Éramos um povo.
Éramos um povo nascido, de parto
difícil e com dor, quando em certas (ou incertas) contas do nosso rosário
humano se viviam os anos 40 do segundo século do segundo milénio.
Éramos um povo que, depois, na mesma escala de medir o tempo, cresceu atribuladamente, teve afirmação de
vontade própria em 1383, sacudiu jugo de vizinhos em 1640.
Éramos um povo que descobriu ter
o que bem-falantes chamam “vocação marítima”, e que seria a forma de chegar a
adulto independente e com vida própria, se aventurou a percorrer, por
desconhecidos caminhos, mares atlânticos e de outros oceanos.
Éramos um povo com o destino - ou com esse fado - de sair para o mar, porque para o interior da terra havia montes, e vales,
e gente outra, fronteiras hostis antes de se chegar a mais longínquas
fronteiras, de Pirinéus, Franças e Araganças.
Éramos um povo que só por mar ganhou o direito a…
ter a chave de casa.
(Mas desses primeiros tempos, que também segundos foram,
falou um de nós - que lusíadas somos! - como talvez ninguém de outros seus povos terá
falado.)
Éramos, em 1974, um povo. Com
séculos de história e sendo, então, uns 10 milhões.
Éramos, então, um povo prisioneiro ou no
estrangeiro. Prisioneiro porque sem liberdade, reprimido, oprimido e oprimindo no
estrangeiro porque muitos de nós (um que fosse, demais seriam) em guerra.
Éramos 10 milhões?
Decerto mais mas sem números exactos porque muitos abalaram e não voltaram, muitos
foram ficando e deixando de ser deste povo que os deixara partir, e teriam
sido levados a desistir de serem deste povo.
Éramos, aqui, um povo
prisioneiro. Porque sem liberdade, reprimido, oprimido. Resistindo. Uns
passivamente, resignadamente; outros clandestinamente, lutando. Lutando por e como este povo que eram. Como este povo que queriam ser. Alguns, presos por o quererem ser. Por lutarem para serem
este povo. Livre..
As circunstâncias fizeram-me ser
um destes.
2012
(e o que seremos amanhã?
1 comentário:
Como um poema épico, este texto!
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