faz de conta que o que é, é!... avança o peão de rei.

...
o mistério difícil
em que ninguém repara
das rosas cansadas do dia a dia.

José Gomes Ferreira

segunda-feira, 2 de junho de 2008

Sobreviver

Sobreviver

às doenças infantis
às doenças adolescentes
às doenças adultas
às doenças venéreas e às venerandas doenças
ao ópio do povo e à droga desportiva
à informação deformativa
às traições e desilusões
ao assassinato do camarada que vinha ter comigo*
aos amores e aos desamores
às amizades e às desamizades
aos acidentes de viação
aos eventuais acidentes de aviação
aos incêndios, às cheias, aos mares e glaciares
àquele cancro no cólon e a outros por ele colonizados
aos AVC vindouros potenciais e coisas que tais
ao sacana do alemão e ao primo talvez inglês.

Morrer o mais tarde possível sem ter passado por senil!











* - a ouvir "a morte desceu à rua"

(de foto de António Sérgio Galamba)

7 comentários:

Justine disse...

E aqui estou eu de sorriso no rosto, porque a "coisa" está muito bem escrita, mas não devia ser para sorrir!!Isto é um desejo muito sério, que eu também partilho!O que é facto é que contnuo a sorrir...

GR disse...

Um texto extraordinário!
Uma introspecção séria e triste da tua existência, tão rica de coisas más e Muito Boas.
A foto está linda, apesar de faltar o teu lindo sorriso, fraterno e solidário.

GR

Maria disse...

Agora sacaste-me um sorriso...
Se nós pudessemos escolher seria assim também que eu desejaria (no que me é aplicável, claro) sobreviver.
Desconfio que o primo pode bem ser americano...
:))

Anónimo disse...

... por isso, maria... talvez inglês. Já há americanos demais nestas estórias.

GR: obrigado pela tua generosidade. A instrospecção não é triste, é... o que é. E o recorte (foto)gráfico é de uma fotografia em Peniche quando o Samuel cantava "a morte desceu à rua". É dorido, é fraterno, é solidário. Poucas vezes vi tão bem expresso o que sentia.

justine: tem de se sorrir à morte (e a outras coisas que nos moem por dentro, i.e., que são meias mortes) nem que seja só com meia cara!

Anónimo disse...

Sérgio, este post é magnífico, gosto muito das ideias que nele expões e tenho inveja (positiva) da forma como escreves. Como sabes usar as palavras, como se estivessem todas diante de ti,à tua espera, prontas para serem usadas ( tão bem usadas) para exprimires os pensamentos e os sentimentos que,de certo modo,são um pouco de todos nós. Mas, há neste post duas palavras que não consigo aceitar no que se referem a ti: a palavra Sobreviver e a palavra Senil.Há palavras e preocupações que não se aplicam às pessoas da mesma maneira. Quem teve, e tem, na vida uma "conta-corrente" como tu tens nunca se poderá limitar a sobreviver, porque é um elemento dinâmico, activo.Por isso, esse verbo, por ti só pode ser conjugado, sempre, sem as primeiras cinco letras. Quanto à segunda palavra, penso que decorre da primeira e, por isso, também não se te aplica.

Desculpa, mas esta é a minha opinião

Campaniça

Sérgio Ribeiro disse...

Campaniça, VIVER tem de ser, isto é, É sobreviver a. Sobreviver ao que se vai vivendo ao longo da vida. Por isso, não aplico o verbo com a sua carga pejorativa e acrescento-lhe o sufixo A.
E ter consciência de que o corpo - a matéria de que somos feitos - é efémero e frágil, susceptível de nos trair, é a única maneira de lutar contra a sua efemeridade e a sua fragilidade (a posível senilidade), certos de que não ganharemos.
Mas, como se diz no Partido, se não lutarmos perdemos de certeza mais cedo e não ajudaremos à vitória que, por ser de todos e quando, também é da nossa efémera e frágil individualidade.
E pronto. Acordei assim e deu-me para isto das filosofanças.
Um grande beijo de amizade

Anónimo disse...

Resistir, sobreviver...
E viver? Como o sonho que construímos e queremos realidade...
Como o apontar do caminho, da direcção, do melhor que há em cada homem...
Desafio: escreve mais um sobre "viver"...