faz de conta que o que é, é!... avança o peão de rei.
o mistério difícil
em que ninguém repara
das rosas cansadas do dia a dia.
José Gomes Ferreira
sexta-feira, 21 de dezembro de 2007
croniqueta sobre estórias em papéis perdidos e uma fotografia não encontrada
«De todas as sementes lançadas à terra, é o sangue derramado pelos mártires que faz levantar as mais copiosas searas»
quarta-feira, 19 de dezembro de 2007
Hoje, agora...
os pingos, grossos, tamborilam nas claraboias.
À volta,
tudo está cinzento, triste, magoado.
É o som e é a cor do dia,
mas, mais que o som e a cor do dia em volta,
é como oiço e vejo, bem cá de dentro, o som e a cor do dia,
oiço a chuva e vejo(-me) cinzento, triste, magoado.
19 de Dezembro,
hoje de 2007,
19 de Dezembro que também é,
- e que, pelo que foi, sempre será -
19 de Dezembro de 1961!
Mas, hoje, o dia 19 de Dezembro é de 2007!
E hoje, agora, há que lembrar
mas, e depressa, há que reagir,
há que continuar a vida e a luta que é a vida.
Começo a ouvir os pingos grossos de chuva como música,
ensaio tons para pintar de outra cor o cinzento do dia,
não deixo o pastor que chora pintar doutra cor as papoilas dos trigais,
estou, aos poucos, a trazer o vermelho vivo cá para dentro
... é o seu lugar!
19 de Dezembro de 1961!
Corria o ano de 1961.
Estávamos à porta do Natal.
Eram quase duas horas da manhã
e eu perguntei-lhe
se queria comer alguma coisa.
Disse que sim. Mas que
estava com muita pressa.
Enquanto vestia a gabardina, trouxe-lhe
uma sanduíche de fiambre
um copo de vinho
uma fatia de bolo-rei.
Estava de pé
comia como se fosse a primeira vez
desde a infância.
- Há quantos anos
deixa cá ver
há quantos anos é que eu não comia
bolo-rei?
Este é bom, sabe a erva-doce
e a ovos.
(Caíam-lhe migalhas
aparava-as com a outra mão
em concha)
- Comes outra fatia, camarada?
- Isso não.
Estou atrasado já.
Mas se ma embrulhasses...
Através da janelado quarto às escuras
fico a vê-lo atravessar a Rua da Creche
seguir pela Rua dos Lusíadas.
Nenhum de nós sabia
que estava já erguida a pirâmide do silêncio
à espera dele
num breve prazo.
Quando talvez o gosto do bolo-rei
mais forte do que nunca
tivesse ainda na boca.
Mário Castrim
(«Viagens», edição da Célula do PCP da Renascença Gráfica/Diário de Lisboa, para a Festa do Avante/77)
Com um apertado abraço de reconhecimento ao Fernando Samuel e ao Cravo de Abril
terça-feira, 18 de dezembro de 2007
segunda-feira, 17 de dezembro de 2007
De outros...

se tivesse de escolher uma foto para ilustrar este conto, seria esta. muito embora, claro, dentro dessa casa não se passem destas tempestades.
De outros...
o mito segundo narciso
quando ela morreu, o mundo, infelizmente, não cessou. e os dias passavam agora penosos, eras a cada lua. na floresta onde caçavam, vagueava inconscientemente, entorpecido. havia um vazio nos seus olhos que só viam saída nas lágrimas cheias que pendiam, permanentes.
"Pinçamentos, sintenças e afodismos"
(isto é o que se pode deduzir de um cartaz, ali ao Lagarinho...)
domingo, 16 de dezembro de 2007
"Pinçamentos, sintenças e afodismos"
sábado, 15 de dezembro de 2007
"Pinçamentos, sintenças e afodismos"
"Pinçamentos, sintenças e afodismos"
E logo me lembro do que ele, o homónimo Faria, anda p'raí a escrever danadamente, a partir da cesariana das neves sentença de que não há almoços grátis, que é digna dos tribunais plenários de antanho, mas não tão antanho como isso porque eu os vivi.
"Pinçamentos, sintenças e afodismos"
sábado, 8 de dezembro de 2007
"Desfruitando" e cronicando
quarta-feira, 5 de dezembro de 2007
De um livro "em estaleiro": quando o assassinado é "culpado" do assassínio...
(...)
Mais inconcebível ainda considero o apagamento deste agravamento por, relativamente ao objectivo deste meu escrito…, me considerar testemunha privilegiada para a agravante “espera”, pois dela tive a percepção e sensibilidade quando, pouco antes das 20 horas circulava pelas cercanias para tomar posição para o encontro com Dias Coelho no lugar antes marcado.
Por outro lado, o mesmo tribunal acrescentou quatro atenuantes, que deu como provadas, o bom comportamento anterior do réu;
. a confissão espontânea;
. o possuir vários louvores;
. o ter agido, com os seus disparos, para evitar que se frustrasse a missão que estava desempenhando.
Custa a acreditar!
Quanto à primeira “atenuante”, não resisto a usar, em resumo que me imponho, parte da argumentação do advogado da recorrente, invocando imagem comparativa com a quadrilha de Al Capone: «só por ridículo, com efeito, se diria que um gangster “filiado” em semelhante quadrilha, e em ablativos do seu primeiro assalto, ou do seu primeiro assassinato, pudesse considerar-se bem comportado pela simples razão de ainda não ter nem roubado nem morto ninguém.»
A “confissão espontânea” não existiu, até porque, entre outras coisas, o Tribunal deu como provada a voluntariedade do disparo e o réu negou a voluntariedade do disparo… mas confessou (e não espontaneamente!) o que era de todo impossível de negar: que disparou! E, em tudo o mais, foi falso e mentiroso. Como se comprovou.
Relativamente à atenuante “louvores” que o réu possuía, chega a ser surrealista que eles tenham sido concedidos pela PIDE, e é escandaloso que o primeiro louvor tenha sido atribuído a 27 de Dezembro de 1961, oito dias depois do crime de assassinato para que serve de atenuante. Ler esse louvor define bem a instituição criminosa que era a PIDE e como era servida por criminosos. Apenas o deixo em rodapé[1].
Por último, a atenuante de que o réu teria disparado para evitar que se frustrasse a missão que executava nem merece que com ela se percam muitas palavras. O réu teria disparado dois tiros, o segundo à queima-roupa (!)[2], sobre um homem agarrado por um seu “colega”… para que a sua missão não se frustrasse! A não ser que a missão fosse a de matar um homem por ser suspeito de pertencer ao Partido Comunista Português. Quase só faltou acrescentar que a culpa do assassinato foi do assassinado, de Dias Coelho por ter tentado fugir à prisão e, assim, impedir os agentes da Pide de cumprirem a sua missão de o prenderem.
A cada passo me confronto, ao recordar ou ao informar-me sobre o “caso Dias Coelho”, com questões verdadeiramente essenciais.
E não termino esta introdução ao que era minha intenção inicial de escrever sobre os meus 50 anos de economia e militância, sem sublinhar o “pequeno pormenor” deste julgamento e desta sentença de que me aproveitei para contar o dia 19 de Dezembro de 1961, ter sido a seguir ao 25 de Abril de 1974, com finalização em 1976/princípio de 1977, tempos de que memória dos mais novos está envenenada com “informação histórica” completamente contrária ao que estes factos revelam.
A luta de classes nunca deu tréguas em Portugal (nem noutro lado qualquer) e os fautores desta sentença serviam uma classe, a mesma que era servida pelos agentes da PIDE, que prendiam, torturavam e matavam, e que, quando a relação de forças obrigou a que fossem julgados, tiveram quem os defendesse em vez de os julgar, ao menos com neutralidade na aplicação das leis. Para aqueles juízes, acima de tudo, antes de tudo, José Dias Coelho era comunista!
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[1] “…louvo o agente de 2ª classe António Domingues porque, cumprindo sempre com zelo, dedicação e espírito de sacrifício, as missões que lhe foram confiadas, contribuiu grandemente para que fossem capturados elementos subversivos qua na associação secreta denominada Partido Comunista Português desenvolvem larga actividade directiva e cuja acção representa ameaça e perigo para a ordem social estabelecida”.
Ordem de serviço nº 361/61 da Pide, assinada por Homero de Matos.
[2] - A morte de Dias Coelho
I. O disparo sucessivo de dois tiros de um agente da Direcção Gerai de Segurança sobre um suspeito, militante do Partido Comunista Português, sendo o segundo tiro com a arma muito próxima da roupa da vítima, perfurando a bala o esterno, a cartilagem da 5ª. costela, o pericárdio e o coração, provocando a sua morte, consubstancia a prática de um crime previsto e punido pelo artigo 361 § único do Código Penal de 1886 (ofensa corporal que produz a morte).
(revista Sub Judice 25 - Justiça e Memória, Almedina)
De um livro "em estaleiro": O assassinato de José Dias Coelho... mais um "único" crime da PIDE?
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É certo que, depois do 25 de Abril de 1974, segui atentamente o julgamento dos pides que o assaltaram e assassinaram, e senti a vergonha das sentenças. Mas também é certo que, talvez por pudor, por não pretender qualquer protagonismo em tais circunstâncias, não tomei posições, embora ao mesmo tempo sentisse alguma pena por ficar completamente à margem de acontecimento de que fora testemunha (ou quase).
Mas tive a prova da enorme importância que tem para mim o assassinato de Dias Coelho a partir de dois factos.
O primeiro foi o de, ao acordar de uma anestesia, parte de uma delicada intervenção cirúrgica a que fui submetido em Julho de 2006, ter sido dos acontecimentos da minha vida que mais depressa me vieram ao consciente, com todos os seus pormenores.
O segundo foi o facto de, ao decidir fazer esta espécie de “balanço” da minha vida, ou melhor, do meu meio século de economista e de militante do Partido, antes mesmo da lembrança do encontro com Carlos Aboim Inglês, em Junho de 1958, me ter lembrado do dia 19 de Dezembro de 1961, e o primeiro documento que procurei (embora não tenha a intenção de fazer muitas buscas documentais, e querer, sobretudo, contar aquilo de que me lembro e como o vivi) foi o pequeno caderno O caso Dias Coelho, da autoria de Fernando Luso Soares, advogado de Maria Tereza Tengarrinha Dias Coelho, assistente no recurso para o Supremo Tribunal Militar da sentença do julgamento de António Domingues, o assassino confesso de Dias Coelho.
(...) com esse caderno, e a possibilidade de conhecer a vergonhosa sentença de que se recorria, fiquei a saber, em pormenor, o que acontecera naquele dia.
Dizia o libelo acusatório:
«O Ex.º Promotor de Justiça (…) acusa o réu António Domingues (…) de ter cometido um crime previsto e punido pelo art.º 349.º do Código Penal, concorrendo as agravantes 11.ª (espera), 25.ª (noite) e 28.ª (arma) do art.º 34.º do mesmo diploma porquanto, no dia 19 de Dezembro de 1961, os então agentes da pide António Domingues, Manuel Lavado e Pedro Ferreira (…) foram encarregados pelo seu chefe de brigada da mesma polícia, José Gonçalves, de localizar e prender José António Dias Coelho, também identificado nos autos e militante do Partido Comunista Português. Para tal efeito, deslocaram-se à zona da Rua dos Lusíadas, desta cidade de Lisboa, onde se colocaram já de noite, pelas 19 horas, a uns cem metros uns dos outros, aguardando a vinda do referido José António Dias Coelho. Tendo este passado pela Rua dos Lusíadas cerca das 20 horas e tendo-se apercebido até da presença dos referidos agentes, começou a correr pela mesma artéria, derivando depois para a Rua da Creche no sentido do Largo do Calvário. Em sua perseguição correram os agentes referidos. Já na Rua da Creche, sensivelmente em frente do nº 30 de polícia, foi o José António Dias Coelho agarrado pelo agente Manuel Lavado. Entretanto, chegou junto dele o réu que desfechou dois tiros de pistola marca “Star” – calibre 7,65 mm, examinada nos autos e que lhe estava distribuída – sobre o referido José António Dias Coelho.»
segunda-feira, 3 de dezembro de 2007
Muito jovem, lia-os com sofreguidão e de alguns me lembro com frequência. Ainda agora, neste fim-de-semana, ao olhar para uma capa de um semanário, o que me veio à memória foi um conto sobre “o homem que deixara de dormir”, que estou quase quase certo que era de Pitigrilli mas não consegui confirmar.
Contava esse conto, a que talvez eu acrescente ou diminua uns pontos, uma entrevista que uma jornalista fora fazer a um homem que estava a ser famoso porque… deixara de dormir.
A jornalista começou, naturalmente, por perguntar, ao homem que deixara de dormir, porquê essa sua decisão. E o homem respondeu que resolvera deixar de dormir porque achava que dormir era uma perca de tempo, que era assim uma espécie de antecipação da morte, ou uma morte a prestações. Perguntado, depois, como conseguia ele esse objectivo, o homem explicou que fora um esforço de vontade, algum treino, alguns truques.
A jornalista, interessada no tema, continuou a colocar perguntas, a fazer comentários, e a conversa parecia animada quando, no final de um dos seus comentários, talvez um bocadinho longo, a jornalista perguntou, ao homem que deixara de dormir, se não tinha saudades de uma boa soneca. Não teve resposta. Estranhou. Levantou os olhos do caderno onde tomava notas, olhou mais atentamente o homem, no sofá em que estava amodorrado, e percebeu: o homem adormecera!
Que me perdoe o Pitigrilli, se acaso é dele o conto e se puder…, porque o conto só mais ou menos seria assim.
domingo, 2 de dezembro de 2007
Como se fosse ficção (do cordel)
Despi-me na casa de banho para não perturbar o sossego em que já estava posta a casa e a bela, mais ou menos como Inês antes de chegarem os horríficos algozes, ou carrascos, que deram cabo dela. Carrasco que, neste caso, seria eu, ao dar cabo, mas só do sono!, da minha Inês, que nem Inês se chama….
Quer dizer, deixando os Lusíadas para outra altura…, enfiei-me na cama sorrateiramente, com a grande preocupação de não incomodar quem nela dormia. Para não agravar as coisas…
Adivinhava o adormecer resmungado “…nunca mais chega… já estou cheia de sono… vou mazé para a cama… amanhã conversamos… vai ouvir das boas… isto dos hóqueis! … ainda por cima não telefonou”.
Pois não. Não telefonara. E não fora por esquecimento. Conhecedor dos hábitos da casa e dos seus moradores, receara, quando me apercebi do atraso, que já fosse tarde demais e já ela tivesse tomado a decisão de ir para a cama… e, se estivesse a começar a adormecer quando tocasse o telefone, seria pior a emenda do telefonema que o soneto do atraso na chegada.
Em resumo, retomando o contar e deixando as reflexões e justificações para a conversa matinal, enfiei-me na cama sem minimamente perturbar o sono de quem já lá estava.
Só fui acordado, mas pouco…, pelo levantar dela, cauteloso para não me incomodar – não fez mais que retribuir o que eu já tinha feito ao deitar-me…–, e resolvi fazer o que se faz nestas circunstâncias, virar para o outro lado…só mais um bocadinho!
Foi nessa altura que me apercebi de movimentações na cama que é de nós dois mas que um terceiro também considera sua. O senhor Mounti, esse mesmo, hesitava e deambulava. Hesitava entre acompanhar a dona no seu levante ou acompanhar o dono em mais uns restos de sono. Deambulava, em cima da cama – e de mim! –, enquanto hesitava.
Eu, cá pelo lado, na minha decisão de ficar mais uns quartos de hora, procurava a posição mais confortável. E estaria quase a encontrá-la, quando, numa das voltas que estava a dar ao corpo, coloquei o pé de maneira que o dito Mounti achou a adequada para se aninhar. Encostou o corpito todo à concha do pé e decidiu-se: é aqui que fico!
E pronto, tive eu de parar ali, assim naquela posição, tive eu de parar, ali e assim, com a busca da que poderia ser a minha posição e deixei-me ficar, sossegadinho, com o gajo-gato aconchegadíssimo ao meu pé.
Bom, para acabar a estória, em vez de quartos de hora alonguei para meias-horas o que me poderia ainda faltar de sono. Por culpa dele. Que ainda lá ficou quando me levantei e vim para aqui fazer desta. Que assino