calor dos corpos sacudido dos lençois e das cobertas. E a voz rouca, quente, provocadora ora, ora… vê lá nã te queimes nas brasas dessa lareira/ora, ora mais calor e menos ciscos tens no fogo da minha braseira/ora, ora...
5 comentários:
Um delicioso jogo de sedução....
E não é que a gente vê mesmo só e tudo aquilo que quer, nestas situações? Assim como.... tomar os nossos desejos como realidades...
O próximo é só amanhã?
E o João Luís não foi ajudar a Júlia a fazer as camas? hehehehehehe
O sujeiro era um tímido... ou então eram os 17 anos (quase 18! quase 18!).
De qualquer modo... também era uma atrevidote!
queria dizer um atrevidote... mas olhem que a Júlia!...
Parece que não é só a água que estava a ferver...
Se ele deseja, a Júlia provoca!
Será que nos seus 18 anos onde tudo é possível, ele conseguirá ultrapassar os sonhos, o desejo?
“…pouco faz quem muito ameaça/ora, ora!”
Estou em pulgas para ler o próximo episódio.
GR
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