A memória. É só o que de muitos que nós fomos e somos resta naqueles que por cá ainda andam. E também custa pensar que nem todos estamos certos de ter filhos e netos que nos lembrem nas histórias por nós ante(s)passadas.
Por mim, sinto necessidade de contar algumas dessas estórias.
Para que alguns restos de vida daqueles a quem devo o que sou, a quem tanto devo do que sou, que me fizeram o que vou sendo, não venham a acabar quando já não estiver para as contar.
Não conheci o meu avô paterno. Sei que se chamava António, que viera do Outeiro (julgo que do Grande), que tinha um apelido – Senteeiro – que até apela a pesquisa da árvore genealógica lá para os lados de Torres Novas.
Morreu no começo do século (do xx!). Fotos dele nunca conheci mas guardo uma muito velhinha onde se pode ver o meu pai com um fumo no braço ainda do luto deitado por sua morte.
O meu pai contou-me algumas coisas, poucas, do meu avô, do pai dele.
Recordo-me de uma.
Estava ele à porta de casa da “casa de entrada”, que então a vida era voltada para a estrada, hoje rua e então mais caminho que estrada. Só passavam carroças puxadas por burricos e carros de bois. E gente. Gente que ia e vinha das labutas de sol-a-sol nos campos.
O meu avô António gozava o fim do dia, que o sol põe-se para aquele lado. Já tinham tocado as Avé-Marias e passava uma vizinha, que vinha da fazenda, talvez das “terras frias” ou das “soutarias”, carregada com uma cesta de figos.
“Boa tarde, ti’Antoino…”.
“Olá, Maria. Atão vens da fazenda? Foste aos figos?”
“Fui sim, ti’Antoino… quer deles?”
“Vinham a calhar…”
A Maria colocou a cesta no chão, ao alcance do meu avô, e ele começou a comê-los.
Até que a vizinha observou:
“Ó ti’Antoino… escolha, não os coma a eito… tire os mais graúdos que o resto vai para o gado…”
O meu avô sorriu:
“Nã te preocupes, Maria… tenho tenção de os comer todos…”
Por mim, sinto necessidade de contar algumas dessas estórias.
Para que alguns restos de vida daqueles a quem devo o que sou, a quem tanto devo do que sou, que me fizeram o que vou sendo, não venham a acabar quando já não estiver para as contar.

Morreu no começo do século (do xx!). Fotos dele nunca conheci mas guardo uma muito velhinha onde se pode ver o meu pai com um fumo no braço ainda do luto deitado por sua morte.
O meu pai contou-me algumas coisas, poucas, do meu avô, do pai dele.
Recordo-me de uma.
Estava ele à porta de casa da “casa de entrada”, que então a vida era voltada para a estrada, hoje rua e então mais caminho que estrada. Só passavam carroças puxadas por burricos e carros de bois. E gente. Gente que ia e vinha das labutas de sol-a-sol nos campos.
O meu avô António gozava o fim do dia, que o sol põe-se para aquele lado. Já tinham tocado as Avé-Marias e passava uma vizinha, que vinha da fazenda, talvez das “terras frias” ou das “soutarias”, carregada com uma cesta de figos.
“Boa tarde, ti’Antoino…”.
“Olá, Maria. Atão vens da fazenda? Foste aos figos?”
“Fui sim, ti’Antoino… quer deles?”
“Vinham a calhar…”
A Maria colocou a cesta no chão, ao alcance do meu avô, e ele começou a comê-los.
Até que a vizinha observou:
“Ó ti’Antoino… escolha, não os coma a eito… tire os mais graúdos que o resto vai para o gado…”
O meu avô sorriu:
“Nã te preocupes, Maria… tenho tenção de os comer todos…”