No dia 25 de Abril de 2011, depois do desfile, dos encontros e dos abraços, voltei à Rodoviária para regressar a casa (tinha a Escola do Sagrado Coração de Maria, de Fátima, no dia seguinte, para contar como fora o meu 25 de Abril de há 37 anos).
Uma enchente. Os “expressos” de todos os dias, com muitos desdobramentos para que toda a gente pudesse regressar.
Como não ia jantar, fui até ao bar, cruzando gente e mais gente. Comprei no pré-pagamento uma cerveja, um rissol de camarão e um pastel de bacalhau, naveguei até um canto sossegado, próximo da parede envidraçada. Os pombos esvoaçavam no meio do alvoroço e, por vezes, procuravam saídas onde o vidro as impedia, e contra o qual se debatiam.
Um pouco afastada, uma família fazia o seu lanche-ajantarado. Uma família de dois casais, pais e avós de duas crianças muito excitadas e alvoraçadas, em correria atrás dos pombos, pelo meio de tanta gente e das pernas das pessoas.
Ao meu lado, um trio de homens grandes, jovens, negros, bebendo as suas cervejas, formando grupo em grande risota e galhofa. No seu pequeno mundo africano.
Os miúdos – numa “chave” de 6 a 12 anos, decerto acertaria… – não paravam, beneficiando da pouca vigilância dos progenitores de duas gerações. Talvez na esperança de que assim se cansassem e fossem dormir durante a viagem…
Diga-se que, ao princípio, não incomodavam ninguém. A não ser as pombas. Até que uma que pareceu ter entrado em pânico entre a espada das mãozitas que as queriam agarrar e a parede que era de vidro e a iludia de que por ali seria a fuga.
Quando a cena me começava a interessar e, porque não dizer?, me começava a incomodar a indiferença dos pais e avós, vejo um dos três homenzarrões calmamente pousar a sua cerveja, aproximar-se da atarantada pomba e, perante o ar espantado e admirativo das crianças, agarrá-la com as duas enormes manápulas.
Suspense!
Eu estava atento, preocupado, hesitante sobre que fazer, se alguma coisa haveria a fazer. Por mim…
O grande jovem negro, sempre sorridente, aproximou-se da porta do bar da Rodoviária, que dá para a gare das camionetas e para o grande largo interior por onde estas entram, virou para este lado, saiu do grande edifício, abriu as enormes mãos e atirou a pomba aos céus. Por onde ela voou, libertada.
Depois, com a mesma tranquilidade sorridente, voltou para o convívio com os companheiros. Como se nada tivesse feito.
Ao passar por mim, os nossos olhares cruzaram-se. Eu levantei o polegar da minha mão direita. Ele correspondeu. Levantou o polegar da sua mão direita, e o sorriso abriu-se ainda mais, ainda mais mostrando os dentes muito brancos.
E tudo voltou ao que era.
Foi no dia 25 de Abril de 2011.
Uma enchente. Os “expressos” de todos os dias, com muitos desdobramentos para que toda a gente pudesse regressar.
Como não ia jantar, fui até ao bar, cruzando gente e mais gente. Comprei no pré-pagamento uma cerveja, um rissol de camarão e um pastel de bacalhau, naveguei até um canto sossegado, próximo da parede envidraçada. Os pombos esvoaçavam no meio do alvoroço e, por vezes, procuravam saídas onde o vidro as impedia, e contra o qual se debatiam.
Um pouco afastada, uma família fazia o seu lanche-ajantarado. Uma família de dois casais, pais e avós de duas crianças muito excitadas e alvoraçadas, em correria atrás dos pombos, pelo meio de tanta gente e das pernas das pessoas.
Ao meu lado, um trio de homens grandes, jovens, negros, bebendo as suas cervejas, formando grupo em grande risota e galhofa. No seu pequeno mundo africano.
Os miúdos – numa “chave” de 6 a 12 anos, decerto acertaria… – não paravam, beneficiando da pouca vigilância dos progenitores de duas gerações. Talvez na esperança de que assim se cansassem e fossem dormir durante a viagem…
Diga-se que, ao princípio, não incomodavam ninguém. A não ser as pombas. Até que uma que pareceu ter entrado em pânico entre a espada das mãozitas que as queriam agarrar e a parede que era de vidro e a iludia de que por ali seria a fuga.
Quando a cena me começava a interessar e, porque não dizer?, me começava a incomodar a indiferença dos pais e avós, vejo um dos três homenzarrões calmamente pousar a sua cerveja, aproximar-se da atarantada pomba e, perante o ar espantado e admirativo das crianças, agarrá-la com as duas enormes manápulas.
Suspense!
Eu estava atento, preocupado, hesitante sobre que fazer, se alguma coisa haveria a fazer. Por mim…
O grande jovem negro, sempre sorridente, aproximou-se da porta do bar da Rodoviária, que dá para a gare das camionetas e para o grande largo interior por onde estas entram, virou para este lado, saiu do grande edifício, abriu as enormes mãos e atirou a pomba aos céus. Por onde ela voou, libertada.
Depois, com a mesma tranquilidade sorridente, voltou para o convívio com os companheiros. Como se nada tivesse feito.
Ao passar por mim, os nossos olhares cruzaram-se. Eu levantei o polegar da minha mão direita. Ele correspondeu. Levantou o polegar da sua mão direita, e o sorriso abriu-se ainda mais, ainda mais mostrando os dentes muito brancos.
E tudo voltou ao que era.
Foi no dia 25 de Abril de 2011.
6 comentários:
E assim se personifica, se torna concreto o que abstrato é.
liberdade - dicionário Priberan
(latim libertas, -atis)
s. f.1. Direito de proceder conforme nos pareça, contanto que esse direito não vá contra o direito de outrem.
2. Condição do homem ou da nação que goza de liberdade.
3. Conjunto das ideias liberais ou dos direitos garantidos ao cidadão.
4. Fig. Ousadia.
5. Franqueza.
6. Licença.
7. Desassombro.
8. Demasiada familiaridade.
Um gesto libertário no dia 25 de Abril. Nada mais apropriado:)))))
Só agora li este texto. É tão bonita a forma como está escrito,tem tanta ternura e sensibilidade, que eu estou a "torcer" para que não seja ficção.
Campaniça
Não, Campaniça, não foi ficção!
Foi mesmo "à 25 de Abril", no dia 25 de Abril.
Beijos
Tão lindo!!!! E eu que não conhecia este blog!!!E logo no dia 25 de ABRIL!!!!
Um beijo de muita amizade e admiração
Bonito texto!!!
:))
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