ONDE O TELEFONE TOCA!
Em tempos que já lá vão – de que
alguns leitores ou ouvintes se recordarão – havia um programa de rádio chamado “quando
o telefone toca”.
Se bem me lembro, o telefone
tocava e um rádio-ouvinte pedia uma música – “posso pedir um disco?...”
e tinha de dizer uma frase publicitária patrocinadora do programa –, e o disco,
de vinil, claro!..., era posto no prato e servido ao “estimádóvinte”.
Passaram muitos anos e, agora, a
estória é outra. Mas que tem ainda uma outra pelo meio. Que é a de “onde estão
os meus óculos?”. Estória esta que até deu para título de um livro que me
ofereceram quando fiz aí os meus 50 anos, isto é, pela primavera… quando só
usava óculos para ler, os de “ver ao perto…”, como se dizia, e acontecia, às
vezes, mas só às vezes…, não saber onde os deixava.
“Mas onde raio pus eu os meus
óculos?”
Isso passou. Agora os óculos são
acessórios permanentes, e até lhes chamam progressivos quando o que acontece é
que a visão é regressiva, Tanto assim que há netos que julgam que os avós são
aqueles seres que nasceram com óculos, e que servem para eles fazerem aquilo
que os pais não os deixam fazer.
… Não nos desviemos do tema e
título…
Já não se procuram os óculos, desde
que passámos à fase – muito curiosa e engraçada… para os outros… – de termos
andado à procura deles com eles postos pendurados no nariz.
Agora a nossa preocupação mais
frequente (por mim falo…) é onde teríamos deixado o telemóvel.
Invenção mais recente para o
quotidiano do ser humano, o telemóvel tornou-se numa espécie de prótese do
ouvido, ou um prolongamento dos dedos e, pela sua dimensão e mobilidade, é
frequente não se saber onde ele está.
“Qu’é do meu telemóvel,
raispartaisto…”
E procura-se, desesperadamente –
como se fosse Susana… –, em todos os lugares em que o telemóvel, evidentemente,
não está. Nos bolsos do roupão, do pijama (há os que os têm), na casa de banho
(ao lado da sanita ou na prateleira da banheira), nas algibeiras das calças que
se vestiam ontem, no meio dos comandos da televisão, entre o rato e o
computador… sei lá, nas cómodas e incómodas, nos sofás e cadeiras de jardim “...
ah! espera aí… terá ficado no carro ontem à noite?”
E passamos em revista todas as
últimas horas da nossa vida (incluindo as do sono), revistas sem objecto à
vista.
Até que surge o uso ao último
recurso.
O telefone toca… e onde toca o
telefone será onde o telefone está. Eureka!
Começa, então, uma nova saga. Se
o salteador ou o procurador do telefone perdido está acompanhado, pede o
auxílio de quem o acompanha; se não está, mas tem a companhia de um telefone
fixo, serve-se deste.
Melhor é a primeira hipótese por
mais telefonicamente móvel.
“Empresta-me aí o teu
telemóvel”.
Vencidas as eventuais
resistências (“há coisas que não se emprestam..., não tens um?”, “tenho
mas não sei onde está… e é para o o encontrar”, “és sempre a mesma
coisa… nunca sabes onde pões as coisas”, e etc. e tal).
Assim preparados para a busca,
por mão própria ou marcação alheia, lá vamos marcando o nosso número, de ouvido
à escuta, escrutinando a casa toda à procura do som que há-de vir não se sabe
de onde, chamado pelo toque de um outro colega de telecomunicações.
A ver onde o telefone toca. Ou
melhor: a querer ouvir onde o telefone há-de tocar.
E, às vezes, corre-se a casa
toda, e o pequeno jardim e vai-se a outro móvel, ao automóvel.
E ele, o telemóvel desaparecido
ou escondido, acaba por aparecer. Com um som sumido, quase se diria tímido e
arrependido.
Nos sítios mais inimagináveis. No
meio da roupa da cama, debaixo do banco do automóvel, no fundo da algibeira de
uns calções que – julgávamos nós – não vestíamos há meses e experimentáramos
ontem, já meio-a-dormir, no vaso de flores a fazer companhia a um ramo ontem
apanhado para enfeitar a casa, no saco com que se foi às compras, num outro
daqueles sacos para meterem os jornais que queremos ler e onde metem tudo o que
ler não queremos, ao pé da comida do gato, entalado nas dobras das almofadas do
sofá, no meio de um livro… sei lá, nos sítios mais incríveis.
Quantos cantos e santos da casa já
descobrimos por toque e graça de um telemóvel perdido episodicamente, e
afanosamente procurado por chamamento sonoro?
São as maravilhosas aventuras do
tempo presente. Outras virão!
Sérgio Ribeiro
1 comentário:
Muito divertido e bem escrito. Gostei especialmente do tom tímido e arrependido com que o telemóvel, finalmente, se anuncia:)))))))
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