Amante
do desporto, em acepção boa do vocábulo, o jóvem era sportinguista ferrenho
embora não fanático. Como então o futebol também tinha férias, a que se chamava
defeso, no verão o interesse pelos acontecimentos desportivos centrava-se no
ciclismo. De que era exemplo o que acontecia lá por fora – isto era, por França…
–, em que o jornal L’Equipe organizava
o Tour para preencher o vazio
informativo de um jornal diário desportivo em país sem futebolistas a jogar e
sem negócios de transferências (e outros de outras espécies!) para encherem
primeiras páginas.
A
memória de quem foi esse rapazito traz-lhe a lembrança da ansiedade com que
acompanhava as etapas diárias da Volta a Portugal, as vitórias ao sprint do
João Lourenço, as escaladas da Serra da Estrela, o Alves Barbosa e o Ribeiro da
Silva, herdeiros dos históricos Nicolau (do Benfica) e Alfredo Trindade (do
Sporting).
Mas
com que dificuldades! Rádio não havia, televisão nem se sonhava, jornais só na
sede do concelho e com dias ou até semanas de atraso, sem transporte público
(nem privado) para tornar perto a légua de distância. O melhor – ou o menos pior,
visto a esta distância de tempo – eram os correios, um serviço público.
E
o rapazito, determinado e com a necessária resignação, lá fazia a pé o percurso
do Zambujal a Pinhel, à venda do ti’ Francisco da Reca, que tinha posto de correio,
levar e trazer a correspondência (como postais dos pais, quando o deixavam ao
cuidado da família de outro ti’ Francisco, este de Santo Amaro, em S. Sebastião,
ou da família do ti’Zé Alfaiate, ainda mais vizinha)… e do jornal de que fizera
assinatura, o jornal do Sporting. Também, quando calhava – e sempre fazia por
isso –, para se encontrar e cavaquear com os filhos da casa de Pinhel, o Zé, o
Quim, o Amilcar, e os vizinhos Moreira ou Flores (os “Bichos”), em S. Sebastião,
o Manel, o Chiquito, as irmãs Maria e Luiza. Se bem se lembra, todos sportinguistas.
Vá lá saber-se porquê, talvez por culpa dos 5 violinos…
Entretanto,
passaram anos (passam sempre, embora a velocidades sempre mais rápidos…), na
vila rasgou-se uma avenida onde veio avultar o edifício dos Correios, que ainda
se mantém como referencial. Tudo começou a ficar muito mais perto, com a ajuda,
primeiro da bicicleta, depois, do automóvel que já parece ter sempre feito parte da vida de todos nós.
Muito
foi acontecendo nos anos que nunca cessam de se suceder. O miúdo cresceu, e tem
veleidades que não só por fora. E aprendeu, aprendendo sempre. Andou, correu,
caiu e levantou-se na procura de caminhos de, ou para o, futuro. Crendo estar a
percorrê-los. Com os outros. Com todos, que de todos os caminhos são.
Abriu
uma estação de correios na Atouguia, sede da freguesia. Toda impante. E sempre
que lá tinha de ir – de carro, claro –, para fazer envios ou levantar avisos
deixados pelo carteiro porta-a-porta, o rapazito a em velho ser lembrava as
caminhadas até Pinhel e rejuvenescia com a satisfação cidadã de estar a dar
passos num caminho para o futuro que ajudara, infinitesimamente, a construir. Estava
a usar um serviço público cada vez mais ao serviço do público, do povo!
Triste
ficou, tristeza que confirmou quando até o remendo do serviço, que passara a
ser (em)prestado numa lojita da Atouguia, encerrou! Tem de ir a Ourém, ao vetusto
edifício da Avenida que ainda resiste, em risco de ser pretexto para um negócio
qualquer, desde que lucrativo e que encha os atafulhados bolsos dos accionistas
ditos investidores privados.
Sente-se, quem já velho é, a dar passos atrás.
Mantendo firme a certeza de que o caminho é de luta e em frente.
1 comentário:
Proposta: juntar este e tantos outros contos tão bem escritos num próximo volume a editar! Concordas???
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