faz de conta que o que é, é!... avança o peão de rei.

...
o mistério difícil
em que ninguém repara
das rosas cansadas do dia a dia.

José Gomes Ferreira

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

A morte da adolescência - 10

A Júlia parecia cada vez mais segura de si. Cada vez mais controlava a situação. Um dia disse-me ”só não emprenho porque não quero… havia de ser bonito”. E riu-se!

Pelo contrário, eu estava cada vez mais obcecado, e havia obsessões que vinham juntar-se. Uma começava a tomar-me. Queria dormir com a Júlia. Deitar-me com ela na mesma cama e no mesmo sono depois de, saboreadamente, termos satisfeito os nossos insaciáveis corpos. Estava mesmo disposto a correr riscos. Ela ia adiando. “Um dia, talvez…”. Depois ria-se “... mas isso é só com quem eu casar… não q’eria mais nada!” E recusava que eu sequer entrasse, mesmo de dia, no seu quarto.

Estava a ficar desorientado. Andava na minha vida nova de universitário como um sonâmbulo. O que me valia era que, naquele tempo, o trabalho “a sério” só começava mais tarde, depois de “arrumados” os exames de admissão (de que eu dispensara) e outros da chamada “época de Outubro”.

Até que, de repente, no final de um dia cinzento do Outono lisboeta, a minha mãe, à mesa, ao jantar, disse que a Júlia se ia embora.

Assim. Como se fosse uma notícia indiferente, embora me parecesse descobrir um desconfiado espreitar para dentro da minha reacção. Talvez à espera de uma pergunta. Um talvez ansioso mas porquê?, talvez receoso da resposta.

A notícia fora dada como se se preenchesse um vazio, um silêncio à mesa que estivesse a incomodar.

Consegui controlar-me. Ou julguei que o fazia. O meu pai, calado, aparentemente desatento. Eram “coisas da cozinha”…

O silêncio tinha de ser cortado. Levei para a ironia que completasse o inevitável mas porquê?.

“Mas porquê?... partiu mais loiça que o regulamento permite?”. Com uma indiferença forçada. Com dificuldade de disfarçar e, talvez… sei lá, num tom que me trairia para quem quisesse confirmar suspeitas. Se é que havia…

Ela servia à mesa. Tirava e punha pratos. E fazia de conta que não reparara que se estava a falar dela e que as suas entradas e saídas, pontuavam as falas e os silêncios.

“Não, não! Pelo contrário… até estava a dar muito boa conta do recado…”

3 comentários:

GR disse...

Aqui entra o 6º sentido da Mulher!
As mães não dormem, nem se deixam enganar! Mesmo que o filho continue a ser um excelente aluno, mesmo que a “clandestinidade” seja cuidadosa.
Depressa quero saber o que vai acontecer!

GR

Anónimo disse...

Vai-te surpreender... espero!

Maria disse...

Ai que a Júlia arranjou um namorico....

Tenho que esperar por amanhã, não é?