faz de conta que o que é, é!... avança o peão de rei.

...
o mistério difícil
em que ninguém repara
das rosas cansadas do dia a dia.

José Gomes Ferreira

domingo, 2 de dezembro de 2007

Como se fosse ficção (do cordel)

Estória de um adormecer e de um acordar
com gato
Regressara tarde (isto é, a más horas) da digressão hoquista. Nevoeiro e paragens necessárias tinham atrasado a chegada.
Despi-me na casa de banho para não perturbar o sossego em que já estava posta a casa e a bela, mais ou menos como Inês antes de chegarem os horríficos algozes, ou carrascos, que deram cabo dela. Carrasco que, neste caso, seria eu, ao dar cabo, mas só do sono!, da minha Inês, que nem Inês se chama….

Quer dizer, deixando os Lusíadas para outra altura…, enfiei-me na cama sorrateiramente, com a grande preocupação de não incomodar quem nela dormia. Para não agravar as coisas…
Adivinhava o adormecer resmungado “…nunca mais chega… já estou cheia de sono… vou mazé para a cama… amanhã conversamos… vai ouvir das boas… isto dos hóqueis! … ainda por cima não telefonou”.

Pois não. Não telefonara. E não fora por esquecimento. Conhecedor dos hábitos da casa e dos seus moradores, receara, quando me apercebi do atraso, que já fosse tarde demais e já ela tivesse tomado a decisão de ir para a cama… e, se estivesse a começar a adormecer quando tocasse o telefone, seria pior a emenda do telefonema que o soneto do atraso na chegada.
Em resumo, retomando o contar e deixando as reflexões e justificações para a conversa matinal, enfiei-me na cama sem minimamente perturbar o sono de quem já lá estava.
E rapidamente adormeci, até para recuperar dessoutro atraso, do atraso relativamente a quem já teria o avanço de umas boas meias horitas de sono.

Só fui acordado, mas pouco…, pelo levantar dela, cauteloso para não me incomodar – não fez mais que retribuir o que eu já tinha feito ao deitar-me…–, e resolvi fazer o que se faz nestas circunstâncias, virar para o outro lado…só mais um bocadinho!

Foi nessa altura que me apercebi de movimentações na cama que é de nós dois mas que um terceiro também considera sua. O senhor Mounti, esse mesmo, hesitava e deambulava. Hesitava entre acompanhar a dona no seu levante ou acompanhar o dono em mais uns restos de sono. Deambulava, em cima da cama – e de mim! –, enquanto hesitava.

Eu, cá pelo lado, na minha decisão de ficar mais uns quartos de hora, procurava a posição mais confortável. E estaria quase a encontrá-la, quando, numa das voltas que estava a dar ao corpo, coloquei o pé de maneira que o dito Mounti achou a adequada para se aninhar. Encostou o corpito todo à concha do pé e decidiu-se: é aqui que fico!
E pronto, tive eu de parar ali, assim naquela posição, tive eu de parar, ali e assim, com a busca da que poderia ser a minha posição e deixei-me ficar, sossegadinho, com o gajo-gato aconchegadíssimo ao meu pé.

Bom, para acabar a estória, em vez de quartos de hora alonguei para meias-horas o que me poderia ainda faltar de sono. Por culpa dele. Que ainda lá ficou quando me levantei e vim para aqui fazer desta. Que assino

Sérgio Ribeiro

6 comentários:

Justine disse...

Embora o "adormecer resmungado" esteja mal adivinhado (quem diria, eu a fazer verso...), o texto está um excelente retrato dessa faceta um pouco promíscua do nosso quotidiano...

Maria disse...

Perdi-me com o comentário da justine... só se for por causa do gato... hehehe
E como percebo o Mounti, hoje de manhã estava fresquinho... afinal até seria de estranhar se ele não fosse dormir mais uma soneca...

Bom fim de tarde, boa noite.

GR disse...

Ri-me com esta excelente narração!
Então querias que o Mounty fosse para o frio?
Quentinho, bem arrumadinho como só ele sabe fazer!
Sortudo!

GR

Anónimo disse...

Ontem foi domingo. Até aqui nenhuma novidade, toda a gente conhece o calendário. Mas, neste domingo,aconteceu uma coisa boa para mim. Conheci um gato com quase um ano de idade. Este gatinho chama-se "lince" e vive na quinta de uns amigos nossos. É muito parecido com o Mounty e eu,de vez quando, enganava-me e trocava o nome dele com o do nosso príncipe do Zambujal.E aconteceu comigo uma espécie de fenómeno "2 em 1", Quando fazia festas ao Lince sentia que estava a acarinhar os dois. Palavra que isto é verdade. Resultado: tantas festas fiz ao Lince (e ao Mounty)que "eles" andavam sempre atrás de mim. Acham que devo ir ao psiquiatra? Ou então, talvez arranjar maneira de aqueles que se julgam donos do Mounty virem a conhecer o Lince, nem que seja por fotografia?

betinha disse...

Adorei ouvi-lo e agora lê-lo. Foi um bocadinho muito bom.

Justine disse...

Campaniça, eu cá acho que não precisas de psiquiatra nenhum, e eu já estou em "pulgas" para conhecer o Lince!