Acordaram para o dia
ainda nem madrugada era
(mas tantos não acordaram para o dia
porque dormido não teriam…)
Acordaram para o dia,para o dia que 25 era
e do mês 4
e do ano de 74
Vestiram a farda de capitão
e juntaram mais um galão
aos três do regulamento,
o galão de um cravo.
Acordaram para o dia
que iam fazer o dia novo
o dia povo
o dia ovo.
----------
Acordou para dia,

sozinho na cela,
com a unha riscou na parede suja
uma outra manhã acordada em Caxias.
Acordou para o dia,
para o dia que 25 era
e do mês 4
e do ano de 74.
Lembrou os camaradas,
em Peniche e noutros lugares
punham mais um risco em paredes sujas
como calendários de dias assim contados.
Seria aquele o dia de ir para a tortura?
NÃO!
Acordava para o dia
que ia ser o dia novo,
o dia ovo,
o dia povo.
-----------
Acordaram para o dia,
na casa clandestina,
para mais um dia de luta,
de sobressaltos, de tarefas.
Acordaram para o dia,
para o dia que 25 era
e do mês 4
e do ano de 74.
Reviram as agendas e as gentes a ver
um encontro, uma reunião,
o chumbo para a tipografia,
o papel para imprimir o avante!,
uma luta no seio da luta.
A vigilância, camaradas,
a segurança, camaradas,
não falhar um pormenor, um sinal
que tudo e tantos poria em risco,
de prisão ou até mortal.
Poucos sabiam que acordavam para o dia
que vinham preparando
dia a dia, todos os dias,
o dia novo,
o dia ovo,
o dia povo.
-----------
Acordou para o dia,
no leito vazio e frio,
já cansada de espera,
mais um dia de trabalho e luta
Acordava para o dia,
para o dia que 25 era
e do mês 4
e do ano de 74.
Preparou o pequeno-almoço,
acordou o miúdo,
ajudou-o a vestir,
levou-o à carrinha,
ouviu a pergunta de todas as manhãs
desde que o tinham levado…
“Mãe… quando é que o pai volta?... será hoje?”Respondeu, com um sorriso triste,
“Não sei, filho, era tão bom que fosse…”Foi!
Acordava o dia
que ia ser o dia novo,
o dia ovo,
o dia povo.
-----------
Acordaram para o dia
com a rádio a dar notícias estranhas,
depois do “Depois do adeus”
e de “Grândola, vila morena…”
para mais um dia de trabalho.
Acordaram para o dia,
para o dia que 25 era
e do mês 4
e do ano de 74.
Hesitaram,
entre as recomendações para ficarem em casa
e a vontade de ir para as ruas,
de serem massas e revolução.
Saíram à procura de cravos e liberdade,
juntaram-se no Largo de Carmo,
exigiram a libertação dos presos políticos
e da Pátria que recuperavam.
Acordava o dia
que ia ser o dia novo,
o dia ovo,
o dia povo.
-----------
Do outro lado da vida,
acordaram estremunhados
e não querendo acreditar.
Alguns saberiam de alguma coisa,
muitos apenas se preparavam
para ir prender e torturar.
Acordaram para o dia,
para o dia que 25 era
e do mês 4 
e do ano de 74.
Uns, em desespero,
e assustados com gente e gente nas ruas
que julgavam suas,
ainda disparam os últimos tiros,
ainda cometeram os últimos assassinatos.
Acordava o dia
que ia ser o dia novo,
o dia ovo,
o dia povo.
23 de Abril de 2008