faz de conta que o que é, é!... avança o peão de rei.

...
o mistério difícil
em que ninguém repara
das rosas cansadas do dia a dia.

José Gomes Ferreira

sábado, 28 de março de 2009

"O Caso do Homem do Guincho"... ou - 11

11.

O Guarda-republicano, depois de entrar no posto, ainda veio à janela ver o que teria feito o Homem. Vislumbrou-o a dobrar a esquina do quarteirão. Passo inseguro, cabeça baixa. Andar cabisbaixo.
Tentou desligar. Fardou-se. Apresentou-se ao Comandante.
O Guarda-republicano fora a Lisboa tratar de assuntos pessoais e trocara de serviço com um camarada. Ainda pensou referir o caso do Homem mas não o fez.
Almoçou. Tomou conhecimento de algumas situações ocorridas. E saiu em tarde de ronda em jeep, com um outro GNR. De rotina.
De repente, decidiu “Vamos passar pela Boca do Inferno…”.Nada de extraordinário mas pareceu-lhe uma premonição. Lembrara-se do Homem. Não estranhou, por isso, lá o encontrar, sentado numa pedra, absorto, olhando o vazio, como se ali estivesse há eternidades e para sempre.
Enquanto se aproximavam, explicou ao camarada a situação. Em duas palavras.
“Boa tarde!”.
O Homem como que foi arrancado do seu mundo, onde estaria só, tremendamente só. Levantou os olhos. Perplexo. Viu um homem fardado, algo familiar, mas não reconheceu quem o ajudara em Lisboa, quem o abordara no comboio, com quem anadara ruas de Cascais.
"Boa tarde…”.
“Não me está a reconhecer porque estou fardado… sou quem…”.
“Ah!... sim, sim, estou a reconhecê-lo… até me disse que era guarda-republicano…”.
O Guarda-republicano estendeu-lhe a mão, apresentaram-se os três homens. “Quer tomar um café ali no barzito?... já almoçou?”.
O Homem levantou-se, sempre com a pasta que ainda não largara, e acompanhou os dois guardas-republicanos. Como se não tivesse vontade própria. Ou dela estivesse alheado.
“… diga lá… almoçou ou não? Tem de comer qualquer coisa…”, o Guarda-republicano pediu uma sandes e um galão, que o Homem comeu. Com indiferença. Alheado do que o rodeava, indiferente.
“Vamos lá ver… nós só queremos ajudá-lo! O que é que se pode fazer por si?… diga lá…”.
O Homem pareceu reagir à insistência “Nada… Não preciso de nada! Obrigado. É apenas um mau momento. Uma coisa complicada. Muito pessoal. Estou bem. Só quero estar um bocado a pensar… ou deixar que este turbilhão assente …”.
“Bom… quer que o deixemos em paz, é isso?”.
“Sim e não. Quero estar só… mas… palavra!... estou muito reconhecido pelo seu cuidado. Olhe… um dia destes procuro-o no posto da GNR. É em Cascais, não é?!”.
“É sim. Vamos ter de continuar o nosso giro. Veja lá… se precisar de alguma coisa, diga!”. “Obrigado, meu amigo.”.
E o Homem ficou. Sentado. Já não na pedra mas numa cadeira do barzito da Boca do Inferno. A olhar o mar.

2 comentários:

Maria disse...

Um gnr preocupado com um Homem... sinal de tempos outros, estes?
Enfim, o aconchego do estômago ajuda a pensar melhor.

Até terça, aqui.
(se nada houver antes...)

Anónimo disse...

Estou a gostar cada vez mais deste conto. Como será daqui para a frente?
Até terça-feira.

Campaniça