INTERVALO PARA UM LÁGRIMA
De súbito, neste desfiar de
memórias, os dedos suspendem-se sobre as teclas e em vez de descerem para
continuar os contares e as contas deste rosário, antes de passarem pelo emaranhado
dos cabelos, retém-se nos olhos, a secar uma lágrima. Não das artificiais que o
muito uso começou a exigir, nem das reais que por vezes se soltam na comoção de
um momento.
Uma lágrima cá bem de dentro
e fundo. Ao lembrar gente e amizades ligadas ao que as recordações me trazem.
Têm os nomes do Zé Casanova,
do Herberto, do João Honrado, do João Lourenço, do Bino Peixoto, agora, há dias, da Isabel M.. Sim, têm estes nomes
de quem morreu, talvez a seu tempo embora sempre brutal surpresa.
Mas, neste
escrito, neste intervalo do que escrevo, são as mortes a destempo que me preenchem.
A do Flávio, e o seu telefonema do hospital para a Festa do
Avante!, a sua vida cheia de força, de esperança, de futuro que construía para si-e-os
outros, o meu neto de Somos todos netos
de Abril; a do João "Barrote", sempre discreto, sempre presente, sempre amigo, sempre como
que a apagar-se, um pouco perdido, solidário e solitário, quase diria desistente; a do Paulito, a vê-lo aqui em casa, na véspera das férias e da que se seria a sua última,
estúpida, viagem, com o seu entusiasmo contagiante, a falar de projectos, a exigir
ideias e trabalho… de teatro, pois de que havia de ser?
Às vezes, é difícil reter as lágrimas
que não se choram. Que ficam na garganta e que, ao serem lidas as palavras escritas, estrangulam a
voz.
Os dedos descem, tristes mas
resistentes, com destino a estas teclas. Para me continuar. Enquanto. E por eles. e por todos.
1 comentário:
Página belíssima!
Enviar um comentário