Ontem, no Público-P2, havia larga referência, com chamada na primeira página, ao assassinato, há 42 anos, do dr. Ferreira Soares, pela PVDE, depois PIDE, depois DGS, pela criminosa polícia política do fascismo. No seu blog - o tempo das cerejas -, Vitor Dias colocou um post que, pela sua oportunidade e pertinência, transcrevi em o anónimo do séc. xxi.
No entanto, ficou a roer-me cá por dentro aquela qualificação de "único", embora interrogativa, para o crime, e a insídia de que assim teria o PCP construído mitos, criando os seus mártires.
Tudo isso é tão baixo!
Único... o assassinato de Ferreira Soares? Não resisti a antecipar-me à que será a eventual publicação no próximo ano de um livro que estou a preparar, e a transcrever um curto trecho que ficará entre as suas primeiras páginas:Sei, sei hoje, que este acontecimento, que o assassinato de Dias Coelho, aquele dia 19 de Dezembro de 1961, se tinha gravado bem dentro de mim.
.
«(...) É certo que frequentemente referia o episódio a camaradas e amigos, e que, de vez em quando o lembrava, ou ainda que, nalguns dias 19 de Dezembro e quando o enterro de amigo ou familiar me levava ao cemitério de Benfica, ia visitar a pequena campa do camarada, onde um quase desapercebido grupo escultórico de uma mãe amparando um filho (uma “Pietá”) assinalava o local.
É certo que, depois do 25 de Abril de 1974, segui atentamente o julgamento dos pides que o assaltaram e assassinaram, e senti a vergonha das sentenças. Mas também é certo que, talvez por pudor, por não pretender qualquer protagonismo em tais circunstâncias, não tomei posições, embora ao mesmo tempo sentisse alguma pena por ficar completamente à margem de acontecimento de que fora testemunha (ou quase).
Mas tive a prova da enorme importância que tem para mim o assassinato de Dias Coelho a partir de dois factos.
O primeiro foi o de, ao acordar de uma anestesia, parte de uma delicada intervenção cirúrgica a que fui submetido em Julho de 2006, ter sido dos acontecimentos da minha vida que mais depressa me vieram ao consciente, com todos os seus pormenores.
O segundo foi o facto de, ao decidir fazer esta espécie de “balanço” da minha vida, ou melhor, do meu meio século de economista e de militante do Partido, antes mesmo da lembrança do encontro com Carlos Aboim Inglês, em Junho de 1958, me ter lembrado do dia 19 de Dezembro de 1961, e o primeiro documento que procurei (embora não tenha a intenção de fazer muitas buscas documentais, e querer, sobretudo, contar aquilo de que me lembro e como o vivi) foi o pequeno caderno O caso Dias Coelho, da autoria de Fernando Luso Soares, advogado de Maria Tereza Tengarrinha Dias Coelho, assistente no recurso para o Supremo Tribunal Militar da sentença do julgamento de António Domingues, o assassino confesso de Dias Coelho.
(...) com esse caderno, e a possibilidade de conhecer a vergonhosa sentença de que se recorria, fiquei a saber, em pormenor, o que acontecera naquele dia.
Dizia o libelo acusatório:
«O Ex.º Promotor de Justiça (…) acusa o réu António Domingues (…) de ter cometido um crime previsto e punido pelo art.º 349.º do Código Penal, concorrendo as agravantes 11.ª (espera), 25.ª (noite) e 28.ª (arma) do art.º 34.º do mesmo diploma porquanto, no dia 19 de Dezembro de 1961, os então agentes da pide António Domingues, Manuel Lavado e Pedro Ferreira (…) foram encarregados pelo seu chefe de brigada da mesma polícia, José Gonçalves, de localizar e prender José António Dias Coelho, também identificado nos autos e militante do Partido Comunista Português. Para tal efeito, deslocaram-se à zona da Rua dos Lusíadas, desta cidade de Lisboa, onde se colocaram já de noite, pelas 19 horas, a uns cem metros uns dos outros, aguardando a vinda do referido José António Dias Coelho. Tendo este passado pela Rua dos Lusíadas cerca das 20 horas e tendo-se apercebido até da presença dos referidos agentes, começou a correr pela mesma artéria, derivando depois para a Rua da Creche no sentido do Largo do Calvário. Em sua perseguição correram os agentes referidos. Já na Rua da Creche, sensivelmente em frente do nº 30 de polícia, foi o José António Dias Coelho agarrado pelo agente Manuel Lavado. Entretanto, chegou junto dele o réu que desfechou dois tiros de pistola marca “Star” – calibre 7,65 mm, examinada nos autos e que lhe estava distribuída – sobre o referido José António Dias Coelho.»
É certo que, depois do 25 de Abril de 1974, segui atentamente o julgamento dos pides que o assaltaram e assassinaram, e senti a vergonha das sentenças. Mas também é certo que, talvez por pudor, por não pretender qualquer protagonismo em tais circunstâncias, não tomei posições, embora ao mesmo tempo sentisse alguma pena por ficar completamente à margem de acontecimento de que fora testemunha (ou quase).
Mas tive a prova da enorme importância que tem para mim o assassinato de Dias Coelho a partir de dois factos.
O primeiro foi o de, ao acordar de uma anestesia, parte de uma delicada intervenção cirúrgica a que fui submetido em Julho de 2006, ter sido dos acontecimentos da minha vida que mais depressa me vieram ao consciente, com todos os seus pormenores.
O segundo foi o facto de, ao decidir fazer esta espécie de “balanço” da minha vida, ou melhor, do meu meio século de economista e de militante do Partido, antes mesmo da lembrança do encontro com Carlos Aboim Inglês, em Junho de 1958, me ter lembrado do dia 19 de Dezembro de 1961, e o primeiro documento que procurei (embora não tenha a intenção de fazer muitas buscas documentais, e querer, sobretudo, contar aquilo de que me lembro e como o vivi) foi o pequeno caderno O caso Dias Coelho, da autoria de Fernando Luso Soares, advogado de Maria Tereza Tengarrinha Dias Coelho, assistente no recurso para o Supremo Tribunal Militar da sentença do julgamento de António Domingues, o assassino confesso de Dias Coelho.
(...) com esse caderno, e a possibilidade de conhecer a vergonhosa sentença de que se recorria, fiquei a saber, em pormenor, o que acontecera naquele dia.
Dizia o libelo acusatório:
«O Ex.º Promotor de Justiça (…) acusa o réu António Domingues (…) de ter cometido um crime previsto e punido pelo art.º 349.º do Código Penal, concorrendo as agravantes 11.ª (espera), 25.ª (noite) e 28.ª (arma) do art.º 34.º do mesmo diploma porquanto, no dia 19 de Dezembro de 1961, os então agentes da pide António Domingues, Manuel Lavado e Pedro Ferreira (…) foram encarregados pelo seu chefe de brigada da mesma polícia, José Gonçalves, de localizar e prender José António Dias Coelho, também identificado nos autos e militante do Partido Comunista Português. Para tal efeito, deslocaram-se à zona da Rua dos Lusíadas, desta cidade de Lisboa, onde se colocaram já de noite, pelas 19 horas, a uns cem metros uns dos outros, aguardando a vinda do referido José António Dias Coelho. Tendo este passado pela Rua dos Lusíadas cerca das 20 horas e tendo-se apercebido até da presença dos referidos agentes, começou a correr pela mesma artéria, derivando depois para a Rua da Creche no sentido do Largo do Calvário. Em sua perseguição correram os agentes referidos. Já na Rua da Creche, sensivelmente em frente do nº 30 de polícia, foi o José António Dias Coelho agarrado pelo agente Manuel Lavado. Entretanto, chegou junto dele o réu que desfechou dois tiros de pistola marca “Star” – calibre 7,65 mm, examinada nos autos e que lhe estava distribuída – sobre o referido José António Dias Coelho.»
continua
4 comentários:
Ainda consigo ficar "agoniada"....
Vou esperar pela continuação...
Obrigada, Sérgio
E a "morte saiu à rua num dia assim"...
Não é possível desmentir a memória.
Não é possível negar a verdade.
Tu és testemunha camarada
Tu eras o elo de contacto que se partiu,
Porque ”o pintor morreu!”
Muito importante este texto!
GR
...e um rio de sangue do peito aberto sai...
camarada, fico ansiosamente à espera do produto final.
1 abraço.
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