faz de conta que o que é, é!... avança o peão de rei.

...
o mistério difícil
em que ninguém repara
das rosas cansadas do dia a dia.

José Gomes Ferreira

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Uma estória de exemplo, neste Junho de 2010

Era o ano de 1997. Era tempo de eleições autárquicas.
Na pequena cidade do país esquecido, os resistentes de sempre faziam o que sempre fazem: resistiam. Era preciso apresentar listas, mostrar que, também ali, a luta continua, que não se deixa apagar na sucessão alternante, denunciando a ilusão-mentira-do-que-vai-ser, e que, periodicamente, substitui a desilusão-escondida-da-ilusão-mentira-que-foi. Era o tempo de mostrar e manter a presença, de segurar os que ainda estariam mas que fugidios gostam de ser, de trazer alguns que se revelaram numa conversa, de recuperar aqueles que talvez recuperáveis sejam.
Naquela pequena quinta de amigos, juntavam-se esforços, havia trabalho militante. Sardinhas, febras, vinho do nosso (e do bom…), sobremesas como contributo para o convívio e a luta.
E… artistas convidados. Dos que também resistentes de sempre são e que naquele dia e para aquele lugar estavam disponíveis. Nalguns casos, com sacrifício que as amizades fazem ignorar. Uns para cantar, outros para dizerem coisas, alguns só para estarem e mostrarem que estavam, ali e com aqueles porque deles/nossos são.
Era o ano de 1997. Tudo como tantas vezes foi e será. Mas um dos vindos de fora, e de longe, porque o acaso o permitira, era diferente. Ou melhor: havia quem sabia e quem sentia que aquela presença era diferente, embora igual a todas as outras, sendo, todas elas, diferentes.
Comiam-se as sardinhas no pão, bebia-se o vinho tirado do piparote, conversava-se e esperava-se o que se sabia que iria ser dito, o que se sabia que iria ser cantado só com a viola a ajudar.
E o homem vindo de longe, com nome e renome nos jornais, ali estava. Interpelado por um ou outro que lhe queria dizer da admiração pela obra, comentando o mais recente livro, pedindo um autógrafo, talvez só trocando as palavras que se trocam enquanto se convive e se está bem.
Também estava alguma comunicação social convidada. Jovens em tirocínio pela imprensa regional, com ou sem um desses cursos que pulularam, com horizontes de carreira profissional aliciante e difícil, exigente. O mais-atento-a tudo-o-que-se-ia-passando-à-volta, sentiu um vazio, um “espaço morto”, um soluço, um hiato.
Aproximou-se de uma das jovens jornalistas que estava perto e disse-lhe: “Conhece o fulano? Apesar daquele ar, ele é acessível e simpático… então para uma jovem como você!... Este ano não calhou, mas olhe que esteve perto, e tenho cá um dedo que adivinha que para o ano é que vai ser. Você, por antecipação, podia fazer um trabalho giro aproveitando ele estar aqui… quer que o apresente?... embora não seja necessário…”.
A jovem sorriu, simpática mas com o ar de quem está a pensar “… estes comunistas!…”. Antes que o pensamento fosse mais longe, aquele comunista atalhou: “… claro que não estou a querer ensinar o sermão ao cura, você é que é a profissional, mas pareceu-me que lhe podia interessar este palpite que tenho e que não é só meu… para o ano é que vai ser!…”.
Ela, a jovem jornalista, manteve o sorriso simpático, acompanhado pelo formal “obrigado…”, passou a outro tema de conversa sobre o local e as perspectivas, o que se considerava como um bom resultado eleitoral, essas coisas…
E o que viria a ser o Prémio Nobel de 1998 não foi abordado pela jovem jornalista impermeável aos palpites, aquele e outros, do comunista-da-casa.
Terá perdido uma oportunidade... lembrar-se-á disso?

1 comentário:

Justine disse...

Um tempo guardado na memória, com alguma nostalgia, alguma trsiteza e outra tanta alegria!
(história muito bem contada, e que nos pertence...)