Na cadeia, nos idos tempos do Aljube, Caxias, Peniche e mais tarrafais, contava-se uma estória que o tempo veio moldando na minha memória, e que talvez nem se tenha passado. Ou que, naturalmente, não se passou assim.
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No começo do interrogatório, o chefe de brigada entrou na sala quadrada com a mesa e as duas cadeiras, preparada para a tortura do sono ou outras, e usou as por vezes "falinhas mansas", civilizadas, de tenteio.
- "Nós não fazemos mal a ninguém, ao contrário das calúnias e coisas que vocês propagam. Até vos queremos ajudar... e etc. e blá, blá, blá, blá. Só queremos esclarecer umas coisitas. Que aliás sabemos... Nós sabemos tudo, mas gostamos que confirmem. Para vosso bem. Depois... é só assinar o auto e ir para casa. Vamos lá a ver... Qual era o seu pseudónimo?"
- "... o meu quê?..."
- Mau! Não comece com fitas. Aquele nome que vocês usam lá no partido para se esconderem uns aos outros, e de nós, da polícia... Vá lá... para cá o pseudónimo..."
- Sei lá o que é isso... a única coisa parecida com isso que conheço é o nome de uma rua, e não é pseudónimo é Possidónio da Silva*, e julgo que foi um arqueólogo do século XIX...
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Parece que o interrogatório começou logo a correr mal, pois os pides passaram de imediato da conversa civilizada e introdutórias a outros métodos. Nada mansos.
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* - Possidónio da Silva (1806-1896), fundador em 1863 da Associação dos Arquitectos Civis e Archeólogos, tem rua (com busto) em Lisboa, na freguesia de Santo Condestável.
3 comentários:
Ah, o sentido de humor faz sempre muita falta:)))))
Se não ríssemos... nunca teríamos chegado vivos até aqui...
Abraço.
Agradece-se a recomendação.
Sim, é necessária uma certa presença de espírito, alguma ironia fina, vivendo a vida momento a momento. Nessas circunstâncias nunca se sabe o que vem a seguir.
AM
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