faz de conta que o que é, é!... avança o peão de rei.

...
o mistério difícil
em que ninguém repara
das rosas cansadas do dia a dia.

José Gomes Ferreira

segunda-feira, 14 de julho de 2008

Histórias ante(s)passadas - 25

Diz-se que são como as cerejas. Ou vice-versa… Começam a contar-se histórias (ou a comer cerejas) e vêm umas encadeadas nas outras, por vezes enleadas. Do meu tio Cardoso, então, seriam estórias em cadeia. Passe a graça sem grande graça...
Esta estava não sei em que arquivo cá dentro e agora saltou. E só tenho pena que tenha saltado tão tarde porque teria lugar num livro já acabado – espero que na tipografia – em que conto 50 anos de economia e militância.
Pois esses “50 anos”, que vão de 1958 a 2008, começam por lembrar acontecimentos como as eleições de Humberto Delgado (e justo é dizer de Arlindo Vicente). Por isso, a foto que não é do meu tio Cardoso mas do general a votar.

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O meu tio Cardoso, saído da cadeia, dos 10 anos que lá esteve, e dos “meses de descanso” que se ofereceu (ou alguém lhos ofereceu, que teriam sido, ao que o meu pai resmungava, os sogros comuns), arranjou emprego.
Não sei por onde andou mas às tantas estava a trabalhar na Brigada Naval. Ora a Brigada Naval (BN) fazia parte do ramalhete em que se incluíam a Mocidade e a Legião ditas portuguesas e mais instituições para-fascistas como, depois, o Movimento Nacional Feminino e movimentos de outros sexos e nexos.
Na BN, "dava cartas" um senhor chamado Henrique Tenreiro, um dos próceres do regime que fascista era e agora gostam de chamar Estado Novo, alcunha que a si se prantara.
De vez em quando, com o meu tio Cardoso a conversa escorregava para a política tendo ele o cuidado de sublinhar que era apenas empregado administrativo. Acontece que, nas vésperas da votação, entusiasmado eu com a campanha teria ido longe de mais, e ele achou por bem moderar os meus entusiasmos e descaiu-se a dizer que, só à conta dele, tinha instruções para votar em sete secções de voto, em nome de sete recenseados que, entretanto, tinham morrido e se mantinham nos cadernos. Ordens do chefe, almirante Tenreiro.
Fiquei banzado. O facto é que resolvi tentar a sorte. Arranjei alguns boletins de voto (então distribuídos previamente) do candidato Humberto Delgado e entreguei-os ao meu tio Cardoso, fazendo apelo à sua consciência cívica. Ao menos que pusesse alguns dos “seus mortos” a votarem no Humberto Delgado.
Não acredito que o tivesse feito. O medo de poder ser descoberto era muito!

6 comentários:

Justine disse...

Sim senhor, o teu tio Cardoso era mesmo um personagem!!
Esta história não conhecia:))

Maria disse...

A desfaçatez dos vários Tenreiros....
o teu tio não o terá feito, mas olha que era uma figura....

Sal disse...

Que tio, heim?
bjs

Anónimo disse...

Além de porem os mortos a votar apostavam também, no impedimento de voto aos vivos. Arbitrariamente, pelas aldeias do norte do país (o que eu conhecia na altura)eram impedidos de votar todos os "suspeitos" de não pertencerem ao bando. Lembro-me bem da revolta dos meus pais que só foram informados de que não constavam nos cadernos eleitorais quando quiseram ir votar.

Anónimo disse...

-E ficamos naquela, será que o trigo tinha muito joio, ou antes... era o joio que tinha muito trigo?
Deixa...já passou!

GR disse...

Que não se venham a repetir essas eleições, onde só uma pessoa votava sete vezes.
As histórias do tio Cardoso são, fabulosas.

GR