faz de conta que o que é, é!... avança o peão de rei.

...
o mistério difícil
em que ninguém repara
das rosas cansadas do dia a dia.

José Gomes Ferreira

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Histórias ante(s)passadas (na prisão) - 4A

Esta melhor se chamaria história de para-prisão ou de pós-prisão. Mas é, isso sim, uma estória do tempo do fascismo. E do dia 7 de Novembro que é hoje.
Vai para 50 anos (ou já 60?) um preso político em Peniche e a sua companheira resolveram formalizar perante a sociedade a sua relação, Até por causa da questão das visitas. E escolheram o dia 7 de Novembro para se casarem. Por ser um “dia especial”. Que passou a ser, para eles, um “dia especial” por dois motivos.
Anos depois, com o Gabriel, assim era o seu nome, fora da cadeia, com um grupo de amigos, entre os quais, bem mais jovem, me vi generosamente incluído, começou a festejar-se o 7 de Novembro de uma maneira, digamos, curiosa. Reservava-se uma mesa no Restaurante-Cervejaria Amazonas, ali ao Arco Cego, e lá íamos comemorar a data. Mas não íamos só nós. Numa mesa, ou em mesas próximas, a PIDE colocava alguns dos seus identificáveis agentes para acompanharem aquela comemoração. E fazerem relatórios com os nomes dos presentes e com o que fosse dito.
É dos momentos de gozo que guardo nas minhas recordações. Que, como é inevitável, se vão ficcionando.
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Juntávamo-nos, com alguma incontida alegria por nos juntarmos. Nos abraços, nos beijos, nos parabéns por estarmos no dia 7 de Novembro. E a festejá-lo.
Os pides, mal disfarçadamente atentos, a registarem (o atraso tecnológico deveria impedir a gravação à distância e outras modernices). E não seria muito fácil porque uma das razões da comemorações era tratada em voz baixa e codificadamente como, por exemplo, tratando personagens como tio Vladimiro ou como avô Carlos. Que não tinham podido estar no casamento por uma questão de datas… Outubro até foi em Novembro!
Mas quando mais gozo tínhamos era na altura dos discursos. Levantava-se um de nós, e quando os desgraçados dos pides pensavam ter a vida facilitada com matéria para contar aos chefes, saia um discurso em que o tema recorrente era o facto, glosado à maneira do orador (ou dos oradores), de na noite do casamento que se celebrava, o noivo ter dormido ao lado do padrinho Joaquim Campino, e a noiva ter dormido com a madrinha Luzia Campino, havendo sempre pormenores para actualizar sobre aquela estranha noite de núpcias.
As gargalhadas saltavam, e tudo terminava sempre com um viva o dia 7 de Novembro!
Que assim se festejava no tempo do fascismo. E não só assim.

4 comentários:

Maria disse...

Com um enorme sorriso te digo que esta era uma fas formas de "chatear", sim, que esse teu grupo era "levado da breca", e que por lá por outros sítios fazia-se o mesmo e o gozo era superior quando chegavam o bufo acompanhado... só para ver quem estava, hehehe

Abreijos

Anónimo disse...

Agora percebo a pergunta de ontem, em Espinho.

Justine disse...

Ora aí está uma boa utilização da instituição do matrimónio!

GR disse...

Adorei ouvir este momento da História, ainda recente.
As perto de uma centenas de amigos também gostaram.
Estás de PARABÉNS!

GR