faz de conta que o que é, é!... avança o peão de rei.

...
o mistério difícil
em que ninguém repara
das rosas cansadas do dia a dia.

José Gomes Ferreira

quinta-feira, 12 de março de 2009

Histórias ante(s)passadas - fora de séries - Celeste Amorim

Morreu a Celeste Amorim.
A notícia chegou-me inesperada (são sempre inesperadas e brutais as notícias da morte dos nossos amigos!).
Fiquei, como sempre também, triste, pensativo. Lembrando.
E com as lembranças - e tantas são as da minha "comadre", da minha amiga, da minha camarada - veio a vontade de contar uma estória. Uma história ante(s)passada. Como uma muito sentida e grata homenagem.
Na prisão, conheci os camaradas que tinham sido presos em Torres Vedras. Naquela "leva" que nos juntou, também aquela organização local fora severamente atingida.
Mas contava-se, na prisão, a proeza da Celeste Amorim. Que nos fazia rir e dava força.
Vivia a Celeste Amorim em Torres Vedras, e na deslocação que a brigada da PIDE fez à cidade (Torres Vedras seria já então cidade?) para trazer para a António Maria Cardoso e Aljube, primeiro, depois para Caxias, os perigosos subversivos, estava incluída uma "visita" a casa da Celeste Amorim.
Cumprindo o seu roteiro, já com algum "peixe na rede" e circulando, clandestina, a informação, a Celeste estaria preparada para a recepção...
Os pides bateram à porta e a "dona da casa" abriu com aparente descontracção. "Eles" identificaram-se. Era, disseram, uma visita de rotina, coisa sem importância, uma "visita" rápida e umas perguntas breves...
A Celeste Amorim, muito jovem, com aquele seu sorriso, embora aquele fosse muito forçado, terá respondido que sim, senhor, façam favor de entrar.
E quando eles entraram... ela saíu! E saíu com a chave na mão, e fechou os pides dentro de casa!
E fugiu!
Os que iam prender ficaram presos na casa de quem iam prender. Que falta de profissionalismo deles e que coragem e determinação da Celeste Amorim.
A Celeste Amorim ficou largos meses fugida, em casa de amigos e camaradas, e só aos poucos, discretamente, tenteando o regresso, foi voltando à vida "normal", tanto quanto podia ser em tempos de fascismo.
Lembro-me tão bem do jantar em casa da Celeste Amorim, onde também esteve o pai dela, quando já eu saído da prisão, nos conhecemos. O que nós rimos da sua proeza.
E tantas mais coisas para recordar!
Tantas mais coisas! Ligadas ao Coro do Lopes Graça, ao nosso afilhado comum. À vida! À luta!

10 comentários:

Justine disse...

A tua homenagem sincera e emocionada deixa-nos ficar na memória uma Celeste viva e corajosa!

Maria disse...

Não sei o que dizer, Sérgio. Nunca sei.
Fica o meu abraço sentido.

Anónimo disse...

Tal como a Maria não sei o que dizer, a não ser que estou triste, muito triste.

Campaniça

Anónimo disse...

Sérgio,

Reencontro-te aqui, neste mundo em que pouco nos vemos, mas que afinal também pode aproximar-nos.
Também eu estou triste e recordarei sempre a Celeste, no registo de um generoso embalo, que tive a sorte de conhecer desde criança.
Que a sua voz e calor continuem a semear papoilas pela terra fora.

Um abraço

Micas Robert

Frederico Portela Santos disse...

Sergio, ela era a madrinha do Alexandre... ele também está triste.
Um abraço
Frederico Portela Santos

Sérgio Ribeiro disse...

Micas e Frederico, embora muito muito triste com a morte da Celeste... foi tão bom ter-vos aqui! Beijos e abraços

Nocturna disse...

Assim se vão perdendo algumas pessoas que foram fazendo a «nossa » História. Felizmente há pessoas, com o Sérgio que vão dando o seu testemunho para que tais heroínas não caiam no esquecimento.
E nós sabemos o esforço que alguns estão a fazer para apagar o papel importante que tantos camaradas desempenharam .
Precisamos de livros que fiquem para os mais jovens lerem dentro de alguns anos, quando os protagonistas já cá não estiverem.
Isto é uma espécie de desafio a todos/todas que têm histórias para contar. É urgente publica-las.
um abraço
Nocturna

Anónimo disse...

Faço uma pesquisa da Celeste e venho aqui parar...assim fui para a manifestação de coração apertado, mas a Celeste queria que se juntassem 200 mil...Sérgio, foi bonito o adeus que muitos camaradas e amigos deram, por entre abraços sentidos e olhares cúmplices onde se trocava tristeza. Fica a imagem da nossa Celeste com aquela expressão meiga e jovial, sempre a semear alegria, força, camaradagem, coragem ...uma força da natureza :)

abraços

Anónimo disse...

Grato pela novidade da Celeste fechar os Pides em casa, amigo Sérgio, continua o Coro tal como a vidita que se pode. Até nos despedirmos por força maior, vamos cantar e rir e vibrar! Chorar às vezes faz bem ao fígado e tripas. Rir na ocasião que nos apanha. Até à próxima, sempre vivos, diz o amigo Francisco Jorge da Fernanda Espada

GR disse...

Durante a Manifestação ouvi palavras de saudade sobre Celeste Amorim.
Muito importante a história que nos deixaste, memórias vivas da Luta dos nossos heróicos Resistentes.

GR