faz de conta que o que é, é!... avança o peão de rei.

...
o mistério difícil
em que ninguém repara
das rosas cansadas do dia a dia.

José Gomes Ferreira

quarta-feira, 30 de julho de 2008

OBsCUROS - 3

As azinheiras
e eu a vê-los passar...
Outrora era assim.
No cimo das azinheiras apareciam virgens a pastorinhos que às suas sombras se acolhiam.
Outrora, mas mais cerca, de azinheiras que não conheciam a idade se serviram para Grandola cantar e para ser dado o sinal de avançar.
Hoje, assim seria se azinheiras houvesse e pastorinhos à roda delas a crescer (e virgens para aparecer),
e hoje assim seria se Zeca azinheiras cantasse para que o povo mais ordenasse (e não ordenhado fosse...).
O que vale é o que está em stock... Além da bem-aventurança da descoberta dos coletes amarelos com riscas laterais, que a legislação impôs para os condutores em “panne”, e que foram adoptados pelos peregrinos em trânsito. Pelas vias, e à margem das vias, e fora das vias. É um ver se t'avias. (o que vale é o que há-de vir!)
Desordenados nos caminhos, ordenhados no destino.
Todos e todas de amarelo riscado. E alguns de cajado.
Ah! as massas...
Quando a rebelião das ditas?
14 de Maio de 2006

OBsCUROS - 2

Auto-retrato em premonição?[1]
Daqui, vejo alguns camaradas mirrados, minados, roídos pela doença, vivos mas já com o visto para a última viagem.
Os cabelos ralos, a pele amarelada, os olhos baços, as mãos descarnadas, agarrando os minutos, os segundos do tempo que foge.
Uma respiração com esforço, um sorriso triste, o olhar fugidio. Um olhar vidrado, ainda não vazio mas um olhar de medo, de angústia, de pânico.
No Partido até ao fim. No Partido lutando as lutas todas. Também a sua contra a morte.
26-28.11.2004 (congresso do PCP nos Dias Incomuns)

01.02.2005
Os primeiros dias. Os primeiros dias do resto da nossa vida. Os dias (ainda) lúcidos. Os dias de lucidez madura antes do apodrecimento. Os dias de lucidez que magoa até à dor física (que alguns chamam enxaqueca). Os dias de fronteira. Da fronteira que não se sabe quando se atravessa, mas que se sabe que se atravessou ao vermo-nos no outro lado, ou ao serem os outros a verem que do outro lado já estamos.
Dias de ainda. Que são, também, dias de agora. Os primeiros dias do resto da nossa vida.
&-----&-----&
“Isto está de resto”, dizia o meu pai.
Primeiro com ironia, depois com angústia. Dias de ironia que em angústia se vai tornando. Com a necessidade de fazer boa cara à má fortuna. Que, no fim das contas dos dias, é a fortuna que temos e boa é porque é a única, porque é a de estarmos vivos. E a boa cara é a do riso irónico, do ritus da lucidez que (ainda) não se perdeu. Lucidamente fugindo (ainda) à angústia que aí vem e já por ai anda em visitas rápidas mas cada vez mais frequentes.
(começo de os primeiros dias)
____________________________________________
[1] - sem o saber, já com “o bicho” cá dentro, cujo de “cá de dentro” foi extirpado... desta escapei!
----------------------------------------------------------------------------------------
(papéis encontrados ao acaso e que "me pediram" para ser publicados... aliás também já estava farto de ver a Marisa ao telefone!)

segunda-feira, 28 de julho de 2008

Com toda a franqueza...

Isto é mesmo com franqueza, franquezinha: tinha necessidade disto?!
E é que nem a identificam... aquelas letrinhas ali ao lado, ao alto, são sobre a taxa de juro e o euribor. Com franqueza... até me custa ouvi-la!

CLAR&VIDÊNCIAS - 3

Será que?

Será que perdi a alegria de viver?
(mais que grave, seria dramático!)

Será que já não sei (deixei de saber) rir?
(será que alguma vez soube?...)
Será que conviver perdeu significado,
a definição dicionária de viver alegremente com?

Não!
Não é isso.
Estou é (um pouco) cansado,
e em fase de não aguentar conversas à toa,
opiniões sem sentido ou de sentido contrário
(não às minhas mas ao que resulta de estudo e reflexão)
E não sei (não gosto de) fazer-de-conta,
ou estou com, ou não estou com,
ou se está, ou não se está!

Gosto de (e sei) estar bem,
e só estou bem se estou com outros,
mas, em nome do convívio,
não me escondo do que/não fujo ao que é “a sério”!

Será isto?

domingo, 27 de julho de 2008

CLAR&VIDÊNCIAS - 2...

Será que?

Será que perdi o sentido de humor?
(seria grave!)

Será que não gosto de (deixei de saber) brincar?
(será que nunca soube?...)

Não! Não é isso.
Não sei (não gosto) é de fazer-de-conta,
ou sou, ou não sou
ou se é, ou não se é!

Gosto (e sei) divertir-me.
Recuso é diversões*
para se esconder o que/fugir ao que é sério!

Será isto?
_________________
* - e também detesto manipulações e artes&manhas de sedução, espúrias, estúpidas... embora com verniz de jogo floral!

Histórias ante(s)passadas - 27

Antigamente (espera aí!... não arranjarei maneira menos frouxa de começar a contar uma história, mesmo que seja uma destas estórias ante(s)passadas?!)…
Bem… Antigamente, não se ia à praia como se vai hoje. Antigamente, havia ainda mais vergonha do corpo (o que não é o mesmo que dizer vergonha corpo!)
Antigamente, havia recato! Escondia-se o corpo das vistas do público. E não só em público. Ao que me contaram mas, também, ao que sei. Pois se ainda me lembro de uma conversa, era eu jovem universitário, em que se falava do “escândalo” de um outro jovem, já um pouco mais velho e da redacção da Seara Nova, que andava nu em casa, para não recordar conversas muito menos antes passadas sobre o magno problema dos meninos verem ou não os pais em pelota … e outras, e outras.
Mas antes, muito antes, ainda eu não tinha nascido – mas já os meus pais tinham casado… – era bem pior! Esta fotografia é dos seus primeiros tempos de casados, em companhia dos padrinhos de casamento – o casal todo modernaço, ele de camisa e calças e sapatinhos brancos – e de outros amigos e amigas que não sei quem são, nem houve o cuidado de os meter todos na foto (que não retoquei).
Na praia, pois então. Era assim.
Depois, bem… depois nasci eu. Que comecei a ir à praia de fatinho de banho completo (e camisa por baixo) e, já muito mais crescido, me lembro de ir para a praia de Santo Amaro de Oeiras – ah! os capilés que lá havia ao sair do areal num botequinzinho da esquina para a subida para o comboio… – onde o pessoal masculino só podia andar de calçãozinho à medida e camisolinha de alças, sob a apertada vigilância dos “cabos-do-mar”.
Ah! como os tempos mudaram. Nalgumas coisas, nalgumas coisas…

sábado, 26 de julho de 2008

OPA CIDADES - 1

Ourém, 24 de Julho de 2008

Acabáramos de almoçar. Sardinhas como era de uso à 5ª feira, dia de mercado.
“Vou ali comprar o avante!...”, disse eu.
“Nós vamos ali à Lena Borda d'Água... também por causa do relógio…”. E foram. A Zé, a Bela, o Toino Andrade, a Mariana e o Armando.
Comprado o jornal, tentei recuperar a companhia, com passagem pela Camélia, onde o João abrira a porta e ficara de guarda à loja… que clientes nem vê-los.
Fiz o caminho que julguei ser o acertado. Nada. E a relojoaria ainda nem estava aberta.
Tinha ido por umas ruas, vim por outras, dando esparsas boas-tardes a raras gentes. Ninguém da minha.
Fechado o circuito, fui à livraria ao lado. Talvez lá tivessem ido… Qual quê? Aberta mas deserta. Fui ao café que é central. Deserto estava.
Refiz o itinerário e entrei noutro café que não é central mas fica em caminho. "Às moscas" e deles... nada.
A dois passos, já estava aberta a relojoaria... mas cheguei tarde. Tinham acabado de sair. Ainda deu para cumprimentar pai & filha. Mas acelerei e apanhei-os em fim de rota de regresso.
Reagrupados, tinha um guião completo para uma curta-metragem. Com um título (e sub-título):
À procura dos invasores da cidade morta
– até à 5ª feira!...

CLAR&VIDÊNCIAS - 1

Meia hora num mil(l)énio

Os bancos são a nossa sina
(que cena!...)

Com o nosso dinheiro
põem-nos ao seu serviço,
em bichas, em filas
(ou o raio que os parta)

À espera!
(a ver propaganda aos “seus produtos”)
Para lhes entregarmos o dinheiro
… que é nosso!
Para lhes pedirmos emprestado o dinheiro
… que é nosso!
Para lhe pagarmos todos os serviços
que nos fazem
porque nós lhos fazemos
... com o dinheiro que é nosso!

À espera!
(a ver a propaganda aos “seus”
novos “produtos financeiros”,
em cartazes e folhetos do melhor,
... do mais caro, claro).
Sempre com o nosso dinheiro
… e sem nos perguntarem nada,
nadinha de nada.

Tudo e sempre com o nosso dinheiro.
Que outros aproveitam,
para aumentar o dinheiro de "eles",
dos que já tèm muito, e cada vez mais
… com o nosso dinheiro,
suado e regateado
(ao nível da inflação esperada... segundo "eles").

Mas "eles", esses..., são insaciáveis,
isto é, nada os veda,
nada os veda!

Aqui estou eu.
À espera!
que aquele deposite,
que aquela transfira,
que aqueleoutro consiga o empréstimo
(e a apreciar a qualidade
dos materiais promocionais
dos "novos produtos financeiros"
para levar, e "dar"!, à malta
o dinheiro que da malta é)

E se um dia destes,
todos, mas todos!,
fossemos buscar
todo o nosso dinheiro
que aos bancos confiámos,
cheios de fidúcia,
e retomássemos o hábito do pé-de-meia
(como fazem os monges que não andam descalços…)?

Como é que "eles" se havinham
(tempo do verbo que deve-haver… se houver)?
sempre gostava de os ver…

Todo este “edifício”
(ah! as grandes arquitecturas,
cheias de alturas,
ah! as belas decorações,
feitas de despesões!,
... com o nosso dinheiro)
tudo "isto"
está sobre estacas
que assentam sobre areias movediças
(o nosso dinheiro…)
como se fosse cimento!

Abaixo o crédito!
Viva o débito!

(debitemos, pois
... ámen!)

sexta-feira, 25 de julho de 2008

OBeSCUROS - 1

Depois da confinação ao Zambujal,
confinado aos blogs
de circuito fechado,
apesar de alguma ventania
em certos comentários e comenta dores

condicionado pela técnica informática
que nos imperializa,
soberba e arrogantemente,
estamos (todos) info-dependentes!

Agora, agora!
Aqui, a mim, a mim!
Aqui d’El –Rei!
Por Santiago e aos mouros,
ou aos ciganos, ou aos ucranianos, ou aos marcianos.

Agora!
Agora e aqui,
declaro-me utópico
(abomino o realismo pragmático
e o pragmatismo realista)
Declaro-me u t ó p i c o !, ouviram?
incuravelmente, irremediavelmente
… mas científico, perceberam?!

Chamem-me louco
… como aos poetas e a certos pintores.
A única diferença entre mim e um louco
é que eu não sou louco
(dizia Dali, que era louco…)

Só estão a mudar as moscas,
que bosta esta!

Gostei mesmo disto...

A D. Tela voltou. Não sei de onde, nem quero saber... não sou coscuvilheiro, nem de vidas de vedetas de telenovelas ou de futebóis.
(re)Apresentou-se ao serviço e saiu-se c'um post que tem este final de que este docordel que eu sou gostou mesmo:
.
"... E como vão as coisas por ? Só passei os olhos pelos títulos dos jornais, mas não percebi grande coisa. A gasolina sobe ou desce? O desemprego sobe ou desce? Ou é tudo uma questão de sabermos encarar a situação com confiança, determinação e pragmatismo? A minha avó que Deus tem, que tinha cá um feitiozinho, costumava dizer: albarde-se o burro à vontade do dono. Mas ela nunca me disse qual era a vontade do burro, e se queria mesmo ser albardado, e se o burro era mesmo burro, e se o dono alguma vez tinha aprendido a albardar, e se o ditado não tinha sido mesmo inventado pelo dono, e se o mais triste não era ver o burro a repetir o que o dono queria. Ora vejam bem para o que me havia de dar. A Tela filósofa! IhIhIhIh!!!"
.
Pois façófavor de continuar a filosofar, que o seu filosofar tem muita graça!

quarta-feira, 23 de julho de 2008

o tanas...

on me dit à present
que ces mots n'ont plus de cours
qu'il vaut mieux ne chanter
que des chansons d'amour

(cantava, há uns anos, o Jean Ferrat)



"tradução" à cuco:

dizem-me que, hoje,
tais palavras não têm cotação em Bolsa,
mais: que melhor é não as dizer, é calá-las, é esquecê-las
(são coisa tonta...)
... e só cantar canções de amor
(ou de faz-de-conta)

________________________
por exemplo: solidariedade, amizade, companheirismo, socialismo, comunismo, marxismo-leninismo, exploração, luta de classes, mais-valia, capital... e etc. e tal

Histórias ante(s)passadas - 26

Não nasci numa “casa de livros”, como tantas vezes desejei, ou tive pena que não tivesse sido. Mas alguns havia.
Meu pai não era um homem de muitas leituras. Mas era um homem que lia.
Com a 4ª classe, sabia o nome de todos os rios e afluentes, de todas as serras. E lia jornais – ao domingo de manhã, sempre, e muitas vezes a República, lembro-me eu.
E lembro-o por causa desta (re)“descoberta”:
.
.
De que ano? Os livros, então, raramente traziam o ano (ao menos) da edição. Mas este tem uma referência que me comove.
Um verdadeiro ex-libris.
.
Por onde se fica a saber que foi editado antes de Maio de 1934 e, para estas “estórias”, terá o significado interessante de ser anterior ao meu nascimento (em Dezembro de 1935).
O livro? É... curioso. Ajuda a perceber o “momento histórico”.
Chega a enternecer o que se lê sobre bichos mas “horrorizam” alguns contos e trechos que falam de humanos, entre eles (talvez não para Henrique Galvão)… de pretos.
Um trecho para amostra (e vá lá…):
«Diz-se dos pretos e dos macacos que os primeiros atribuem aos segundos humana qualidade. Por via da semilhança no físico e mas maneiras julga o preto que o macaco é “gente” e só não fala por ladinice – para que não o façam trabalhar. Darwin, mais recentemente e mais cientificamente, com a sua basófia de estudioso e argumentos pesados de erudito, chegou a conclusões que não andam muito ao largo da crença dos negros.»
Que “pérola”! A partir de Darwin, está mesmo a ver-se:
macacos-->pretos-->brancos!

terça-feira, 22 de julho de 2008

I'am your man








A propósito de um tal Leonardo Cohen que anda por'i e por cá está

I'm your man

Ai, seria!
Se tivesse de Eugénio a poesia,
se tivesse do Chico a fisionomia
(e a voz, e os olhos, e o sorriso, e sei-lá-o-quê
… mas porquê?)

Se tivesse de um pintor os traços e a cor
Se tivesse de um músico os sons e o tom
Se tivesse de um actor os actos e a arte (e as manhas)

Se tivesse de um escritor as palavras e a lavra
Se tivesse de um arquitecto os riscos e o projecto
Se tivesse de um humorista as graças e o riso
Se tivesse de um comunista a verdade e a vontade[1]

Ah!, e se tivesse deste a idade,
daquele a postura,
daqueloutro a loucura[2] ...

_____________________________

[1] E bem me esforço…
[2] Parece que esta não me falta!...

segunda-feira, 21 de julho de 2008

Uma "dialecticazice"

Nada é definitivo
a não ser… o ser,
e só enquanto é!

Nenhuma “solução” é definitiva,
não há problema definitivamente resolvido,
só há sínteses… e não definitivas!

Cada síntese é um “fruto”
de uma semente, de um óvulo,
de uma tese, de uma antítese.

E logo é caroço, semente, óvulo,
isto é, uma nova tese,
e, simultaneamente, a tese cria a antítese.

Cada dia da vida
é um dia vivido:
“mais um dia, menos um dia” .

Cada dia de vida
é um dia devido à não-vida,
ao que não-foi, ao que virá a não-ser.

Nada é tão não-definitivo
como o ser… enquanto é,
porque, enquanto é, já está a não-ser!


Estes textozinhos (docordel) já foram!

domingo, 20 de julho de 2008

há mais alegrias na terra...

Festa da Alegria em Braga?
... e nem nisso se pensou!
pelos quilómetros?... mas esses faziam-se (ou desfaziam-se)
pelo cansaço?... mas só se dá por ele depois (e a forma está boa)
Então... porquê?
Porque havia uma outra coisa, aqui,
que em compromisso se tornou.
Afinal... falhou.
E assim... ficámos com um domingo assim.
Que bom!


sexta-feira, 18 de julho de 2008

Tempo de luta!

Que tempo este!
Que tempo este que vivemos
Que tempo “globalizado”, este que vivemos
Que tempo este que vivemos!

em que nos amordaçam a alegria que queremos ter
por alguém ser libertado de anos de cativeiro
na selva da guerra civil colombiana,

em que nos insultam com a mentira-espectáculo
ao serviço da sua propaganda e impunidade
na selva do narcotráfico e da “haute couture”

Que tempo este que vivemos!

em que nos agridem com o silêncio
sobre os seus crimes escondidos
na selva da informação que os crimonosos controlam,

em que nos violentam com a surdina
sobre a nudez da verdade que gritamos
na selva do manto opaco do entretenimento

Que tempo este que vivemos!

tempo histórico (como todos!...)
de mordaças, de insultos, de agressões, de violência,
de propaganda, de crimes, de mentira, de espectáculo

tempo histórico (perene e efémero)
de exploração, de miséria e de ostentação,
de anonimato e de vedetismo, de brutalidade e de indiferença

Que tempo este que vivemos!

tempo histórico (porque é o presente do nosso futuro)
em que estamos vivos pelo que fomos e pelo que seremos
tempo de perversão hipócrita da democracia por que lutámos

Tempo de luta!

quinta-feira, 17 de julho de 2008

cordelista me confesso...

De uma Amiga, recebi uma foto que tirou no Museu Náutico de Salvador, que aqui exponho com grande satisfação e agradecimento.

lê como eu sou...

Umas vezes, escrevo porque quero dizer,
outras, porque gosto de escrever,
há ainda as vezes em que escrevo
porque... preciso de escrever,
mas também me está a acontecer
que escrevo como se fosse para ser lido pelo meu pai,
para lhe dizer "vês?!, lê como eu sou..."

segunda-feira, 14 de julho de 2008

Histórias ante(s)passadas - 25

Diz-se que são como as cerejas. Ou vice-versa… Começam a contar-se histórias (ou a comer cerejas) e vêm umas encadeadas nas outras, por vezes enleadas. Do meu tio Cardoso, então, seriam estórias em cadeia. Passe a graça sem grande graça...
Esta estava não sei em que arquivo cá dentro e agora saltou. E só tenho pena que tenha saltado tão tarde porque teria lugar num livro já acabado – espero que na tipografia – em que conto 50 anos de economia e militância.
Pois esses “50 anos”, que vão de 1958 a 2008, começam por lembrar acontecimentos como as eleições de Humberto Delgado (e justo é dizer de Arlindo Vicente). Por isso, a foto que não é do meu tio Cardoso mas do general a votar.

.
.
O meu tio Cardoso, saído da cadeia, dos 10 anos que lá esteve, e dos “meses de descanso” que se ofereceu (ou alguém lhos ofereceu, que teriam sido, ao que o meu pai resmungava, os sogros comuns), arranjou emprego.
Não sei por onde andou mas às tantas estava a trabalhar na Brigada Naval. Ora a Brigada Naval (BN) fazia parte do ramalhete em que se incluíam a Mocidade e a Legião ditas portuguesas e mais instituições para-fascistas como, depois, o Movimento Nacional Feminino e movimentos de outros sexos e nexos.
Na BN, "dava cartas" um senhor chamado Henrique Tenreiro, um dos próceres do regime que fascista era e agora gostam de chamar Estado Novo, alcunha que a si se prantara.
De vez em quando, com o meu tio Cardoso a conversa escorregava para a política tendo ele o cuidado de sublinhar que era apenas empregado administrativo. Acontece que, nas vésperas da votação, entusiasmado eu com a campanha teria ido longe de mais, e ele achou por bem moderar os meus entusiasmos e descaiu-se a dizer que, só à conta dele, tinha instruções para votar em sete secções de voto, em nome de sete recenseados que, entretanto, tinham morrido e se mantinham nos cadernos. Ordens do chefe, almirante Tenreiro.
Fiquei banzado. O facto é que resolvi tentar a sorte. Arranjei alguns boletins de voto (então distribuídos previamente) do candidato Humberto Delgado e entreguei-os ao meu tio Cardoso, fazendo apelo à sua consciência cívica. Ao menos que pusesse alguns dos “seus mortos” a votarem no Humberto Delgado.
Não acredito que o tivesse feito. O medo de poder ser descoberto era muito!

sábado, 12 de julho de 2008

Histórias ante(s)passadas - 24

Não me digam que esta fotografia "à la minuta" não merece um post só para ela? Tirada por um fotógrafo daqueles de praia (decerto da Trafaria), com cenário a condizer.
São protagonistas o meu tio Cardoso à esquerda e a fazer peitaça (ele que chegou a entrar em competições de travessia do Tejo), o meu avô Albino a querer lembrar que fora atleta do Ginásio, e o lingrinhas do meu pai que, ao que parece, tinha "grande saída" no pessoal feminino... quando vestido!

Histórias ante(s)passadas - 23

O meu tio Cardoso. Pois… o meu tio Cardoso. Que conheci nas visitas à Penitenciária. De quem fui “construindo” uma imagem de homem injustiçado, ou excessivamente castigado pela justiça, atrás de portões e grades a ver crescer o sobrinho que eu era, e sobretudo o filho que de mim tinha um avanço de ano e meio.
Mas tudo tem um fim e, a partir de certa altura, só se preparava o regresso do tresmalhado membro da família, que vivia toda (excepto a Casimira, filha do primeiro casamento da tia Guilhermina, que fora viver com o pai e muitas vezes nos visitava… mais um mistério familiar nunca muito bem deslindado) naquele espaço da rua do Sol ao Rato. Os avós e patriarcas (Damásia e Albino) no 77, 1º dtº, os Adriões no 1º esqº, os Ribeiros no 85, rés do chão dtº e a tia Ermelinda e o Zé Luís no 2º dtº. Com o pátio por detrás, para onde se entrava por um arco entre o 77 e o 85 (mais tarde corrigidos para 25 e 27),
O regresso do Cardoso preparou-se como um acontecimento. Lembro-me de andar alvoroçado. Para isso, contribuía muito o meu pai. Eu bem o via e ouvia. Arranjou uma pasta de mostruário com artigos seus e de fornecedores que representava e, em surdina, ia preparando aquele regresso.
Bem... o Cardoso saiu e foi uma festa. Lá se deixou que ele subisse ao 2º dtº e tomasse posse da casa. E da mulher e do filho. Mas não por muitos dias, e sem essas coisas de agora de pegar num carro e irem dar uma volta…
Menos de uma semana depois, a Judite, a (co)mando do Joaquim, combinou com a Ermelinda um jantar lá em casa, no rés do chão. Tudo bem, tudo na melhor... O Zé Luís e eu brincámos, depois da escola, no quintal e, em vez da tia Ermelinda o chamar da janela das traseiras para ele subir, desceu ela e o tio Cardoso para jantarmos todos juntos.
Refeição melhorada, com arroz doce com certeza, tudo na “baixela” das grandes ocasiões, um palhete especial, muita alegria para nós todos. Até que, acabado o jantar, os homens foram conversar. Para o escritório.
E o meu pai avançou com a proposta que preparara e acarinhara durante dias ou semanas. Convidou o Cardoso para vir trabalhar com ele, para “fazer a praça”, “à comissão”, na venda de artigos de papelaria, depois de um estágio(zito).
O Cardoso teria ouvido, agradecido e arrumado a questão em dois tempos. Que ia descansar uns meses e depois veria que rumo profissional dar à vida.
O meu pai ficou perplexo. Frustrado, desiludido. «Descansar uns meses…?, então não lhe tinham chegado os 10 anos “de descanso”?!» Não lhe disse isto a ele, nem outras coisas. Mas disse-nos a nós, à minha mãe e a mim, quando nos relatou o grande choque que tivera. Foi uma das minhas – e das primeiras – lições de vida e idiossincrasias…

quarta-feira, 9 de julho de 2008

Histórias ante(s)passadas - 22

O curriculum do meu tio Cardoso pode alimentar muitas estórias ante(s)passadas. Dava pano para muitas mangas.
Casou com a minha tia Ermelinda, irmã de minha mãe, no mesmo dia em que esta casou com o meu pai. No dia 10 de Junho de 1933. Já aqui o disse, e mostrei fotografias.
Em devido tempo as duas manas se anunciaram grávidas… que então, nas “boas famílias”, essas coisas só aconteciam nos devidos tempos. Embora também nas “boas famílias” houvesse atropelos às regras e aos tempos. Mas eram coisas a manter em recato.
Em Julho de 1934, de minha tia Ermelinda nasceu o meu primo José Luís, e de minha mãe Judite morta nasceu uma menina que foi toda a vida (que não teve) muito chorada como a irmã que eu não tive, eu que nasci em Dezembro de 1935.
Mas que tem isto a ver com o meu tio Cardoso?
O tio Cardoso, Joaquim como meu pai, filho de sapateiro como meu pai era, o dele de vão de escada em prédio na Calçada Marquês de Abrantes, de que a mãe – a avó do Zé Luís – era porteira, tinha o vício do jogo. Mesmo a sério!
Era Joaquim Cardoso, ao que fui sabendo, um excelente profissional administrativo, um guarda-livros, homem de confiança numa qualquer empresa.
(Se estou a ser impreciso é porque esta estória é tão ante(s)passada que é de antes de eu ter nascido e faz parte das tais coisas de que se não falava, que ficavam a recato…)
O caso é que, ao crescer me foi sendo comunicado, com cuidados e caldos de galinha, que o meu tio Cardoso estava na Penitenciária, e eu conheci-o, já com meses a somarem anos – por serem mais de 12 ou de 24 – em visitas a que fui levado para o conhecer e para ele ver como eu crescia.
Preso… mas porquê? Lá descobri – a custo – que se servira de dinheiros que lhe passavam confiadamente pelas mãos para ver se a sorte do jogo o ajudava e, depois, para ver se recuperava o que o azar do jogo lhe dera como (má) sorte, e por aí fora até à Penitenciária.
Gostei do homem. Era alentejano, do Redondo, tinha mesmo cara e jeito de boa pessoa, afável, bonacheirão. E tinha… mistério. Aliás, ainda hoje essa história me parece mal contada porque cedo comecei a perceber que a pena de 10 anos era desproporcionada para o crime que diziam ter cometido. Mas isso fica para outras estórias. Para esta, fica só o registo de que o meu tio Cardoso assim me livrou de ser eu o primeiro cadastrado da família…

sábado, 5 de julho de 2008

De balde - texto talvez ético-literário

Alguns de nós, por vezes, dizem dos "outros", de eles, que as suas políticas são erradas... porque prejudicam os trabalhadores, vão contra o bem-estar das populações. 'Tá mal!
As suas políticas são as políticas de eles e, por isso, cumprem o seu papel ao prejudicarem os trabalhadores, ao não zelarem pelo interesse das populações. Até porque invocam em vão o nome do princípio da equidade.
Alguns de eles fazem-se de melindrados, tomam poses de virtuosas donzelas, dizem-se ofendidos porque uns de nós lhes teriam chamado mentirosos, especuladores e outras coisas (não serem de esquerda, por exemplo). O que, às vezes, é mentira mas... têm razão!
É que nem todos eles mentem, todos eles dizem o que convém que seja dito, e só alguns se excedem e fazem pequenos entorses no que é verdade, ou no que são as verdades.
Eles especulam, lá isso especulam, mas alguns de eles apenas no sentido nobre (?) do verbo, ou seja, para aumentar o capital financeiro investido, por si ou por seus patrões. Como é sua obrigação e dever de ser de suas políticas.
Eles (alguns) até são muito, muito, de esquerda. São-no tanto que alguns de eles até comem e assinam com a mãozinha esquerda. São canhotos! Ah... e, como estado de espírito seu, muitos de eles preferem ser da esquerda da direita que da direita da esquerda.
Vamos lá a ver se nos entendemos:
O que, por exemplo, o senhor presidente da Galp faz pode não ser o que nós achamos ético, "fair trade", não ter em conta o bem-estar (ou o mal-estar) das populações. O que ele tem de fazer é fazer crescer o capital financeiro investido na Galp, (agora) SA. No respeito pelas leis da República e da União Europeia (por ordem inversa), claro. Quando estão de acordo com interesses da SA Galp, claro!
Voltando ao princípio:
As políticas dos governos e dos gestores ao serviço do capital são certas, e muitas vezes certeiras, quando conseguem os seus/de eles objectivos. Não são erradas por, correspondentemente, prejudicarem os trabalhadores, as populações. São tão-só de classe!
Ah!, e isso de esquerda/direita, ou já não existe (para eles), ou é um estado de espírito, como já se disse acima.

Alexandra

Um filme baço, penumbrento. Com as cores da poeira. E das fardas.
Um filme de guerra. Sem guerra. Sem um tiro. Sem uma morte. Apesar disso, violentíssimo. Como a guerra.
Um filme sobre a desumanidade da guerra. Povoado de gente. de humanidade.
Um filme de perplexidades. De perplexidade face à recusa da venda de um maço de tabaco ao opressor (ou para o opressor). De perplexidade perante a compreensão e a fraternidade, naturais, expontâneas. Sem limites nem reservas.
Um filme pela paz.
Uma avó gorkiana (turgueneviana?, lermontoviana?). Russa? Sim. Talvez mais... soviética.