A DONA LAURA
A Dona Laura era a vizinha do 2º
esquerdo. Era a esposa muito senhora esposa do senhor Armando Mendes, homem
discreto, apagado, e era a extremosa e preocupada mãe do Armandinho, um dos miúdos do prédio, com mau
aproveitamento escolar, estudante de violino mas mais dedicado - muito mais… – à
viola e suas variações, a que se entregava no tempo que deveria ser, segundo a Dona Laura, para os deveres escolares e o estudo dos clássicos do violino, seus
concertos e sinfonias.
A Dona Laura era uma senhora. Que pontificava,
sem alardes ou alarido, no prédio da Rua do Sol ao Rato, que mudara de 85 para 27 na
ordenação toponímica. Impunha-se pela postura de Senhora Dona.
Os miúdos do prédio – o ZéLuís,
meu primo, também do 2º andar mas direito, os dois irmãos do 1º andar esquerdo, eu do
rés do chão – eram os companheiros do Armandinho. De escada e quintal ao rés do
chão nosso.
A Dona Laura tinha as suas
referências e preferências. Para exemplo do Armandinho. Eu seria um deles. Um rapazinho atilado, bom
aluno, um menino que gostava de ler, que brincava mas era comedido e aproveitava o
tempo.
E foi discreta mas clara na solidariedade para comigo no meu pesar por o meu
pai não ter comprado o violino para que eu parecia ter jeitinho, tal como ela fizera
para o seu Armandinho. Decisão de que não se conhecia o contributo e opinião do
senhor Mendes. Se é que este os tivera...
A Dona Laura era uma senhora. E
acompanhava, cheia de simpatia (ou empatia?), a minha adolescência e começo de
idade adulta. De (bom) exemplo para o seu Armandinho.
Quando voltei da prisão e fui ao
prédio, visitei a Dona Laura. Contente e compungida, mostrou-me a sua
incompreensão com uma pergunta insistente e intencional:
Não te percebo, não te percebo… o que é que TU queres mais?
Não lhe respondi. Ia lá ela perceber
que o mais que queria era, SÓ!…, contribuir para mudar o mundo sempre em mudança, ajudá-lo num rumo de
humanização.
A Dona Laura era uma senhora.
1 comentário:
Às vezes, por mais que se explique...
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