faz de conta que o que é, é!... avança o peão de rei.

...
o mistério difícil
em que ninguém repara
das rosas cansadas do dia a dia.

José Gomes Ferreira

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Avulsos do Caderno Vietname - 5

Na véspera, a sandália dera o berro… Abrira a bocarra, e ficou incalçável.
Deitei-me com essa preocupação. Ao levantar-me, antes da partida para o delta do Mekong, tive de, a contra-gosto, calçar meias e sapatinhos. A Zé, apercebendo-se, deu logo sábios conselhos: “metes a sandália aí num saco de plástico para, se houver tempo, vermos se há por aí um sapateiro que te cole ou coza isso …”. Assim fiz. Disciplinadamente.
Ao chegarmos à carrinha, eu de saco de plástico na mão, foi dito à Chau o que se passava e perguntado se não haveria, no regresso, possibilidade de arranjar a sandália. Eu, fazendo-me forte, ainda disse: “… ou então, onde comprar umas sandálias novas, que não me sinto nada bem com meiasinhas e sapatões” (isto, claro, em inglês para ela perceber…).
E lá fomos, na madrugada, a caminho do mítico delta do Mekong…
Viagem longa. Mais de três horas. Conversando com a Chau, procurando saber mais coisas sobre a terra e a gente dela. E ela dando troco. Simpática, informativa.
Parámos numa estação de serviço vietnamita, a meio do percurso, para o que necessário fosse nos cómodos à disposição. Sempre agradável, sempre calmo. Uma grande serenidade. Nada de autoestradas e de correrias.
Voltámos aos nossos lugares – embora por vezes mudássemos de posições entre nós… –, sempre com a Chau e o motorista no banco da frente. De vez em quando conversando os dois, lá na língua deles. E nós, cá atrás, a conversar na língua nossa ou só a ver paisagens e outros viveres.
Chegámos a Cai Be e… embarcámos. Para um fim de manhã, almoço e princípio de tarde que fica nas recordações vivas, depois daquele delta ter sido memória longínqua de tempos idos.
Mas não é do Mekong, e dessa experiência tão rica, que venho contar. Venho contar que, depois de passar pelo mercado nos passeios, e de termos convivido com quem ali fazia a sua vida, voltámos à carrinha,

onde nos esperava o motorista, que em terra ficara. No meu lugar, o saco de plástico com a sandália, como o deixara. Perdão... não como eu o deixara. É que a Chau pediu-me para ver se estava tudo bem. E eu vi. E não estava tudo bem, estava tudo muito melhor, com a sandália impecavelmente colada, de goela fechada. Fiquei eu de boca aberta.
Tinha sido o motorista (como é que não sei o nome do homem?) que, durante o nosso passeio, resolvera o problema que eu até desconhecia que ele conhecia. Ah! e, servindo a Chau de intérprete, deu-me um recado do sapateiro: que a sandália era de muito boa qualidade, e que eu não precisava nada de comprar sandálias novas!

Que gente esta!

4 comentários:

Maria disse...

Mal "acomparado", cá faríamos o mesmo... que povo fantástico!
E que fotografias lindas...

Beijos

Sérgio Ribeiro disse...

Já depois do comentário da Maria (que madrugadas, fazes, amiga!), hoje acordei com vontade de "melhorar" o "post"... Inclui uma ilustração dos sapatorros com que andei pelo delta do Mekong e aquela exclamação final, que, aliás, está no comentário: que povo fantástico! Neste pequenino caso, como na vida, silencioso, solidário, eficaz.

Justine disse...

Atentos sem serem subservientes,prestáveis sem serem bajuladores - em suma, encantadores!

samuel disse...

Existem pessoas assim... incapazes de deixar alguém descalço.