faz de conta que o que é, é!... avança o peão de rei.

...
o mistério difícil
em que ninguém repara
das rosas cansadas do dia a dia.

José Gomes Ferreira

terça-feira, 1 de janeiro de 2008

Um passeio na madrugada do Hotel Polana

Regressáramos a Maputo e ao Polana para a última noite. A última noite das férias, a última noite de Moçambique, a última noite no Polana.
Já dormíramos no Parque Krüger, já dormíramos no Polana, estreando-nos no mítico hotel de Lourenço Marques agora Maputo, já dormíramos em Inhaca, e agora aí estávamos, de novo, no Polana. Para a última noite.
Instalámo-nos quartos, fomos às janelas, abrimos as malas e desmanchámo-las o menos possível, tirámos fotografias para apanhar os novos ângulos e perspectivas, deste quarto para aquele quarto e daquele quarto para este quarto.
Saímos para dar um passeio pelo bairro Sommerschield para levar fotografias à Iva, por ser o maput(ativ)o lugar de seu nascimento, fomos comer o frango à piri-piri no restaurante Piri-Piri, fizemos a gincana dos passeios rebentados pelas raízes e pela completa falta de conservação… enfim, cumprimos o roteiro, seguimos o guia.
No regresso ao hotel e aos quartos, para completar o cumprimento do roteiro, colocámos as fotos no computador, espreitámo-las, tivemos de esperar pelo noticiário das 8 de lá e 10 de cá, e pronto.
Ela já estava quase quase a dormir e eu ainda pensava ficar aqui um bocadinho ao computador. Pois se ainda mal passava das 11 de cá e das 9 de lá… Qual quê! Ela resmungou, confirmei que a colocação das luzes naquele quarto não dava para não perturbar o daí a minutos imperturbável sono (a não ser que fosse para a banheira, com o computador atrelado). Conformei-me, resignei-me, em vez do meio relaxante de todas as noites-desde-que-os-tomo, tomei um relaxante inteiro, já às escuras pus os pingos nos olhos, deitei-me ao lado dela, ainda resmunguei (também tenho direito…) mas fui apaziguado pelo beijo de agradecimento ronronado com que ela me presenteou.
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A pressão da bexiga ainda com os restos dos copos de cerveja do Piri-Piri despertou-me. Pouco, mas o suficiente para ter de me levantar e ir onde era preciso. Já havia uma semi-claridade de manhã a aproximar-se. Mas não abri de todo os olhos. Tomei os caminhos que julgava serem os certos. Sem os contar, aí fui eu: um, dois passos ao correr da cama, cinco, seis passos até uma porta, abri-la. Sem fazer qualquer ruído.
Assim fiz. Estranhei não sei o quê mas não liguei. Dei outros dois, três passos necessários para encontrar a sanita que não estava lá, ultrapassei o sítio em que devia baixar-me para levantar a tampa, ultrapassei sem obstáculo a parede que deveria estar por detrás da sanita… e tive mesmo de descerrar os olhos.
Surpresa. Estava no corredor, ao pé do elevador. Daquele elevador merecedor de figurar em filme francês e romântico, ou americano e policial, ou tudo trocado.
Hesitei. Mas, já que estava ali, carreguei automaticamente no botão pouco automático, acendeu-se a luz vermelha, ele subiu (ou desceu?), abriu-se sozinha a porta de dentro, abri a portinhola de ferro, entrei e desci. Assim, como quem está incapaz de se ver no espelho ao fundo, e não sabe o que faz. E não sabia.
Saí no átrio. Sempre com os olhos semi-cerrados… e semi é escrever muito. Só com uma fendazinha que me permitia não ir contra as coisas…
Nem deu para ver o ar de espanto de quem estava ao balcão da recepção, se calhar a “passar pelas brasas”.
(É a altura de ao conto acrescentar o ponto de eu, aqui, por África, dormir todo nu!)
Estando, decerto, a ser observado com espanto, segui o meu caminho, avançando, resoluto, isto é, trôpego, isto é, tropeçante, para o grande salão tão fotografado e ia direito à pesada porta de saída para os jardins e a piscina.
Foi aí, já com a mão na porta, que o tal do balcão da recepção, semi-recuperado da surpresa, me apanhou “Senhor, senhor… onde vai?”. Sabia lá. “Qual é seu quarto, senhor?”. Sabia lá. “O seu nome, senhor?”. Isso sabia. E disse-o. Foi ver, a correr. Na corrida, mas suavemente, levou-me com ele.
“Ribeiro?!, Ribeiro?!”, procurou, procurou… achou: “238!”. Sempre suavemente, voltou a dar-me o braço e vamos daí, ou dali melhor escrevendo.
Elevador, corredor, abrir a porta do quarto, meter-me lá dentro, foi um abrir e fechar de olhos.
“Por favor, senhor… vá para a cama… boa noite!”, sussurrou ele, “boa noite” respondi eu… que alguma coisa tinha de responder ao homem (até já nem era noite… mas adiante), “boa noite, senhor, obrigado”, ripostou-me ele. E safou-se para o seu posto de vigilância e reenvio a domicílio de noctívagos e/ou sonâmbulos, ou outros como eu que nem sei o que era naquele momento.
Lá dei com a porta certa, lá acertei na sanita, lá baixei a tampa, lá voltei para a cama, lá me enrosquei, sem a incomodar claro, para mais umas meias horitas.
Acordei a pensar “amanhã vou contar esta história!”.

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E já a contei.
Não aconteceu. Mas podia ter acontecido...


Maputo (Polana), 31 de Dezembro de 2007

5 comentários:

GR disse...

Ri-me tanto a ler. Ri a valer!
Depois da discrição dos hotéis, quartos, janelas, fotos. Depois do semi-quase-castigo, de ires tão cedo para a cama, com o abandono forçado das fotos no portátil e da boa resolução do “xanax” inteirinho!( Mas o que te fez dormir foi o doce beijo, cheio de carinho).
Tinhas que divagar com uma história, de grande humor! Acredito-me mesmo que tenha acontecido, não paro de rir. Estou a ver a cara de espanto dos funcionários do Hotel.
Ainda bem que não caíste pelas escadas ou no elevador!
O elevador é lindíssimo (para quem claustrofobia) todos deviam ser assim.
Chegaste com grande humor e boa disposição.
Que bom! Tínhamos saudades destas tuas histórias.

GR

Maria disse...

Isto não se faz, Sérgio, a rir-me desta maneira e a estas horas......
Então não sabias que és sonâmbulo? ou coisa parecida?
Como é que indo para o WC entraste no elevador?
Ai que ainda me estou a rir.....
... e ainda por cima ias para a rua, ou para a piscina, sei lá.....
Imagino (ainda a rir-me) a tua figura... eu durmo tal e qual, mas não sou sonâmbula....
... e a partir de agora vou passar a abrir bem os olhos, se tiver bebido cerveja, just in case.....
Daqui a uns 5 minutos estarei a tomar banho e a ir para a cama. Acredita que ainda me vou a rir.......

Mereces muitos abreijos....

Sérgio Ribeiro disse...

Que bom que este meu contarelo vos tenha feito rir. Fiquei mesmo contente.
Deu-me grande gozo pôr o ficcionista (de cordel..) que sou a funcionar para contar o meu acordar a imaginar o que seria a cena. Que bom partilhar convosco esse gôzo!
Aliás, já no Zambujal, ao passar a limpo o que escrevi de rajada, com a Zé a tirar-me fotos - e a apressar-me para irmos tomar o último pequeno almoço do ano... e do Polana! -, ilustrei com imagens o que ia escrevendo. Vou tirar dois exemplares para as duas. Merecem-no.
Obrigado.

(mais uma dívida... e se as tenho para convosco!)

Maria disse...

Voltei para te reler..... e volto a rir à gargalhada... imaginando a cena....
Ontem nem li o comentário da GR, e ela ainda fala em cair pela escada ou no elevador.....
Tudo o que tem reticências e pontinhos são gargalhadas!!!

Não tens dívida nenhuma para comigo, os amigos não se devem nada, mas agradeço o exemplar...

Abreijo

GR disse...

Sérgio,
Dívida??? Nós é que ficamos felizes por te ler e relendo, não deixei de rir também com a Maria.
Mas um exemplar autografado, não vou dizer que não!

Um bj,

GR