7.
O Homem puxou da pasta, tirou um dossier e começou.
E começou pela história da empresa. Dissera duas frases, e já o Senhor Administrador o interrompera “Ó meu amigo – desculpe… qual é o seu nome? –… desculpe interrompê-lo mas tenho de lhe lembrar que o meu tempo é muito curto. Eu conheço os dossiers, a história da empresa e isso. O Director da Agência informou-me devidamente e eu colhi informações complementares – até porque ele é seu amigo, não é verdade? –, por isso, veja se consegue ir rapidamente ao cerne da questão…”.
“Com certeza, com certeza… Pois, Excelentíssimo Senhor Administrador, é que a livrança de que foi proposta a reforma, é vital para a empresa. Julgo que as garantias e os avales são mais que suficientes para cobrir qualquer contingência relativamente ao cumprimento de amortização e prazos… para além disso, tenho dificuldade em defender a proposta sem falar da história e da importância da empresa… mas tenho aqui mapas e gráficos, alguns que, com certeza Vossa Excelência conhece, que demonstram a viabilidade da empresa se ultrapassado o estrangulamento de tesouraria." O Senhor Administrador deu algum sinal de impaciência. O Homem tirou um dossier da pasta. Procurava ser rápido mas como que se atropelava.
"... até porque as iniciativas programadas têm em vista essa viabilidade económica. Por outro lado, quanto a garantias, temos a casa…”.
Foi interrompido pela entrada, deslizante, da Secretária “Perdão, Senhor Administrador, estão à sua espera para começar a reunião…”.
O Senhor Administrador mostrou-se ligeiramente agastado “… eu sei, eu sei, eles que esperem um pouco” e, voltando-se para o Homem, aproximou-se mais dele “… desculpe… conheço isso tudo de que me fala… mas diga-me mais sobre as garantias, sobre a casa…”.
Foi interrompido pela entrada, deslizante, da Secretária “Perdão, Senhor Administrador, estão à sua espera para começar a reunião…”.
O Senhor Administrador mostrou-se ligeiramente agastado “… eu sei, eu sei, eles que esperem um pouco” e, voltando-se para o Homem, aproximou-se mais dele “… desculpe… conheço isso tudo de que me fala… mas diga-me mais sobre as garantias, sobre a casa…”.
“Claro, claro, Senhor Administrador… temos a casa onde vivo, na aldeia, que vale bem mais que os 50 mil euros da livrança…”. “… a casa, pois…. vale, decerto, mais que 50 mil euros… sabe que eu conheço-a? Já passei mais de uma vez à sua porta… quando vou visitar o meu amigo, o Senhor Empresário, que tem uma quinta ali perto, a Quinta da Azinheira... conhece, claro?... Pois, numa das vezes que lá fui até espreitei para a sua quinta…”. “Quintal, Senhor Administrador, mais um jardim…”. “Não desvalorize, não desvalorize… aliás, quando estudei o seu dossier, e vi as garantias que oferece, até fiquei com pena que, com tais garantias, tivéssemos de não aprovar a sua pretensão – para mais, sendo eu o responsável pelas novas e estritas decisões que não consentem precedentes…”. “Mas, Senhor Administrador…”. “Meu amigo, é assim: não posso rever a posição que tomámos. No entanto, aceitei o pedido desta entrevista – olhe que o Director da Agência é mesmo seu amigo… – para lhe sugerir que pense numa solução em que entre a casa que apresenta como garantia. Não quer encarar a possibilidade de a transaccionar?”. “Oh Senhor Administrador… nunca tal me passou pela cabeça. É a casa onde nasceu o meu pai, e onde quero acabar os meus dias. Onde enterrei todo o dinheiro que ganhei. Nunca pensei nisso…”. “Pois então pense. Sei lá… turismo de habitação, olhe que tinha condições e está optimamente localizada, ali com a auto-estrada tão perto, mesmo ao lado – e tão afastada! – do santuário. Ou para outros fins… sei lá Pense nisso, pense nisso… e tenho muito pena, mas temos de acabar a nossa conversa. Foi muito agradável…”. Levantou-se.
O Homem fora apanhado de surpresa. Atabalhoadamente, meteu na pasta o que dela tirara, levantou-se e ainda gaguejou “Mas, oh Senhor Administrador, tinha tanta coisa para lhe dizer…”. “Meu caro, o mais importante foi dito… e o resto conheço tão bem como o meu amigo. Pense é nisso do negócio com a sua quinta… e fale comigo… terei muito gosto em o ajudar. Até breve!”.
O Homem fora apanhado de surpresa. Atabalhoadamente, meteu na pasta o que dela tirara, levantou-se e ainda gaguejou “Mas, oh Senhor Administrador, tinha tanta coisa para lhe dizer…”. “Meu caro, o mais importante foi dito… e o resto conheço tão bem como o meu amigo. Pense é nisso do negócio com a sua quinta… e fale comigo… terei muito gosto em o ajudar. Até breve!”.
E acompanhou o Homem à porta, ao corredor e até ao elevador.
4 comentários:
Os Senhores Administradores são exímios em cortar as pernas aos sonhos, a quem trabalha, a quem quer trabalhar, a quem exerce uma actividade que pode pôr em causa a sua "política de ignorância".
Se o Homem do Guincho for pelo "turismo rural" avisa...
:))
Ele, o Homem do Guincho, está em "estado de choque", a procurar pensar, vamos ver por onde/para onde vai.
Estou a ferver de raiva.
Então, o pulha do administrador quer é a casa do HOMEM DO GUINCHO. E depois, onde é que ele vai viver?
Isto é que são uns bandidos!
Campaniça
Olá, Campaniça - eu tenho uma ideia cá muito minha sobre como é que isto vai continuar e acabar (com um final aparentemente feliz...), e como nessa ideia a questão que levantas não vai ter grande relevância (embora seja muito imortante) digo-te que o senhor administrador até resolvia esse problema com um apartamento vago pertença do banco (por causa de outroas negociações...) na cidade próxima. Mas, por melhor que o apartamento fosse, para o Homem do Guincho a grande questão é "aquela sua casa" e o valor afectivo-sentimental que ela tem.
Beijos
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