faz de conta que o que é, é!... avança o peão de rei.

...
o mistério difícil
em que ninguém repara
das rosas cansadas do dia a dia.

José Gomes Ferreira

quarta-feira, 31 de outubro de 2007

A morte da adolescência - 4

Naquela quinta-feira, como em todas as quintas-feiras, era o dia de mercado semanal. Lá em baixo. Na vila.

O meu pai decidira – o meu pai decidia coisas! – que o almoço seria uma boa sardinhada. E também convidara amigos para um lanche. Ia ser um dia em cheio. E cheio de trabalho para a minha mãe e para a Júlia.

E tudo começava logo de manhãzinha, com a partida, cedo e preparada de véspera, para a vila.

Havia uma certa excitação no ar. O meu pai marcava o rutmo. A toque de palavras de ordem ou de franzires de sobrolho. Só teve uma hesitação ou dúvida, com prerrogativa de endosso de decisão para a minha mãe ”A rapariga também vai ao mercado?”.

Os meus sentidos concentraram-se na resposta, que a minha mãe deu, à sua maneira, não afirmativa, deixando as decisões definitivas para o homem “Como és tu que queres escolher as sardinhas e o que for preciso para o lanche, e pareces disposto a carregar com os sacos, é capaz de não ser preciso… há tanto para limpar e arrumar cá em casa… depois ainda temos o lanche…”, “Tá bem, ‘tá bem… despacha-te!”.

E lá passaram por mim, todo entregue à educação física (ou do físico). Ele, o meu pai, no passo largo e apressado de sempre, ela a minha mãe, logo atrás, em corridinhas de passo miúdo. Ele, a voz paterna, grossa “Não queres vir? Estás sempre a querer ir a Ourém… agora que fazia jeito, não deixas essa porcaria das ginásticas… ’inda me sais um Tarzan!”, ela, a voz materna, meiga “Até logo, filho… vê lá, não te constipes…”

4 comentários:

Maria disse...

Pois.....
E lá ficou o João Luís a "fazer ginástica", a "tratar do físico", e a Júlia ali tão perto.....
...................
A tua escrita tem o dom de me prender de imediato e de ficar ansiosa ao fim de meia dúzia de linhas, que é como quem diz, 4 pequenos capítulos....

Justine disse...

Isto não augura nada de bom... ou então augura do melhor que há!

Anónimo disse...

Lá augurar, augura... vamos a ver o que nos conta!

GR disse...

O puto era muito inteligente.
Fazer ginástica tudo bem...agora, percorrer o mercado, carregado de sardinhas e todo o resto das compras.
Nada como uma descansada ginástica, tendo como motivação, a Júlia!

GR