faz de conta que o que é, é!... avança o peão de rei.

...
o mistério difícil
em que ninguém repara
das rosas cansadas do dia a dia.

José Gomes Ferreira

sábado, 1 de novembro de 2008

Histórias ante(s)passadas (na prisão) - 2A

Entre as “novidades” com que quase todos os dias a PIDE nos brindava, a chegada do Orlando Carvalho e do Seabra Diniz foi das mais curiosas. Se o Seabra Diniz nos pôs a fazer exercícios de descontracção e a sentir pesado o que pesado estava, o Orlando Carvalho veio aligeirar a nossa vida de encarcerados.
Era um homem alto, de grande presença e alguma pose, que veio a morrer em 1966, de desastre de automóvel, e já fui, em liberdade, ao Alto de S. João, ao seu enterro.
Impressionaram-nos os seus pijamas de seda que pouco tinham a ver com a sala do Aljube que a todos nos albergava, e o modo como se vestia num movimento quase ballético para não beliscar os impecáveis vincos das calças.
A sua clientela era “do fino”, sobretudo damas, esposas de ministros e também de outros dignitários como indignos dirigentes da instituição que nos prendia a torturava. Donas que até exigiam consultas ali numa sala da cadeia. As suas doençazinhas podiam lá esperar que o dr. Orlando resolvesse os seus problemas com os respectivos maridos… Umas coisitas relacionadas com uns dinheiros e outras ajudas à resistência, ao Partido Comunista e às “vítimas do fascismo”.
Foi imediatamente desarranchado e as suas refeições passaram a vir de uma casa "chique”, julgo que da Benard. Era cada banquete!...

Todos nós beneficiávamos das opíparas refeições, e não esqueço o verdadeiro ritual de que o Ervedosa rodeou a degustação de um copo de vinho com marca e ano que lhe coube daquela partilha, e de que estava mais que saudoso!
Mas hilariante foi o caso de, estando o Orlando numa das suas consultas, o guarda nos ter entregue um almoço que, além do vinho e da requintada sobremesa, foi decidido que seria, após minuciosa observação, de lampreia. O que levou alguns ao delírio gastronómico. Estreia absoluta de lampreia e logo de baptizada “lampreia à Aljube”.
Afinal… viemos a saber, no dia seguinte, que tínhamos comido “arroz de cabidela”, de galinha, claro! Apenas. E se estava bom!... a saber a lampreia.

5 comentários:

Justine disse...

O que pode fzer a imaginação...
Até me está aqui a cheirar a arroz de cabidela:))
Bela estória

Maria disse...

:))
A esta hora marchava, um ou outro...
De cabidela será mais fácil, já que o outro só lá para Janeiro...

Venham mais estórias!

Anónimo disse...

Venham elas.

Campanica

Sérgio Ribeiro disse...

Há pelo menos uma dúzia no "estaleiro"...

GR disse...

Estas "história" merecem sair em livro.
Para quando?

GR