O Homem entrou no autocarro e acomodou-se no lugar que correspondia ao número que estava no bilhete.
Não era assim que costumava fazer. Esperava que todos se sentassem e, depois, entre os lugares vagos, escolhia aquele que mais lhe agradasse, sempre que possível o da janela do lado direito, logo atrás do porta do meio do autocarro.
Desta vez, não. Desta vez, quis instalar-se rapidamente. Para aquietar a tensão que sentia, para que a viagem começasse logo logo. E logo logo chegar a Lisboa.
Teve a sorte de ninguém se sentar a seu lado. Havia poucos passageiros. Àquela hora, em “dia útil”, a clientela do autocarro era escassa. E faltava a fauna habitual das peregrinas e dos peregrinos que, com frequência, tanto marcavam o ambiente e, também já lhe tinha acontecido, faziam da viagem mais um tempo e lugar de culto, prolongando e apregoando a devoção que os e as tomava. Ou também já lhe acontecera haver um senhor prior a acompanhar paroquianas, e as viagens tornarem-se acontecimentos, por vezes quase se diria escabrosos, ou até pornográficos, tal a sensualidade escondida no espectáculo-encenação do pastor com o seu rebanho.
Não, este horário era para poucos e leigos, talvez ateus, decerto agnósticos. O Homem achou piada a estas reflexões que o tinham acompanhado até à chegada à auto-estrada. Seria a altura de começar a ler, ou a escrever, ou a fazer o tal sudoku. Mas não nesta viagem. Tudo em si estava condicionado pela entrevista que iria ter com o Senhor Administrador. Tinha-a preparado muito cuidadosamente. Até ao mais pequeno pormenor. Como se fosse o guião de um filme.
Pousara a pasta no banco vazio ao lado e não resistiu a abri-la para, mais uma vez e não decerto a última, passar em revista os dossiers que tirava de dentro das divisórias da pasta.Tudo em ordem.
Reconstituiu, uma vez mais, as conversas com o Director da Agência do banco na pequena cidade em cuja aldeia dos arredores vivia e onde criara a empresa que estava em risco. Empresa que, ano após ano, fora entretecendo como objectivo para a recta final de uma vida de trabalho e de luta.
Sobretudo recordava, e reconstituía, a última conversa com o Director da Agência, de onde resultara aquela viagem que considerava decisiva.
Fora chamado às instalações da agência, e o Director, velho colega de escola e de actividades desportivas e devaneios e farras, um amigo, podia dizer-se, recebera-o no seu gabinete, com algum formalismo.
Fora chamado às instalações da agência, e o Director, velho colega de escola e de actividades desportivas e devaneios e farras, um amigo, podia dizer-se, recebera-o no seu gabinete, com algum formalismo.
Tinha más notícias, via-se.
“Sabes?... é uma chatice! Lá de Lisboa, da Administração, veio recusado o teu pedido de empréstimo, aquela reforma da livrança que todos os meses se ia fazendo, agora nos 50 mil euros…”.
Uma pausa. Um embaraço mútuo.
“E olha que eu propus a operação com todo o interesse e apoio, mas está acima dos meus limites de decisão (que, aliás, a Agência já quase não tem), … mas… sabes? As coisas estão feias, estão más para todos… e eles estão a apertar, a apertar… nem calculas!”
3 comentários:
Pois é, as pequenas empresas se não forem altamente rentáveis (o que não me parece o caso) nunca tiveram grandes apoios dos senhores do dinheiro...
Nem o director da Agência de que falas sabia, na altura, o quanto as coisas iriam ficar ainda piores.
Espero o próximo...
Ora bem, este 2º episódio conseguiu fazer-me crescer o interesse e a curiosidade.
Para quando o 3º?
Campaniça
Queridas amigas,
"O caso do Homem do Guincho" vai aparecer às 3ªs. e 6ªs. Até ao episódio 5 (literatura de cordel!) já está escrito e programado. Depois... é seguir o guião.
Obrigado pela vossa leitura e , sobretudo, amizade.
Enviar um comentário