faz de conta que o que é, é!... avança o peão de rei.

...
o mistério difícil
em que ninguém repara
das rosas cansadas do dia a dia.

José Gomes Ferreira

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Brevíssimas reflexões à margem de coisas lidas

Se alguém está inquieto/a "pelos valores da liberdade e da justiça", estando (ou parecendo estar) indiferente à luta contra o que faz esta sociedade (este mundo prostituto) um "edifício" construído sobre a falta de liberdade e de justiça, ou é ignorante, ou é hipócrita , ou está a tentar não perder um lugarzinho no céu.
-----*-----*-----
A inovação - a novidade - não se procura, encontra-se, encontra-se ao correr da escrita que não pretende, à partida, ser inovadora - novidade -, ou não se encontra...

Aqui, na mesa ao lado

Aqui, na mesa ao lado, três,
à vez,
só falam negociês.
Nem dos filhos ou das mulheres,
(nem de gajas…),
nem de futebol,
nem de Jogos Olímpicos,
nem de jogos sem serem olímpicos,
nem de olímpicos sem serem jogos
nem de comida,
nem de bebida.
Nada de ócios,
só negócios!

Compro a tanto
vendo a tanto mais tanto

e, na opinião deste, o produto
logo o lucro na daquele,
e reage aqueleoutro
nem te conto
quanto fazem de desconto!,
até porque no mercado
o preço está marcado,
pois... com tanto imposto a pagar,
o que é preciso é facturar!

(embora por fora!, diz o outro)

Não há amigos,
nem parceiros, nem companheiros,
só há sócios, clientes e (indi)gentes

São jovens (ou têm a aparência)
E ouço-os, talvez com falta de decência,
e se, indecente, interviesse com o já escrito
ou apenas com um dito,
já sei que me diriam que estão a tratar da vida
e – afirmariam! – do futuro dos filhos queridos
… de que só então se lembrariam.

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Daniel Filipe - Pátria, Lugar de exílio - 1


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VII


Je dis à tous ceux que j'aime
Même si je ne les ai vus qu'une seule fois
Je dis tu à tous ceux qui j'aiment
Même si je ne les connais pas

Pelas tuas razóes
Prevert
e por outras...... também
trato por tu a quem amo
mesmo que seja o nosso primeiro encontro
e nunca mais...... talvez
nos voltemos a ver

Viajantes clandestinos
na pátria dominada em forma de navio
amamo-nos mesmo sem nos conhecermos
tratamo-nos por tu
tratamos por tu os que se amam
tratamos-te por tu...... a ti Prevert
sob a forma de poema
desta pátria-navio
o nosso amor visado pela Censura

Daniel Filipe

Daniel Filipe a aplaudir a entrega de uma taça
ao capitão da equipa de "solteiros" da Siderurgia Nacional
(o que poderia ter sido uma ilustração
de 50 anos de economia e militância)

terça-feira, 26 de agosto de 2008

Amor de uma noite

Tinha sido muito desagradável a conversa. Tensa e triste. O desencontro era evidente e irreparável.
Ele não abdicava da luta e dos seus riscos, ela (“não te chegou?”) não aguentava mais, e ia-se embora (“não vou voltar a sofrer o que me fizeste sofrer!”). Triste. Se quiseres, quando quiseres… sabes onde me encontrar, e como recomeçarmos”. Da irritação, das vozes em falsete, tinham passado à tristeza. Ainda afloraram um beijo.
Ele ficou na casa vazia. Vazio. Sem pensar. Deixando correr o tempo. Que somou horas.
Depois, sacudiu o torpor e saiu. Andou pelas ruas da noite até se ver a entrar num antigo poiso, o Ritz Clube. Subiu as escadas automatamente, sentou-se a uma mesa a beber uma cerveja, alheio ao que e a quem o rodeava. Assistiu, como se estivesse, sonâmbulo, num passado de há alguns anos, ao “strip-tease” feito pela mesma mulher, ainda mais envelhecida, que terminava o seu número com um archote a chamuscar-lhe os poucos pêlos ainda não queimados.
Saiu tal como entrara. Meteu-se num táxi que o levou a casa. À porta de casa. Hesitou. Voltar ao quarto agora vazio?
Ao ver o carro estacionado, resolveu adiar aquele regresso. Deu umas voltas e, com alguma surpresa, viu-se a passar à porta do Ritz e, logo logo ali, um lugar para estacionar.
Subiu, de novo, as escadas que quase todas e todos desciam. Chegou-se ao bar, pediu uma cerveja, e voltou-se para a sala fincando os cotovelos no balcão.
Uma mulher levantou-se da mesa onde estava, sozinha, num espaço a esvaziar-se, e aproximou-se. Estendeu-lhe a mão e pediu ajuda para subir para o banco alto. “Obrigada… tinha o pressentimento que ias voltar. Até recusei alguns clientes à tua espera…”. “… à minha espera?!”. “Sim. Há pouco, aí há uma hora, vi-te tão triste, tão desamparado, que decidi, sei lá porquê…, que a noite seria contigo. Queres vir?”. "Mas… onde?”. “Anda!”.
Foram. Para o quarto alugado onde ela vivia. Na Rua do Passadiço e onde (sublinhou!) não levava “clientes”.
Fizeram amor com “carácter de urgência. Conversaram sobre as vidas até o sono a vencer.
Já manhã adiantada, ele despediu-se dela com um beijo que não a acordou, e foi trabalhar.
Foi há tantos anos (décadas!) e nunca esqueceu aquela noite. E aquela mulher. Que nunca mais viu (ou com quem se teria cruzado na rua sem a ver), de quem nem sabia o nome a não ser este: mulher.

Esta estória é, toda ela, ficção (e do cordel). Toda… menos o Ritz, menos o espectáculo de “strip-tease”, menos a mulher, menos a Rua do Passadiço, menos (quase) tudo.

iconoclastias - 9

- Então adeus.
- ... aDeus!
- ... até ao meu regresso...
- ... que Deus o acompanhe...
- ... vale mais só que mal acompanhado...
- ... ai!... Virgem Santíssima...
- 'inda o é?

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

iconoclastias - 8

- V. que lê o Expresso viu a entrevista à Lili Caneças?
- Li, antes de adormecer…
- … e não lhe tirou o sono?
- Não… porquê?
- É que aquilo é um escândalo.
- Não achei nada de mais. Ri-me, e até achei piada aquela da dama ter sempre pago o 13º mês e o subsídio de férias às empregadas (bom exemplo, bom exemplo)… lá que a fulana é uma mitómana é evidente...
- … mitómana? aquilo é mas é um escândalo, uma imoralidade…
- … já vi pior em entrevistas…
-… pois eu não me lembro… num jornal desta credibilidade ou em livros?
- Pois, pois, em livros… então no que respeita a mitómanas (mitoirmãs) lembro o livro das “Duas entrevistas com a Irmã Lúcia”
-… hereje!
-… qual quê?! Iconoclas tias!

iconoclastias - 7

- ... nem ao menos um Padre Nosso?
- ... nada!... nem uma avémariazita...
- Que Deus lhe perdõe...
- Amen!

domingo, 24 de agosto de 2008

iconoclastias - 6

- Mas não acredita mesmo?
-... em quê?

sábado, 23 de agosto de 2008

iconoclastias - 5

- Então... (ar compungido, muito compungido)
- É verdade... descobriram-me um sacana de um cancro no cólon...
- Onde?!
- ... no intestino. Mas vamos dar cabo dele...
- Deus queira, Deus queira...
- ... e o médico ajude, não é?!

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

iconoclastias - 4

- ... não me diga... mas você é baptizado...
- Eu!?... fui, fui, baptizaram-me...
- Ah!... graças a Deus...
- Não foi, não!... foi graças aos meus padrinhos que eram dessas coisas!

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Histórias ante(s)passadas - 36

Um estória que ficou por contar. Como as cerejas que vêm umas a seguir às outras e, por vezes, uma parece que ficou para trás.
Andava eu no Pedro Nunes, então chamado Liceu Normal por nele se fazer, também (ao que julgo) a formação de professores, e que era um liceu “de elite” pela proximidade da Estrela e da Lapa, bairros de gente ligada aos meios políticos e económicos.
Era o liceu que nos convinha, por ser perto de casa, para onde ia a pé e muito facilmente (lembro-me das indicações do caminho a tomar para atravessar o mínimo de ruas possível, e as menos frequentadas por automóveis, então raros: subir a Rua do Sol, virar na Rua da Páscoa, atravessar a Rua da Arrábida, etc.). Mas também sabíamos que havia alguma selecção nas admissões.
Eu lá andava com “filhos de algo” e outros que nem por isso (tous les enfants sont fils de quelq’un, não é verdade Brel?), e do menino na escola da garotada do bairro popular passara a ser o garoto do bairro popular no liceu dos meninos. A fazer a aprendizagem das diferenças sociais, até chegar ao conhecimento da História, isto é, da luta de classes.
Acontece que um dia, não sei como, me vejo numa sala de aula em que, em complemento da cadeira de Religião e Moral, se fazia uma espécie de catequese, com prelecções e rezas pelo meio.
Eu estava estranho àquilo que ali se passava, e observava tudo procurando não “dar nas vistas”. Mas dei! No final, o padre que dirigia a aula, ou lá o que era, reteve-me e perguntou-me se eu sabia rezar. Claro que disse que não. “Nem um padre nosso ou uma avé Maria?”, “Não, senhor professor!”, “Prior, prior…, temos de ver isso… como é que te chamas?", “Sérgio, s’tor, perdão s’prior”, “És baptizado?”, “Acho que sim…”, “Temos de ver isso…onde é que moras, os teus pais vão à missa?, claro que não!, têm telefone?”...
E eu lá fui respondendo ao interrogatório e, quando cheguei a casa, ao fim do dia, contei aos meus pais. Preocupação. Disfarçada, mas preocupação.
Dias depois, o meu pai foi “convidado” a ir ao liceu. Sei que foi. Sei que se conteve para não partir a loiça toda. Lá terá dado as suas razões, e tudo continuou como dantes. Na aparência. E fez-me a recomendação de evitar ir a “coisas daquelas”… a não ser que eu quisesse, claro.

Diálogos (re)correntes - 7

(com ar pensativo, concentrado) - … tenho de ir tomar…
(interrompendo e metendo-se na conversa do outro “para dentro de si”) - … pois, pois, não te esqueças de tomar o medicamento…
- ... não é isso…
- ... ah!, não?
- Não. Estava a lembrar-me de ir tomar uma nota, num daqueles meus papelinhos de lembranças…
- Ah!... e sobre quê, pode saber-se?
- … não me esquecer de tomar o medicamento.

iconoclastias - 3

- ... estou a ver... saí-se ao quilómetro 115 da A1, passa-se a rotunda sul de Fátima... mas olha lá, não há maneira de chegar a tua casa sem passar por Fátima?
- Há, há!... graças a deus!
- Ainda bem, assim fugo ao trânsito e não tenho de dizer adeus à virgem... Ora diz lá...
- ... sais em Torres Novas, ou então em Leiria... são mais uns quilometrozitos... eu prefiro Leiria porque assim não perco o quilómetro 110 e a vista dos Castelos.
- Manias tuas!...
- Crenças, crenças!

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Histórias ante(s)passadas - 35

Passemos, então, aos fornecedores e representantes.
Uma verdadeira escola. De tudo.
A “casa comercial” do meu pai representava artigos de papelaria e correlativos, de diversa proveniência. Por isso, o meu pai estava muito relacionado com empresas do Norte, como a Vieira Araújo, (julgo que) & Companhia, Lª (Viarco), fabricante de lápis, pastas… e chapéus. Lembro-me de termos sido recebidos, familiarmente, em casa do senhor que dera o nome (e o resto) à empresa, com grande hospitalidade.
Mas, entretanto, um dos seus vendedores, com quem o meu pai tinha relações de amizade, Mário Lino, estabeleceu-se (naquele tempo não se falava em empreendedorismo e era bem mais são) e o agente comercial Joaquim Ribeiro passou a representar os produtos Molin. Acompanhei, miúdo atento, tudo isto e, não sei porquê, “cai nas graças” de Mário Lino e família, que até me levaram a passar na sua casa no Porto (na Rua do Almada) alguns dias que não esquecerei, Também porque, talvez para tentar compensar a hospitalidade, não tinha ainda 10 anos, quis fazer o mesmo que fazia em Lisboa: “ajudar”. E não é que teria ajudado mesmo num problema de importação de rolamentos, com a designação alfandegária de “acessórios de peças”?! Ficou na (minha) história…
Entre as recordações, lembro que nas suas idas a Lisboa, Mário Lino nos convidava a irmos ao cine-teatro Ginásio ver filmes da Marika Rök, artista emblemática da Alemanha nazi. Hoje, desconfio das simpatias que então haveria por aquele lugar e filmes… Simpatias que meu pai nunca partilhou, ele que assinou as listas do MUD e teve alguns problemas por ser ”oposicionista" (ou "não afecto ao regime" como escrevia a PIDE nas fichas) e pelo seu anti-clericalismo. Noutra estória contarei um.
Só mais uma referência com nome. Quando Américo Barbosa criou a sua empresa, a Âmbar, que veio a atingir dimensão apreciável (Complexo Industrial Gráfico, SA) houve negociações (a que assisti, como “colaborador”) para que meu pai o representasse.
Mas o meu pai era pouco de exclusividades, até porque acarinhava muito os seus próprios produtos. Blocos e papel de carta Ourém (claro!, com os castelos), blocos Miúdo e papel de carta Sergito, com a minha fotografia (a que está ali em cima) estampada.
Já fui marca! Há uns 60 anos…

iconoclastias - 2

- ... ó menino, essa palavra lá em cima, isso das ico-não-sei-quê-das-tias tem alguma coisa a (ha)ver com aquele dichote malcriado, asneirento, c'os meninos dizem da (ai, Jesus santíssemo...) ... da... "coisa" das tias?
- ... mais ou menos, mais ou menos, ó ti'Maria...
- ... ai menino, benz'ó Deus...

terça-feira, 19 de agosto de 2008

iconoclastias - 1

- Ah!... mora em Fátima... e é crente?, é devoto da Virgem?...
- Eu?!... deus me livre...

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Pequena crónica nocturna

Há pouco, ao jantar, ainda nos rimos com gosto.
Rimos… porque o jantar deixou de ser uma refeição em que abundem outros gostos. A partir de certa idade há que ser comedidos, isto é, atentos às comidinhas e, ao jantar, uma sopinha, umas coisas levezinhas para acompanhar uma fatia de pão, uma lasca de queijo, uma frutita e mais nada. É assim…
Acontece que, há pouco, ao abrir uma daquelas embalagens que se compram nas hiper-superfícies em finíssimas fatias, numa, de marca portuguesa ("nobre"),
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emperrámos com o nome do produto Naturissimos, que serviu de conversa-comentário, mas só para começo porque logo a especificação nos fez rir: Fiambre da Perna Extra. Só podia ser de animal macho e de que raio de sítio do animal se fora fazer o fiambre…
Embalados, íamos passar à outra embalagem, mas ainda vimos que este primeiro fornecedor, português e “nobre”, não só escolhera aquela parte da morfologia do bicho para fazer o fiambre como nos oferecia um novo prazer... Sim, senhor, muito sugestivo!
A outra embalagem era de presunto fabricado em empresa alemã, explicando tudo em português impecável, sobretudo que o dito presunto fora salgado à mão e, tão embalados estávamos com as mensagens das embalagens, que lemos que esse trabalho, à mão!, fora de 14 semanas de masturbação… quando deveríamos ter lido 14 semanas de maturação. E garanto que não somos lá excessivamente virados para a malandrice, nem sofremos daquelas obsessões que teriam apoquentado o senhor Freud e seus continuadores, seus discípulos e pacientes. Mas os homens e as mulheres não são de pau, e que rimos com gosto rimos.

domingo, 17 de agosto de 2008

Também quero esta "graça" do Barták, este checo que tem um humor que muito me diz, por aqui
... estou aprendendo para poder ignorar... (acabei de ouvir!)

Diálogos (re)correntes - 6

- … sobre aquela coisa de que falámos ontem…
- … ahn?
- … sobre aquilo de que falámos ontem…
- …ahn?... aquilo o quê?
- … aquela hipótese de irmos a bzzzzbzzzz...
- … ahn?... de irmos onde?
- … depois eu é que estou surdo... eu é que estou sempre a perguntar o quê…
- … eu não oiço porque tu falas muito baixo ou “comes” as palavras…
- … pois… quando não te oiço é porque eu estou surdo, quando tu não me ouve é porque eu falo baixo ou porque falo mal…
- … ahn?

sábado, 16 de agosto de 2008

pior que "andar à chapada" com um homem algemado é conversar com um homem alzheirmado

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Diálogos (re)correntes - 5

- Achas que é por aqui?
- (…)
- Saio agora ali?
- (…)
- As indicações em letras grandes ainda consigo… agora aquelas em letras pequenas, só mesmo muito perto…
- … então vai mais devagar quando te aproximares…
- … tu também!, dás umas boas ajudas dás…
- (…)
- E agora?
- Bom… agora, sai na primeira saída…
- Na primeira?... não será na segunda?…
- (…)
- Pronto… já nos perdemos…
- Pois…
- ahn?... estou mesmo a precisar de ir ao oculista... de lentes de ver também ao longe, das progressivas…
- Olha que é a A8…
- ... mas já estamos na A17, inda vamos parar à Figueira…
- … sai já na primeira…
. … já?...
- … era para ser… temos de recuperar a saída para a A1.
- Para a A1?!
- Sim! Para a A1, como se fossemos para Fátima, está nas letras gordas…
- Quais?
- Aquelas…
- Ah…
(travagem a fundo)
- Já viste este gajo? Ele há cada um… meteu-se mesmo à frente...
- Grande sacana… safámo-nos desta…
- … deste, deste!... era um homem ao volante...

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Numa esplanada da Avenida de Roma

Esplanalmoçando na Avenida de Roma:

  • De repente, começo a ver a passar a “fauna” da Avenida de Roma, gente da “fundação” das “avenidas novas” (que já foram novas… e eu bem me lembro delas quando novas eram). Gente, como eu, com tantas décadas em cima! Querendo manter frescura. Carnes mal contidas, balouçantes. Que abundam, que desbundam.
  • Olho mais em frente e mais perto, e pergunto: «E tu? Como é que te manténs tão… viçosa?!», «Ora… são os teus olhos…», «… também são, mas não são só… e não é apenas relativo…», «Pois… também para isso me esforço…», «Eu sei… e às vezes espero, irritado mas calado... porque vale a pena», «…então porque dizes sempre aquela graça alentejana atão porque nã ficas?...», «Para ser engraçado… porque é mentira… aliás, não precisavas…», «Pois…»
  • Na mesa ao lado, assentam(-se) três nativos (das “avenidas novas”, da “fundação”). Estão em casa. Falam alto. Demais. Eu ouço-os. Que remédio… Diz a nativa do trio: «Sabem do que é que eu tenho saudades?...». Contenho a gargalhada que me trouxe a lembrança do título do livro do Rubem Fonseca E do meio do mundo prostituto só saudades (ou era amores?) guardei do meu charuto.
  • E lembro, agora, outro título do mesmo Rubem Fonseca Pequenas criaturas.
  • O almoço na esplanada da Avenida de Roma foi agradável. E não foi. Ou não foi tanto como podia ter sido.

Poemas cucos...

Ainda lembrando e homenageando o Torga
… e hoje, e hoje?

Apetece-te chorar?... não cales o choro!
Apetece-te cantar?... então canta!
Não há mordaça para o povo
nem para o pranto nem para o canto.

Apetece-te fugir?... daqui ninguém foge!
Apetece-te gritar?... então grita!
Não há medo nem algemas, hoje,
nem para o grito nem para a luta.

Apetece sonhar? Pelo sonho vamos!
Apetece viver? Eia... vivamos a fundo!
O futuro com vontade levantamos,
... e anda um espectro pelo mundo.

Oh! malditos deste tempo que vivemos,
coveiros com enxadas douradas,
nada impedirá a vida que não temos,
e venceremos as angústias paradas!

terça-feira, 12 de agosto de 2008

12 de Agosto

Apetece cantar, mas ninguém canta.
Apetece chorar, mas ninguém chora.
Um fantasma levanta
a mão do medo sobre a nossa hora.

Apetece gritar, mas ninguém grita.
Apetece fugir, mas ninguém foge.
Um fantasma limita
todo o futuro a este dia de hoje.

Apetece morrer, mas ninguém morre.
Apetece matar, mas ninguém mata.
Um fantasma percorre
os motins onde a alma se arrebata.

Oh! maldição do tempo em que vivemos,
sepultura de grades cinzeladas,
que deixam ver a vida que não temos
e as angústias paradas!

Miguel Torga (101 anos, hoje)

Um dos poemas que - para mim - melhor "retrataram" um tempo que vivi, de angústias paradas.
E hoje, e hoje?

Diálogos (re) correntes - 4

- Que chatice, não me lembro se já tomei o medicamento do meio dia… por acaso não reparaste?
- Eu?! Tomara eu não em esquecer dos meus…
- Podias ter reparado… e agora?
- Estava a brincar… Agora, ou não o tomas e já tomaste e tudo certo, ou não o tomaste e tomas e tudo certo, ou o tomas e já o tomaste e tomas duas vezes, ou não o tomas e não o tomaste e ficas sem o tomar…
- Estás mesmo com muita graça… não tomo!
- Não tomes… eu, como é domingo, estou de folga. A minha especialista de dislipidemias, dados os bons resultados, disse para não tomar medicamentos ao domingo.
- Boa! Mas não sabia que agora tinhas uma… como é que chama essa médica?... uma médica para as dislexias?…
- Quais dilexias?!... é para o colestrol.
- Ah! Esse não tenho… por enquanto!

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Histórias ante(s)passadas - 34

Em "nome do pai" se escreveu a última história ante(s)passada.
E não havia a intenção de continuar a “fórmula”. Mas parece que algo começou com ela. A estória da vida de um homem que nasceu ao acabar o século XIX, numa pequena aldeia, e dela partiu, homem feito, com bagagens e “armas” - uma que era , então, muito valiosa (e rara), a quarta classe - e se “fez a si próprio”, e levando consigo, no mais fundo de si, o prolongamento das raízes de aqui.
Antes disso, ainda por cá andava em 1917, pelas cercanias e a olhar para azinheiras, particularmente em Outubro desse ano…
Em Lisboa nos anos 20, começou a trabalhar duro. Mas sempre com grande disponibilidade para se “ambientar”, para continuar a estroina para que tanto treinara na “Aldeia”, na Vila Nova.
Especializou-se em papéis e seus artefactos. Na Gomes & Rodrigues (Caneta de Ouro, no Largo da Estefânia), na Papelaria Fernandes (no Largo do Rato, e de que era dono, ou sócio, Agostinho Lourenço, director da PVDE). E o senhor Joaquim Ribeiro fez, ao que consta, brilhante carreira profissional. Apesar das noitadas, e dos patrões…
Quando vivia em quarto alugado perto do Rato, na Rua de S. Bento, procurou relacionar-se com – ou catrapiscar – as raparigas daquele tempo e daquelas paragens, com uma aura de solteirão (aos 30 anos!) e bastante atrevidote. Ao que parece, começou por se “interessar” por uma louraça divorciada (ou por uma divorciada louraça, vá lá saber-se...) que morava na Rua do Sol ao Rato, mas por funfuns e gaitinhas, caiu na rede da mais novinha das três irmãs, da inocentezinha, da “sonsinha”, da Judite. E para casamento! Aos 35 anos, o que era então considerado idade provecta. E não estaria, talvez…, nos seus propósitos e modos de vida.
Lá assentou. Sem ter de todo renunciado a umas saídas nocturnas…
As raízes levadas do Zambujal, marcavam muito a sua organização de vida. Frequentava e vestia-se na alfaiataria Lemos, na Rua Augusto, de um amigo de Alburitel, só comprava camisas e correlativos na camisaria Trezentos, no Chiado, de um amigo de Caxarias, só cortava o cabelo, morasse onde morasse, no Nunes, da Rua Luciano Cordeiro, de um amigo do Alqueidão. (E, quando chegou e enquanto teve idade, lá ia este cronista à Luciano Cordeiro cortar o cabelinho, fazer provas de fatos e de capa e batina na Rua Augusta, comprar gravatas no Trezentos do Chiado…)
Em 1939, Joaquim Ribeiro tomou uma importante decisão: estabeleceu-se. Não de porta aberta mas, como está averbado no BI que ilustra esta estória e que, aos 43 anos anos era… ,"válido perpetuamente", como “agente comercial”, representante de “fabricantes e negociantes”.
Deles se falará. Bem como, claro, dos frutos que deram aquelas bem cuidadas raízes.

domingo, 10 de agosto de 2008

diálogos (re)correntes - 3

- Olha lá, a mim parecia-me que o melhor seria bzzzbzzz…
- … o quê?
- Estás cada vez mais surdo…
- … o quê? Não estou nada. Tu é que estás a falar voltada para esse lado…
- Pois estou… mas estou a falar alto e bem explicado…
- … o quê?‘
Tá bem, pronto, estarei a ficar surdo. Mas estavas a dizer o quê?
- Eu?! Sei lá…
- (…) ? (…)
- Ah! já sei... era daquele caso dos bzzzbzzz…
- … o quê… dos quem?
- ‘Tás a ver?
- … o quê? Se estou a ver? Não, não estou é a ouvir-TE... Era daquele caso dos Sousas?
- Vês?! Ouviste! Já apanhaste foi o vício de perguntar sempre… o quê?
- O quê? Eu?!

Diálogos (re)correntes - 2

- Onde é que eu pus?... mas onde é que eu pus?...
- (…) ? (…)
- (…)
- O quê?
- O quê o quê?
- … o que é que tu não sabes onde puseste?
- … sei lá!

sábado, 9 de agosto de 2008

Histórias ante(s)passadas - 33

Não se vai entrar em piruetas esotéricas ou malabarismos espíritas, mas esta estória vai ser contada… em nome do pai.
É que se tem andado por aqui a dizer coisas dele, nem todas agradáveis, e isso do direito de resposta, ou da presunção da inocência, serve para todas as circunstâncias.
E as circunstâncias têm que se lhe diga. Alguma coisa vai ser dita, em nome do pai, usando-se o discurso directo.

Nasci em 1898, como o meu filho gosta de dizer, precisando a data (21 de Janeiro), quando mostra o quarto da “mansão” em que nasci e onde ele vive agora (fez algumas transformações e acrescentos que francamente… mas adiante… fica para outra ocasião).
Cresci por aqui, fui à escola (o que era raro), fiz a quarta classe (o que mais raro era, e me obrigou a ir a Tomar fazer exame), puseram-me na mercearia dos Souzas como marçano-aprendiz. Aprendi. E arranjei amigos. E andei na estroina. Era o “Jaquim da noite”.
Fui o possuidor da 2ª ou 3ª bicicleta do concelho e, com as deslocações, as noites perdidas (ou achadas) e toda a estroinice, apanhei “uma fraqueza”. Recolhi a casa. Com gemadas e descanso, curei-me. E também me safei da pneumónica e outras epidemias...
Voltei “à Vila” para trabalhar. Fui ajudar o Barão de Alvaiázere que fazia de notário e, depois, arranjei um emprego na Câmara, num lugar de “encarregado de posto fiscal de Carvoeira para cobrança e fiscalização do imposto ad-valorem” que acumulei com “o lugar de zelador municipal”, como se vê no Diploma de funções públicas. Passei a ter “uma remuneração pela percentagem que fôr fixada de forma a ficar com um ordenado não inferior a 100$ mensalmente e o seu quinhão nas multas que aplicar como zelador”.
Tive de assinar uma Declaração de compromisso em que “Eu, abaixo assinado, afirmo solenemente, pela minha honra, que cumprirei com lialdade (sic) a Constituição da República e as suas leis, e desempenharei fielmente as funções que me são confiadas”, parecida com as dos presidentes da República…
Não gostei. E, pouco tempo passado, pus-me a caminho da capital. Tive de me fazer a mim próprio. Nas circunstâncias que nos fazem. Podia ter-me feito melhor, é verdade, mas também acho que não foi nada mau. Fui um “homem às direitas”. Perdão… à esquerda, como corrigiria o meu filho.
Tenho dito! Embora tenha muito mais para dizer…

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Croniquinha (no) "expresso"

Só quando não pode deixar de ser é que vou a Lisboa – ou a outros lugares – de carro. Por isso, de há uns anos para cá, estou a viajar muito de “expresso”. Ou de “caminhêta” como gosto de dizer.
Sei quantas horas são de viagem, e programo-a. Instalo-me, com o(s) jornal(is), com o(s) livro(s), com o caderninho de tomar apontementos (para crónicas, por exemplo). Quando tenho a sorte de ter um lugar vazio ao lado do meu – e, neste caso, muitas vezes tenho sorte... –, faço desse banco vago uma espécie de secretária.
E são viagens produtivas, para mais de ida-e-volta. Até dá para fazer, ou tentar fazer, sudokus.
Nesta última, porque tinha umas coisas para pensar, reduzi um bocado o programa e, às tantas, estava com os olhos na paisagem, e dei uma volta pela vizinhança.
Confirmei algo que já me tinha chocado, embora só de raspão, nas anteriores viagens. Nem um livrinho nas mãos dos meus e minhas companhias de viagem, Nem um jornalito (e agora há tantos que são “de graça”). Nem uma conversazinha com o vizinho do lado. Nem a olharem para a paisagem. Nem… nada. Todos e todas com os olhos no vazio. Nalguns casos, dormindo ou dormitando.
Só, lá de vez em quando, um toque de telemóvel e um falar sabe-se lá com quem, sabe-se lá de onde, sabe-se lá para onde (nem quero saber!...)
Tudo a pensar!
Muito pensa esta gente! Mas em quê? Decerto na(s) vida(s). Não (ainda…) sobre o que fazer para mudar esta vida.

Histórias ante(s)passadas - 32

É preciso não exagerar nisto dos “narcisos”. Neste blog e série, como em tudo e sempre, deve estar-se em auto-crítica. Estas histórias ante(s)passadas estão a tornar-se as minhas estórias de mim-antepassado-de-mim. Não pode ser!
E já que se contou uma estória sobre carros, e a novidade, a surpresa, o acontecimento, que eram nesse antigamente, acrescente-se um contar em que, um dia, uns anos mais tarde, um carro chegou à aldeia. E pela aldeia (em dia de festa da padroeira...) ficou umas boas horas, já não tão novidade, tão surpresa, tão acontecimento.
Era um carrito com uma certa idade, dos que se dizia em “segunda mão”, quando, por vezes, tinham sido de muito mais mãos depois da segunda. Mas à aldeia chegara, são e salvo, e ficou umas horas a recuperar para o regresso. E aí é que a porca torceu o rabo, ou o chamado motor de arranque não quis fazer jus ao nome… não arrancava.
Começaram as manobras usuais em tais situações. Ainda era do tempo das manivelas, e várias voltas foram dadas à manivela. Nada. Nem pio.
O carrito estava ali, na estrada, parado, com ar tristonho, e começou a juntar-se gente vinda da festa, tanta ou mais que aquela que se juntava, anos antes, por ser o carro novidade, surpresa, acontecimento. E por andar! Agora, a novidade, a surpresa, o acontecimento, era o carro não querer andar.
Os por ele transportados, se ele andasse…, e antes de todos o putativo condutor, deram mais umas voltas, ao carro e à manivela, abriram-lhe a bocarra do capot, espreitaram-lhe para as entranhas como se diz que os bois olham para palácios, e estava-se nisto, com acompanhamento crescente de gente, quando se aproximou um outro carro, parente do que estava parado… mas o que vinha, vinha a andar.
Com a solidariedade (então) habitual, o condutor-que-conduzia afrouxou, parou, e fez a pergunta sacramental para o condutor-que-queria-conduzir, “é preciso alguma coisa?”.
Logo um vizinho, que se tinha junto ao ajuntamento, nem deixou o interpelado responder. Com grande sagacidade e poder de síntese disse, em jeito de aparte desdenhoso, “é preciso é!, é preciso um carro novo…”.
Esta fala terá metido o carrito em brios e, perante nova insistência acrescida com uma qualquer recomendação, só para se mostrar prestável…, da parte do condutor do outro carro, o motor estremeceu e “pegou” (assim era uso dizer…), e o carrito mostrou-se disposto a encetar a viagem de regresso. E fê-la!
Às vezes, há maldizeres que vêm por bem…

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Diálogos (re)correntes

- O que é que eu estava a fazer?
- …!!?!!
- Ah! já sei… estava à procura dos comprimidos para a memória…
- Então… se te lembraste, já não precisas deles…
- Que gracinha… o pior é que não sei onde é que eles estão…
- … sendo assim, sempre precisas dos comprimidos … a propósito, não sei onde estão os meus óculos..
- Ah, não? Olha, quando os encontrares, liga para o meu telemóvel para ver se, pelo toque, sei onde pus o meu…
- Era bom, era… sei lá do meu telemóvel…

Histórias ante(s)passadas - 31

Esta é a estória de uma frustração. Ou de um violinista perdido. Ou de um violino que não saiu da caixa… nem da loja. Ou de como se ganhou alguma aversão à música.
Então, foi assim:
Na Rua do Sol ao Rato, no número 85, moravam três donas-de-casa, como naquele tempo havia. Moravam lá mais, mas estas três davam-se entre si, ainda que não fossem primas embora duas irmãs fossem. A minha mãe, a D. Judite, a minha tia Ermelinda e a D. Laura do 2º esquerdo.
Todas três tinham um filho. Filhos únicos os três. O Armando, mais conhecido por Armandinho porque o pai Armando se chamava, o Zé Luís, que por aqui tem andado, e este que daqui não sai. Os três com pequenas diferenças de idade, apesar de, naquelas infâncias, um ano e meio ser muito ano.
Por iniciativa da D. Laura, se me não engano, as três donas foram com os respectivos rebentos a uma escola de música, ou a um professor de música, que havia ali ao elevador de Santa Justa, cá em baixo.
Os meninos fizeram provas para avaliação de jeito e vocação, e o dito professor, com pouco sentido pedagógico, veio dar o veredicto na presença dos avaliados. O mais pequeno, que era eu, tinha jeito, mesmo muito jeito, o maior, o Armandinho, tinha jeitinho, o do meio nem por isso. Embora recomendasse continuidade para todos.
Regressados os 6 a penates, reuniram os plenários das três famílias, o do 2º direito reduzido por razões conhecidas à tia Ermelinda e ao Zé Luís, com frequentes deslocações ao número 77, onde moravam os nossos – do Zé Luís e meus – avós (acho que neste caso não, porque havia outras prioridades para pedidos de ajuda).
No rés-do-chão direito, a reunião começou com a informação sobre as potencialidades violinisticas do menino presente, com audição satisfeita mas muito cautelosa do dono-da-casa. “E então?”, perguntou este. A dona-da-casa reiterou o que já dissera (para dar força…) e completou “O professor diz que o Sérgio tem muito jeito… agora era preciso comprar um violino”. Resposta seca, e (penso eu!) nada satisfeita: “Ah! tem?... nós é que não temos dinheiro para violinos!”.
Assim se acabou uma não iniciada carreira de músico, e talvez tenha nascido alguma alergiazita a essas coisas. Que depois passou, apesar de ter ficado o trauma.
Ah!, o sr. Armando comprou um violino para o Armandinho e ele foi por ali fora a violinar até fazer todo o Conservatório. De vez em quando, dava-nos "recitais", mas mais de viola, em que era contumaz. Tanto que os outros estudos se quedaram muito cedo. Com grande desgosto da D. Laura. Tudo tem os seus custos.

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Histórias ante(s)passadas - 30

Esses tempos antes passados eram difíceis para os jovens. Eram-no para todos, mas eu lembro-me de quando era jovem, ou até mesmo muito jovem. Também me lembro de quando já era homem feito (ou mais ou menos...), mas as dificuldades passaram a ser outras. E já menos antes passadas. Passei por boas, passei…
O facto é que o meu pai (lá volta ele “à baila”!) era um bocado “forreta”. Ou era-o para mim, que para os amigos – e para outras coisas – era um “mãos largas”.
Concluído o 5º ano, e não querendo ser nem advogado, nem médico, nem engenheiro, nem professor das letras ou dos números, por exclusão foi decidido que iria para economista, para o que só dava saída a alínea g). Que não havia no Pedro Nunes, mesmo ali ao pé casa, onde fizera o 5º ano. Só no D. João de Castro (nunca percebi porque que é que o João de Castro era dom e o Pedro Nunes não, ainda por cima foi este que descobriu o nónio!) Mas adiante…
O meu pai dava-me, à altura, vinte e cinco tostões de semanada.
2$50, uma miséria! Com a ida para o D. João de Castro passou a ter de acrescentar, como despesas de transporte, 4 viagens diárias de autocarro (deviam ser só duas, mas a minha mãe e eu lá o convencemos que era melhor serem quatro para poder vir almoçar a casa se houvesse umas abertas…), a 1$50 cada uma, na carreira 22 até ao Alto Santo Amaro: 6$00 por dia!
Depois, quando comecei o ano com esse orçamento, após alguns estudos e viagens experimentais e exploratórias, assentei num itinerário: levantar-me meia hora ou três quartos de hora mais cedo, ir a pé do Rato até Santos (fazia bem à forma física), a tempo de apanhar o eléctrico “carro operário”, fazer a viagem no meio do proletariado até à estação de Santo Amaro, subir a pé a calçada, e estar bem a tempo das aulas que começavam às 8.30. 1$10 e ida e volta! Para almoço, havia sandes e uns subsídios maternos e maternais.
Uma poupança de 4$90 por dia! Uma fortuna, a somar aos míseros
2$50 do fim-de-semana.
Assim comecei trabalhos práticos de “economia” e entrei para a “classe operária”! Acho que me fez muito bem, e não estou nada arrependido.

terça-feira, 5 de agosto de 2008

Histórias ante(s)passadas - 29

O automóvel é um “bicho” que nos ensina muitas coisas.
Apesar d’isto andar tudo ligado, vou tentar não baralhar os “blogs”, não trazer para aqui matéria lá do outro, aquele do “materialismo histórico”, e contar uma história ante(s)passada, embora esta estória pudesse bem ilustrar um episódio do tal blog onde ando a meter os pés pelas mãos, a tentar explicar porque é que tudo começou quando andar com as pernas e os pés nos libertou as mãos, e as mãos desataram a agarrar ramos e pedras e coisas assim que estavam… à mão.
Depois das pernas, foi a roda, depois da roda foi o motor, depois foi o registo da “invenção” (em 1883), e o ser humano começou a deslocar-se em cima de quatro pneus e com um tubo de escape de fumos…
Há muitos anos? Não, senhor. Isto digo eu… embora, a maioria e, sobretudo, para esses nascituros dados à luz numa ambulância à procura de maternidade, um auto-móvel seja, decerto, coisa que sempre existiu.

Após o casamento dos meus pais, ainda noivinhos, tão noivinhos que sequer me tinham concebido (embora já estivesse lá nas cabecinhas deles…), um casal amigo que tinha a extraordinária novidade de ser dono de um carro, resolveu oferecer-lhes um passeio. Uma “aventura”! Fazerem três horas de caminho andado e mais as muitas paragens para meter água (e verter águas), e virem todos até ao Zambujal!
Não terá sido (sei lá…) a primeira vez que um carro subiu esta estrada que hoje até tem toponímia e números ditos “de polícia” (para quê?), mas foi, com certeza, das primeiras vezes. E pôs a aldeia e arredores em alvoroço.
Veio toda a gente que não estava a labutar longe nos campos ver que coisa era aquela, dizer oh!, tocar-lhe (a medo!). Depois, colocaram-se a jeito para a fotografia (outra coisa estranha…) dos noivos em cima do pára-choques, todos a viverem… um acontecimento histórico!
Foi ontem! Pois se ainda não fez 80 anos, quando nós – sim, nós! – temos séculos de séculos…

Histórias ante(s)passadas - hors serie ou making-off

Diálogo (com intromissões finais) entre Sérgio “Narciso”, jovem universitário, e o doutor “Narciso” Ribeiro, economista e professor reformado, em que este interpela o outro (que, como diz o poeta, sou eu).
“N”R – Olha lá, ó rapazola, ando p’ráqui a contar histórias ante(s)passadas de há 50 e mais anos,ilustradas, e, à procura de fotografias nossas, aparece-me esta:
Estás cá c’uma pose!
Nem sei se a aproveite. ‘Inda nos vão acusar de narcisos…
S”N” – Olha quem fala. Ainda há dias andou vocência aqui pelo computador a mirar-se em fotos que lhe tiraram ao sair da piscina…
“N”R – A mirar-me?! Q’é que queres dizer com isso, ó puto impertinente?
S”N” – Sim, senhor, a mirar-se. Essa foto em que “avaliavas” o físico (foi nome que lhe deste!) e, depois, até imprimiste com um texto com alguma piada.
“N”R – Ah! Esta?







S”N” – Sim, essa. E até a retocaste e tudo…
“N”R – … retoquei, nada! Recortei…
S”N” – … pois… por forma a não se ver o “pneuzito” e tal.
“N”R – Q’ais “pneu”?!, q’ais “pneu”?! O que eu escrevi foi “Oh p’a mim! no 73º verão do meu contentamento depois de porradas mais que muitas e de alguns sustos”. Mas era só para mim (e para ela…).
S”N” – Pronto, pronto. Vá lá que não falaste na “moldura grisalha”!...
“N”R – Vá lá maz’é de piadas políticas. O importante é que, como se vê, estou muito melhor que tu…
S”N” – P’rá idade, p’rá idade!... e outros meios técnicos...
“N”R – ... prás idades, p’rás idades, queres tu dizer… e não ando a fazer ginástica lá pelos sportingues e a jogar futebol todos os dias... ah! se não fosse este joelho esquerdo!...
(voz feminina vinda do lado) – Eh lá… vocês que estou daqui a ver e a ouvir. Vocês são é iguais um ao um, ou, como dizia o poeta, eu e o outro-eu. Enxerguem-se, narcisos!
S”N” e “N”R (em uníssono)– Narcisos? Olhem-me p’ra esta, olhem quem fala. Quem é que andou por aí a fazer fotos para o Playboy das sessentonas, toda descascada, quem foi?
(voz feminina vinda do lado) – E depois?... não foram publicadas, nem nunca o serão, e vocês ambos-o-um estão com essas fitas só para pôr as fotos à vista do público!...

(CORTA, que já chega...
e publique-se)

Exercício pró em prol

Exercício pró-literato
em prol do meu "
mano velho"
(concebido quando lavava a loiça
e agora aqui parido)

Há quem,
áquem da morte,
apenas sobreviva
(penosamente e blasfemando contra anestesistas incompetentes)
em consideração da falta que faria
aos que a ele sobreviveriam
(nesse número me incluo, meu sacana,
toma lá a porra do "ferro")


3 de Agosto de 2008

sábado, 2 de agosto de 2008

Histórias ante(s)passadas - 28

De vez em quando, escrevo como se o que estivesse a ser escrito fosse para ser lido pelo meu pai. Já disse isto… talvez até aqui… Como, em certas ocasiões, e sobretudo cá pelo Zambujal, tenho vontade de conversar com ele, de lhe contar, a ele, o que me está a acontecer e como vão as coisas. E sinto a sua falta. Não a de há 30 anos, desde que morreu, mas a de sempre. Porque, ao fim e ao cabo, parece que nunca conversámos com quem – e o que – devíamos ter conversado.
Emigrante em Lisboa, partiu deste Zambujal rumo ao “comércio da capital”, depois de “estágio” na “Aldeia” (a "Vila" era lá no alto, nos Castelos), tinha princípios arreigados. Que se resumiam a trabalhar muito e a ser honesto, a não enganar os outros, a cumprir os compromissos, a falar verdade. Seu filho único, quis que crescesse com essa “cartilha” (ou “código”).
Não que fosse um homem sem mácula. Longe disso. E nessas regras que me queria inculcar abria excepções para si, como no caso dos “outros” a não enganar não incluir a “outra” que era a minha mãe… Choca-me, hoje, o que tarde me comecei a aperceber e a tomar consciência: uma perspectiva de vida maculada de machismo. Mas não o culpo, nem o condeno. Transportamos séculos de séculos de relações de que só lentamente nos libertamos.
Mas – então? –, há ou não estória para contar?
Há.
Além de ter, ali a espreitar-me, uma “pasta de mostruário” para o caso de eu chumbar mais que um ano escolar, logo que aprendi a fazer contas, fui “promovido” a seu ajudante. Enquanto “aviava encomendas”, ia-me ditando e eu passava as guias de remessa ou as facturas e fazia as continhas todas. Habituei-me, aliás, a fazer cálculos "de cabeça” com grande rapidez, e fico escandalizado quando vejo que hoje, para se somar 2 + 2, se usam máquinas de calcular… E também comecei a acumular dúvidas que mais tarde Bento de Jesus Caraça , no seu livro, me explicou, sobre o sistema decimal e as dúzias e as grosas. Mas a estória – finalmente! – é sobre resmas, que são do sistema decimal (100 cadernos, ou 20 “mãos” ou 500 folhas).
Num concurso para o fornecimento a serviço do Estado de resmas de papel para máquina de escrever, o meu pai concorreu por sugestão de um amigo. Fez-se a proposta – eu participei nos cálculos – e esse amigo veio “ajudar”, dizendo quais as da concorrência e propôs que o meu pai substituísse a dele por uma de mais baixo preço. O meu pai disse-lhe que era impossível, que assim perdia dinheiro, mas o outro argumentou que seria fácil se, em vez das 500 folhas, cada resma levasse só 400 ou pouco mais. E acrescentava que ninguém iria contar – isso assegurava ele, que estava "por dentro"! –, que era o que os outros faziam, e mais... que depois havia lucros a repartir entre eles os dois!
O meu pai quase o expulsou de casa, acho que além do concurso perdeu um amigo, e fez do caso um “conto moral”, à Eric Rohmer.
“Cão que ladra não morde”, diz-se por cá
a dentada vem dos que mordem pela calada.

Um provérbio chuana (do "Transvaal ocidental"), lá à maneira (e com os bichos) deles:
“O leão que mata é o leão que não ruge, é como o dinheiro que silenciosamente nos estrangula.”
Há dias em que se envelhece muito mais que muitas 24 horas.