faz de conta que o que é, é!... avança o peão de rei.

...
o mistério difícil
em que ninguém repara
das rosas cansadas do dia a dia.

José Gomes Ferreira

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Poemas cucos - 10 e 10bis

Poemas cucos[1]
(traduzidos ou adaptados “à maneira”)



À maneira de António Jacinto (para começar…)
e de Manuel da Fonseca (para acabar…)



Os grandes desafios



Naquele tempo,
a malta vinha do liceu,
punha os livros no chão,
a fazerem de balizas,
os que usavam calças compridas arregaçavam-nas,
os que usavam ainda calções não precisavam…
e no pátio das traseiras da mercearia do pai do Alfeu
(ó Alfeu abre o cu que lá vou eu…)
a malta fazía grandes desafios!

Naquele tempo,
os que vinhamos a férias (e grandes eram as férias…)
juntávamo-nos no largo da igreja
com os que cá viviam
e pequenas ou nenhumas férias tinham
(ah!, os óculos escuros do Orlando!)
e íamos jogar bilhar p’ró Central
ou escapávamo-nos para a largueza em frente dos Correios
(ih!, tão larga iria ser a avenida e tão estreita é!),
ou para a Feira do Mês, em frente da cadeia e do César dos pássaros,
e que grandes desafios fazíamos
(alguns de nós de pé descalço...)




“como era a Tuna do Zé Jacinto
tocando a marcha Almadanim!...”



Meus companheiros de bola de trapo e pé descalço...
como o tempo passou!
Cabelos brancos ou onde é que eles vão,
barrigas redondas, andar arrastado.
No livro dos assentos da vida,
somando somando,
somando anos e anos,
lembrando casos de ontem,
esquecendo coisas de hoje

Na vila quieta,
sem vida
sem nada

- onde estão os dias amarelos verdes azuis encarnados?,
onde está aquela alegria antiga, os berros de gooolo!,
os gritos de toma lá que já almoçaste/merda que me aleijaste...?
Ó meus amigos desgraçados,
se a vida é curta e a morte infinita,
despertemos e vamos
Eia!,
vamos fazer qualquer coisa de louco e heróico
como era jogar à bola onde hoje só há carros a passar,
nós a correr atrás de uma bola de trapo
... e alguns de pé descalço.
_________________________________
[1] Os cucos são aves conhecidas por chocarem os ovos em ninhos feitos por outros/as; também se aplica o epíteto a algumas “aves” humanas que se aproveitam do trabalho dos outros/as

5 comentários:

Maria disse...

Arrepiei-me com a segunda parte do poema/cuco do Manuel da Fonseca, mas foi um arrepio bom, que dá ainda mais força (como se fosse preciso) para gritar no dia 1...

GR disse...

Gostei muito destes poemas.
Mas como a Maria diz (sempre correctamente) a segunda parte "dá ainda mais força...para gritar no dia 1".

GR

Anónimo disse...

Dia 1 de Março,lá esteremos a responder a essas aves humanas!
Abraço
José Manangão

AC disse...

Blog a blog atrás da fotografia e da poesia...gostei e hei-de voltar!

Sérgio Ribeiro disse...

Aos habituais visitantes... olá!
Aos novos... bem-vindos.
Ontem, chamei a este blog "íntimo", e que assim continuará, reservado a quem por aqui passe por acaso e ganhe o hábito ou a curiosidade de "ir passando".
Nem sei se era para ser assim, assim se foi tornando.
De qualquer modo, através dos blogs e do que for, o que vamos fazendo é procurarmo-nos. E encontrarmo-nos. Por exemplo - e que exemplo! - no dia 1 de Março que se aproxima.